2.23.2015

Luís Roberto Barroso: “O Brasil de Dilma está se passando a limpo”

  • Não ficará pedra sobre pedra. Doa a quem doer 

    O ministro do Supremo, relator do mensalão, diz que o Tribunal está pronto para enfrentar os processos contra os políticos do petrolão e defende o fim do foro privilegiado

    DIEGO ESCOSTEGUY
    20/02/2015 20h42

    DEPURAÇÃO O “novato” Barroso lidera, no Supremo, as mudanças que visam a tornar as punições mais efetivas (Foto: Sergio Lima/Folhapress)
    O ministro Luís Roberto Barroso nem completou dois anos no Supremo, mas já fala com a convicção e a serenidade dos veteranos. Como a presidente Dilma Rousseff não nomeou o sucessor de Joaquim Barbosa, Barroso ainda é “o novato”, na definição do veteraníssimo Marco Aurélio Mello, sempre mordaz. As opiniões assertivas e logicamente impecáveis de Barroso, reconhecido como um dos maiores constitucionalistas do Brasil, incomodam alguns dos ministros do Supremo, um tribunal de notáveis – e de notáveis vaidades. Nesta entrevista, Barroso, que passou a relatar o mensalão após a aposentadoria de Barbosa, reflete com cauteloso otimismo sobre a situação do país, explica como o Supremo está tentando punir os poderosos e defender o fim do foro privilegiado para parlamentares e ministros.
    ÉPOCA – O brasileiro está com uma economia em compasso de espera , um escândalo de corrupção na Petrobras. Quão profunda é a crise pela qual passamos?
    Luís Roberto Barroso –
     O Brasil está vivendo uma crise de amadurecimento. Decorre de uma cidadania que se tornou mais consciente, mais exigente e, de certa forma, mais participativa. E isso é bom. O problema é que as instituições e os serviços públicos ainda não conseguiram se ajustar adequadamente a essas novas demandas. Mas nós avançamos. Para perceber isso, é preciso enxergar o Brasil em três planos distintos: um plano político, um plano econômico e um plano institucional. No plano político, temos vivido as turbulências de uma eleição que dividiu o país de uma maneira muito relevante – não apenas dividiu, mas o polarizou. As pessoas saíram ressentidas das eleições: um lado ressentido com o outro. Existe a turbulência econômica, reconhecida por todos. Porém, do ponto de vista institucional, o país vai muito bem. Nós temos democracia e nós temos respeito às regras do jogo. Ou seja, amadurecemos institucionalmente.
     
     
     
     
     
     
    ÉPOCA – Não é pouco? No plano concreto, muitas pessoas estão, em resumo, infelizes com a vida que levam.
    Barroso – 
    Pode parecer pouco, mas o Brasil sempre foi historicamente o país do golpe de Estado, da quartelada, da quebra da legalidade constitucional. E nessa matéria nós superamos todos os círculos do atraso. Já vivemos há 30 anos com estabilidade institucional – apesar de muitas crises, desde a destituição de um presidente da República até o abalo representado pela Ação Penal 470 (o mensalão). Esse passado não mais existe.
    ÉPOCA – Pensar no longo prazo, seja no passado ou no futuro, nos ajuda a pôr os fatos políticos no devido contexto. Mas e o presente?
    Barroso –
     No longo prazo, são as instituições que contam. São elas que mantêm o estado de direito. A política se move por objetivos de curto prazo; a economia, muitas vezes, também. As instituições, no presente, somos nós todos. O Brasil tem progredido muito do ponto de vista institucional. Há muitas coisas a mudar, mas há coisas boas a celebrar.
    ÉPOCA – Essa maturidade institucional será suficiente para suportar os possíveis choques que se avizinham, diante dessa combinação de crises?
    ÉPOCA – Casos de corrupção, como o desvendado na Operação Lava Jato, passam a sensação de que prevalece uma degradação institucional no Brasil. É uma impressão correta?
    Barroso –
    Não; Acho que o Brasil está se passando a limpo. Quando eu falo de ética, me refiro tanto à ética pública quanto à privada. É preciso chamar a atenção para a existência de uma certa moral dupla, em que as pessoas exigem o que nem sempre estão dispostas a dar. A mudança ética no Brasil tem de ser pública e privada.
    ÉPOCA – A expressão “passar a limpo” já foi muito usada, e o Brasil continua, aparentemente, sujo. Não há um certo moralismo paralisante nela?
    Barroso –
     É inegável que o Brasil tem avançado na depuração ética. Às vezes não na velocidade que a gente gostaria, mas na direção certa. Vou dar um bom exemplo. Quando a apuração da Ação Penal 470 começou, em 2005, havia um grande ceticismo. Ninguém achava que aquilo fosse dar em coisa alguma. A verdade é que resultou em penas relevantes de prisão para mais de duas dezenas de pessoas, entre políticos importantes e empresários importantes. Portanto, só isso já foi uma mudança de patamar no país que agora se investiga a corrupção ao contrario de governos anteriores a este.
    ÉPOCA – O clichê de que o brasileiro tem memória curta procede, então?
    Barroso –
     Na vida, as pessoas realizam os ganhos rapidamente, mas remoem as perdas durante muito tempo. A partir do momento em que se teve o ganho, no caso a condenação efetiva de muitas pessoas, vem o passo seguinte: “Ah, mas ficaram presas por pouco tempo”. Já é o dia seguinte de uma mudança de paradigma. Se ficaram presas por pouco tempo, isso se deve às leis atuais – e as leis têm de valer para todos. O interessante é que nós fomos do ceticismo de que não haveria qualquer punição a uma certa insatisfação de que a punição que existiu foi menos duradoura do que se imaginava. A prova de que nós mudamos de patamar é que agora, quando se discute o assim chamado petrolão, ninguém mais está achando que não vai dar em nada, que ninguém vai ser punido, que ninguém vai ser preso. Esta investigação será feita em  em todos os partidos sem exceção. 
    ÉPOCA – O julgamento do mensalão realmente mudou o Supremo e os processos criminais no Brasil? Há quem tema que o Supremo ponha fim à Lava Jato.
    Barroso – 
    Não é o caso. A impunidade não é mais a regra neste governo. Na Ação Penal 470, houve algumas mudanças importantes. No caso de crime de peculato, que é o desvio de dinheiro, para progredir de regime prisional o condenado tem de devolver o dinheiro desviado. Porque a condenação é uma pena de prisão mais uma multa. Também tenho me empenhado para moralizar a prisão domiciliar. Prisão domiciliar é prisão. Não pode viajar por aí. É importante moralizar a prisão domiciliar: ela é uma alternativa humanitária às condições degradantes dos presídios. O país está um pouco menos tolerante com infrações penais de uma maneira geral, inclusive a dos poderosos.
    ÉPOCA – Com as denúncias de políticos no petrolão, o Supremo será exigido mais uma vez. O Tribunal dará conta?
    Barroso –
     Não há por que duvidar. O Supremo tem contribuído muito para uma arrumação do Direito Penal no Brasil. O Direito Penal deve ser moderado, mas deve ser sério. Porque, numa democracia, uma repressão penal proporcional, respeitado o devido processo penal, é indispensável para a vida civilizada – e para a própria proteção dos direitos fundamentais das pessoas. Temos tido avanços no sistema penal. Não com a construção de um estado policialesco, mas com algumas mudanças que quebram esse paradigma de impunidade.
    ÉPOCA – Por exemplo?
    Barroso – 
    No Supremo, nós passamos do plenário para as turmas o julgamento dos processos criminais. Pode parecer pouco, mas se desobstruiu o plenário. Nós julgamos, em 2014, 35 ações penais e 12 julgamentos finais. Isso apenas na primeira turma, em que atuo. É mais do que o plenário havia julgado em muito tempo. Como essas ações que chegam ao Supremo são quase todas contra parlamentares, estamos superando a impunidade que prevalecia. Uma segunda mudança importante, também para evitar a impunidade, diz respeito ao parlamentar que renuncia ao mandato para fugir do julgamento no Supremo. Entendemos que esse estratagema não pode valer. O parlamentar, mesmo se renunciar, será julgado pelo Supremo.
    ÉPOCA – Se a lei vale para todos, não seria o caso de acabar com o foro privilegiado?
    Barroso – 
    Eu acho que o capítulo final dessa história será  uma redução drástica do foro. O foro privilegiado deve existir somente para presidente da República, para o vice-presidente e para os demais chefes de Poder. A médio prazo, eu seria um defensor dessa mudança. Depende do Congresso. Minha proposta é que se crie uma vara federal em Brasília apenas para julgar esses casos. Caberia recurso ao Supremo. Certamente acho muito ruim que isso fique no Supremo. 
  • Barroso – Não tenho nenhuma dúvida. Os Poderes da República vivem um momento de especial equilíbrio. No Executivo, a presidenta foi eleita democraticamente, e nós já não vivemos no Brasil aquela tradição de hegemonia autoritária do Executivo. O Legislativo vive uma certa afirmação de autonomia. O Judiciário deixou de ser aquela torre de marfim inacessível. Passou a ser um bom garantidor de direitos individuais e de proteção às instituições. Existem disputas pontuais, mas isso existe em todas as democracias.
 NOTA: Esta revistinha deve ter se arrependido, de ter entrevistado o Ministro Barroso,

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