Metade dos jovens entre 15 e 17 anos
não está matriculada no ensino médio. Pesquisa inédita mostra que a
proporção dos que abandonaram a escola nessa etapa saltou de 7,2% para
16,2% em 12 anos
João Loes

Não é sempre que apenas uma estatística basta para dar um bom
panorama da realidade. O mais comum é que seja preciso esmiuçar diversos
números e informações para realmente compreender o que está em jogo.
Quem se debruça sobre o ensino médio brasileiro, porém, se depara com
uma única estatística que parece sintetizar, de forma clara, a
desastrosa situação desta etapa da educação: a taxa de evasão escolar.
Uma nova pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(Seade), com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios do IBGE, revela que apenas metade dos jovens com idade entre
15 anos e 17 anos está matriculada no ensino médio. Pior: entre 1999 e
2011, a taxa de evasão nesta faixa mais que dobrou, saltando de 7,2%
para 16,2%. Ainda que o número absoluto de alunos venha aumentando,
segundo o Ministério da Educação, dados de evasão como esses criam um
senso de urgência que se sobrepõe a tudo. “Chama a atenção a dificuldade
de enfrentamento da crise do ensino médio”, resume o estudo. “A
despeito das reformas, os resultados das avaliações nacionais continuam
surpreendendo negativamente os responsáveis pela condução da política
educacional brasileira”, conclui.
ARREPENDIMENTO
A evasão é grande, mas a maioria pensa em voltar à escola
A evasão, nesse contexto, é menos causa que consequência dessa crise.
Ela é a parte visível de um conjunto de problemas conhecidos há
décadas, mas sobre os quais nenhum governo tem feito o suficiente. “A
crise é inquestionável e não podemos mais adiar o enfrentamento de um
problema tão grave”, diz Maria de Salete Silva, coordenadora do programa
de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, no Brasil
(Unicef). “O ensino médio é o maior desafio da educação do País.”
Currículo inchado, com disciplinas demais para tempo de menos, ausência
de um programa de ensino técnico integrado a essa etapa escolar, baixa
remuneração dos professores e, fundamentalmente, inadequação do ensino
médio à vida, às expectativas e às necessidades dos jovens compõem o
retrato das dificuldades. “Esperar cinco anos para agir é condenar uma
geração que hoje tem entre 15 e 17 anos a não ter perspectivas de
futuro”, resume Maria Salete.
O paulistano Mateus Oliveira, hoje com 19 anos, sabe bem quanto abrir
mão da educação nessa fase crucial limita as perspectivas de futuro.
Quando tinha 17 anos e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino
médio, ele resolveu largar a escola para tentar a carreira de jogador
de futebol. “Era um sonho que já tinha me custado a sétima série, que
também repeti”, diz. Confiante no talento com a bola, ele insistiu, mas
menos de um ano depois percebeu que o caminho não renderia frutos. Com
18 anos e sem o ensino médio concluído, matriculou-se no programa de
educação de jovens e adultos, onde um ano de ensino pode ser cumprido em
seis meses, e rumou para a carreira militar. Atrasado, finalmente
conseguiu concluir o ensino médio esse ano, mas viu e ainda vê
oportunidades lhe escaparem por causa da formação atrasada. “Já era para
eu ter concluído o curso técnico que acabei de começar, em
informática”, diz. Com a capacitação, ele poderia estar ganhando mais no
Exército – onde ainda recebe um salário de base, além de não ter
segurança de carreira – ou trabalhando como técnico em informática em
uma empresa da área. “Me arrependo das decisões que tomei”, diz.
SONHO FRUSTRADO
Mateus Oliveira, 21 anos, abandonou o ensino médio aos 17 anos
para tentar ser jogador de futebol. Não deu certo e agora ele
quer se tornar técnico em informática
Tratar o caso de Oliveira como o de um garoto perdido que
simplesmente preferia jogar bola a estudar é, além de reforçar
preconceitos, desperdiçar uma grande oportunidade de entender de onde
vem o gigantesco desinteresse do jovem pela escola. Afinal, Oliveira não
deixou o estudo só porque o futebol o atraía, mas também porque o
colégio não parecia relevante o suficiente para ele. E não são poucas as
razões que fazem da escola algo sem importância aos alunos, como mostra
a pesquisa do Seade.
O currículo é um dos maiores problemas. Reformado em 1998 e 2012, mas
ainda inchado por 13 disciplinas obrigatórias, além de cinco
complementares a serem ministradas em conjunto com as demais, ele tem
sido considerado excessivamente extenso para os três anos de ensino
médio. Recentemente, ganhou força a ideia de dividir as disciplinas em
grandes áreas de interesse. Trata-se de uma contribuição vinda do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu com a única função de
avaliar essa etapa educacional, mas que hoje acumula a tarefa de
selecionar alunos para universidades federais do País. A proposta é
reunir, como acontece no Enem, biologia, física e química sob o
guarda-chuva das ciências da natureza; história, geografia, filosofia e
sociologia, sob ciências humanas, e assim por diante. “Mas o projeto é
de difícil implantação, exige forte interdisciplinariedade, o que não se
faz de uma hora para outra”, diz Luis Márcio Barbosa, diretor-geral do
Colégio Equipe, em São Paulo.
PROVEDOR
Hudson Silva, 22 anos, saiu da escola para poder trabalhar e ajudar em casa
Além das questões práticas, como o volume de disciplinas e o tempo
disponível para cumpri-las, uma preocupação mais subjetiva com o
currículo, mas não menos importante, tem ganhado cada vez mais espaço.
Trata-se da distância abissal entre o conteúdo das disciplinas
apresentado aos jovens e a realidade da vida que eles levam. “A escola
continua muito tradicional, engessada diante da vida mutante do
adolescente contemporâneo”, afirma o educador Barbosa. A chamada
“integração do currículo às tecnologias educacionais”, meta no relatório
do Seade, é um dos maiores gargalos. Hoje, segundo pesquisa do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), 84,4% dos brasileiros com
idade entre 15 e 19 anos usam a internet para estudar. Outros 25,9%
recorrem a tablets e celulares. Enquanto isso, poucas escolas no País
fazem uma integração real de conteúdo e tecnologia, embora 73,8% delas
já contem com computador e internet. Este descompasso entre expectativas
dos alunos e entrega da escola é forte gerador de desinteresse, mas não
é o único.
A ausência de uma articulação mais eficiente entre ensino
profissional e ensino médio também é tida como uma das razões para a
evasão nesta fase. Reconhecer que nem todos, ao completar 18 anos, vão
rumar para a universidade e oferecer a alternativa do aprendizado
técnico durante o ensino médio pode ser um caminho para manter alunos na
escola. Se essa opção estivesse disponível para o paulistano Hudson
Laton da Silva, hoje com 21 anos, ele provavelmente teria terminado a
educação básica. Morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo,
Silva saiu do colégio para se dedicar integralmente ao trabalho quando
cursava o primeiro ano do ensino médio. “Tinha que ajudar em casa”,
conta. Ele trabalha como mecânico e, se um curso técnico nessa área
tivesse sido oferecido na escola onde ele estudava, o jovem teria uma
razão a mais para continuar frequentando a instituição. Hoje ele corre
atrás do prejuízo. Mesmo empregado – ele é funcionário de uma grande
concessionária na capital paulista –, Silva pretende fazer um supletivo e
finalmente terminar o ensino médio. “Vou ser sincero: vontade de voltar
a estudar eu não tenho, mas sei que é importante, então quero fazer o
supletivo”, diz.

Boa parte dos que deixam de estudar pensa como ele e fala em
retornar. Segundo dados da pesquisa do Cebrap, 61,8% dos jovens que
abandonaram a escola nessa fase querem voltar para concluir o ensino
médio, independentemente da razão que motivou a evasão. “Algumas
decisões são tomadas de maneira impulsiva porque o adolescente já tem
alguma autonomia, mas tem dificuldade para pensar a longo prazo”, diz
Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá, para
quem, na adolescência, tudo é mais interessante que estudar. “Mas eles
pensam no que fazem, refletem e costumam se arrepender quando veem que
fizeram besteira.” Cabe à escola e aos pais dar subsídios ao aluno para
que ele consiga administrar os impulsos da idade. Nem sempre, porém, é
possível. A paranaense Andreia Tawlak, hoje com 21 anos, conhece, como
poucos, as consequências da entrega às paixões adolescentes.

Dona de um histórico escolar conturbado – ela havia repetido a sétima
série e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino médio –,
Andreia surpreendeu a todos quando, aos 17 anos, anunciou que estava de
mudança para Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Apaixonada pelo
primeiro namorado, de 23 anos, ela diz ter sido convencida por ele a
largar tudo e acompanhá-lo. “Foi coisa de idiota”, admite, hoje. O
relacionamento durou um ano e meio, Andreia teve de retornar para Foz do
Iguaçu, onde morava, e hoje está às voltas com um supletivo que não
consegue terminar enquanto sonha com cursos de design e um emprego na
área. “Os amigos do tempo de escola que continuaram estudando estão
todos trabalhando. E eu? O que estou fazendo?”, questiona.
Embora muitos especialistas defendam que, mesmo em casos como o de
Andreia, a escola tem responsabilidade por não ter mostrado à aluna a
importância de permanecer em sala de aula, há visões contrárias a esta
tese. A diretora do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP),
Silvia Barbara, afirma que “jovens adultos” com seus 16, 17 anos devem
assumir suas obrigações. “Nas análises dos problemas na educação, a
escola e os professores são sempre os mais criticados e pouca ou nenhuma
responsabilidade é legada ao adolescente e à família”, diz. Silvia diz
ainda que a cruzada em favor de uma escola que privilegie ser agradável
aos alunos antes de se preocupar em passar a eles o conhecimento
acumulado da humanidade pode ter efeitos nocivos. “Vivemos em uma
sociedade que valoriza demais o prazer e criminaliza demais o trabalho. E
estudar sempre dará trabalho”, afirma.
FASE
Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá:
"Na adolescência, tudo é mais interessante que estudar", diz ela
Quando um jovem abandona a escola, perdem todos. A exclusão pela
educação cria um abismo social e inibe o surgimento de um cidadão com
uma participação social mais efetiva. Perde também o Brasil. “O País
deixa de ter um profissional de nível médio com formação geral e um
potencial profissional de nível técnico pós-médio ou de nível superior,
com formação específica”, alerta Priscilla Tavares, professora e
pesquisadora da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em
São Paulo. “As consequências do abandono no ensino são severas para o
crescimento econômico.” Já passou da hora de enfrentarmos esse desafio.
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