Metade dos jovens entre 15 e 17 anos não está matriculada no ensino médio. Pesquisa inédita mostra que a proporção dos que abandonaram a escola nessa etapa saltou de 7,2% para 16,2% em 12 anos
João Loes
ARREPENDIMENTO
A evasão é grande, mas a maioria pensa em voltar à escola
A evasão, nesse contexto, é menos causa que consequência dessa crise.
Ela é a parte visível de um conjunto de problemas conhecidos há
décadas, mas sobre os quais nenhum governo tem feito o suficiente. “A
crise é inquestionável e não podemos mais adiar o enfrentamento de um
problema tão grave”, diz Maria de Salete Silva, coordenadora do programa
de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, no Brasil
(Unicef). “O ensino médio é o maior desafio da educação do País.”
Currículo inchado, com disciplinas demais para tempo de menos, ausência
de um programa de ensino técnico integrado a essa etapa escolar, baixa
remuneração dos professores e, fundamentalmente, inadequação do ensino
médio à vida, às expectativas e às necessidades dos jovens compõem o
retrato das dificuldades. “Esperar cinco anos para agir é condenar uma
geração que hoje tem entre 15 e 17 anos a não ter perspectivas de
futuro”, resume Maria Salete.A evasão é grande, mas a maioria pensa em voltar à escola
O paulistano Mateus Oliveira, hoje com 19 anos, sabe bem quanto abrir mão da educação nessa fase crucial limita as perspectivas de futuro. Quando tinha 17 anos e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino médio, ele resolveu largar a escola para tentar a carreira de jogador de futebol. “Era um sonho que já tinha me custado a sétima série, que também repeti”, diz. Confiante no talento com a bola, ele insistiu, mas menos de um ano depois percebeu que o caminho não renderia frutos. Com 18 anos e sem o ensino médio concluído, matriculou-se no programa de educação de jovens e adultos, onde um ano de ensino pode ser cumprido em seis meses, e rumou para a carreira militar. Atrasado, finalmente conseguiu concluir o ensino médio esse ano, mas viu e ainda vê oportunidades lhe escaparem por causa da formação atrasada. “Já era para eu ter concluído o curso técnico que acabei de começar, em informática”, diz. Com a capacitação, ele poderia estar ganhando mais no Exército – onde ainda recebe um salário de base, além de não ter segurança de carreira – ou trabalhando como técnico em informática em uma empresa da área. “Me arrependo das decisões que tomei”, diz.
SONHO FRUSTRADO
Mateus Oliveira, 21 anos, abandonou o ensino médio aos 17 anos
para tentar ser jogador de futebol. Não deu certo e agora ele
quer se tornar técnico em informática
Tratar o caso de Oliveira como o de um garoto perdido que
simplesmente preferia jogar bola a estudar é, além de reforçar
preconceitos, desperdiçar uma grande oportunidade de entender de onde
vem o gigantesco desinteresse do jovem pela escola. Afinal, Oliveira não
deixou o estudo só porque o futebol o atraía, mas também porque o
colégio não parecia relevante o suficiente para ele. E não são poucas as
razões que fazem da escola algo sem importância aos alunos, como mostra
a pesquisa do Seade.Mateus Oliveira, 21 anos, abandonou o ensino médio aos 17 anos
para tentar ser jogador de futebol. Não deu certo e agora ele
quer se tornar técnico em informática
O currículo é um dos maiores problemas. Reformado em 1998 e 2012, mas ainda inchado por 13 disciplinas obrigatórias, além de cinco complementares a serem ministradas em conjunto com as demais, ele tem sido considerado excessivamente extenso para os três anos de ensino médio. Recentemente, ganhou força a ideia de dividir as disciplinas em grandes áreas de interesse. Trata-se de uma contribuição vinda do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu com a única função de avaliar essa etapa educacional, mas que hoje acumula a tarefa de selecionar alunos para universidades federais do País. A proposta é reunir, como acontece no Enem, biologia, física e química sob o guarda-chuva das ciências da natureza; história, geografia, filosofia e sociologia, sob ciências humanas, e assim por diante. “Mas o projeto é de difícil implantação, exige forte interdisciplinariedade, o que não se faz de uma hora para outra”, diz Luis Márcio Barbosa, diretor-geral do Colégio Equipe, em São Paulo.
PROVEDOR
Hudson Silva, 22 anos, saiu da escola para poder trabalhar e ajudar em casa
Além das questões práticas, como o volume de disciplinas e o tempo
disponível para cumpri-las, uma preocupação mais subjetiva com o
currículo, mas não menos importante, tem ganhado cada vez mais espaço.
Trata-se da distância abissal entre o conteúdo das disciplinas
apresentado aos jovens e a realidade da vida que eles levam. “A escola
continua muito tradicional, engessada diante da vida mutante do
adolescente contemporâneo”, afirma o educador Barbosa. A chamada
“integração do currículo às tecnologias educacionais”, meta no relatório
do Seade, é um dos maiores gargalos. Hoje, segundo pesquisa do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), 84,4% dos brasileiros com
idade entre 15 e 19 anos usam a internet para estudar. Outros 25,9%
recorrem a tablets e celulares. Enquanto isso, poucas escolas no País
fazem uma integração real de conteúdo e tecnologia, embora 73,8% delas
já contem com computador e internet. Este descompasso entre expectativas
dos alunos e entrega da escola é forte gerador de desinteresse, mas não
é o único.Hudson Silva, 22 anos, saiu da escola para poder trabalhar e ajudar em casa
A ausência de uma articulação mais eficiente entre ensino profissional e ensino médio também é tida como uma das razões para a evasão nesta fase. Reconhecer que nem todos, ao completar 18 anos, vão rumar para a universidade e oferecer a alternativa do aprendizado técnico durante o ensino médio pode ser um caminho para manter alunos na escola. Se essa opção estivesse disponível para o paulistano Hudson Laton da Silva, hoje com 21 anos, ele provavelmente teria terminado a educação básica. Morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, Silva saiu do colégio para se dedicar integralmente ao trabalho quando cursava o primeiro ano do ensino médio. “Tinha que ajudar em casa”, conta. Ele trabalha como mecânico e, se um curso técnico nessa área tivesse sido oferecido na escola onde ele estudava, o jovem teria uma razão a mais para continuar frequentando a instituição. Hoje ele corre atrás do prejuízo. Mesmo empregado – ele é funcionário de uma grande concessionária na capital paulista –, Silva pretende fazer um supletivo e finalmente terminar o ensino médio. “Vou ser sincero: vontade de voltar a estudar eu não tenho, mas sei que é importante, então quero fazer o supletivo”, diz.
Embora muitos especialistas defendam que, mesmo em casos como o de Andreia, a escola tem responsabilidade por não ter mostrado à aluna a importância de permanecer em sala de aula, há visões contrárias a esta tese. A diretora do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), Silvia Barbara, afirma que “jovens adultos” com seus 16, 17 anos devem assumir suas obrigações. “Nas análises dos problemas na educação, a escola e os professores são sempre os mais criticados e pouca ou nenhuma responsabilidade é legada ao adolescente e à família”, diz. Silvia diz ainda que a cruzada em favor de uma escola que privilegie ser agradável aos alunos antes de se preocupar em passar a eles o conhecimento acumulado da humanidade pode ter efeitos nocivos. “Vivemos em uma sociedade que valoriza demais o prazer e criminaliza demais o trabalho. E estudar sempre dará trabalho”, afirma.
FASE
Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá:
"Na adolescência, tudo é mais interessante que estudar", diz ela
Quando um jovem abandona a escola, perdem todos. A exclusão pela
educação cria um abismo social e inibe o surgimento de um cidadão com
uma participação social mais efetiva. Perde também o Brasil. “O País
deixa de ter um profissional de nível médio com formação geral e um
potencial profissional de nível técnico pós-médio ou de nível superior,
com formação específica”, alerta Priscilla Tavares, professora e
pesquisadora da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em
São Paulo. “As consequências do abandono no ensino são severas para o
crescimento econômico.” Já passou da hora de enfrentarmos esse desafio.Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá:
"Na adolescência, tudo é mais interessante que estudar", diz ela
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