Em menos de dois meses, quatro tragédias familiares ocorreram na Grande São Paulo. Como explicar esses homicídios?
Natália Mestre e Andres Vera
Em um período de menos de dois meses, a
região metropolitana de São Paulo foi palco da morte de quatro famílias
inteiras. Além do assassinato dos Pesseghini, os PMs que teriam sido
executados pelo filho de 13 anos, outras duas tragédias chocam pela
brutalidade que é um pai ou uma mãe ser capaz de tirar a vida do próprio
rebento. No início do mês, na cidade de Cotia, o cabeleireiro Claudinei
Pedrotti Júnior, 39 anos, envenenou a mulher, Suelen da Silva, os
filhos de 7 e 2 anos e a si próprio. No sábado 14, a polícia se deparou
com os corpos das adolescentes Paola Knorr Victorazzo, 13 anos, e
Giovanna Knorr Victorazzo, 14, em uma casa no bairro do Butantã, na zona
oeste. A mãe delas estava deitada no chão da sala. Muito abalada, Mary
Knorr, 53 anos, dizia que havia matado as filhas e que queria morrer.
Ela foi levada ao Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
(USP), onde permanece internada. “Para a investigação não resta dúvida:
foi a mãe que assassinou as meninas”, diz o delegado responsável, Gilmar
Contrera. “Policiais e médicos ouviram a confissão dela.” As meninas
morreram asfixiadas. O último caso segue em aberto. A auxiliar de
enfermagem Diná Vieira Lopes da Silva, 43 anos, e seus quatro filhos
foram encontrados sem vida em casa, na terça-feira 17, em Ferraz de
Vasconcelos, na Grande São Paulo. Há três linhas de investigação:
assassinato cometido pelo namorado de Diná, envenenamento e vazamento de
gás no apartamento.
É inevitável tentar entender o que motivou tantas mortes de pessoas
da mesma família em um período tão curto de tempo. Embora não haja uma
resposta única, alguns paralelos podem ser traçados, segundo
especialistas. “A psiquiatria é taxativa. Não se pode admitir que essas
pessoas eram sãs. Eram insanos mentais. Quem comete esse tipo de crime
costuma ter pré-disposição a atos violentos”, diz o psiquiatra forense
Guido Palomba. “Existem, sim, elementos comuns a todos os casos. Há um
padrão de frustração extrema, incapacidade de tomar decisões e,
finalmente, fuga”, completa Suely Guimarães, doutora em psicologia da
Universidade de Brasília (UnB). Os casos espantam porque os possíveis
distúrbios mentais não foram detectados por quem convivia com esses
assassinos. Na tragédia dos Pesseghini, por exemplo, até hoje os
parentes dos PMs não acreditam que o menino seja o autor dos crimes. No
caso do Butantã, o pai das adolescentes disse que sua ex-mulher sempre
tratou muito bem as filhas. A diarista da família também descreveu Mary
como “uma mãe perfeita” e se diz completamente surpresa com os
assassinatos.
A maioria dos especialistas defende a ideia de que os autores dos
crimes são pessoas que já possuem transtornos – nem sempre
diagnosticados – e, influenciados por algum fenômeno externo, como
problemas financeiros ou até mesmo uma briga no trânsito, acabam
entrando numa espécie de surto. Nos casos do Butantã e de Cotia, a falta
de dinheiro pode ter sido o gatilho. Segundo a polícia, Mary tem quatro
passagens por estelionato e deve cerca de R$ 200 mil. Já o cabeleireiro
Claudinei era procurado por roubo e, de acordo com o delegado Andreas
Schiffmann, estava endividado. O aluguel da casa onde a família morava
estava atrasado e a energia elétrica cortada por falta de pagamento.
Segundo o Boletim de Ocorrência, um primo relatou à polícia que
Claudinei teria dito a uma parente que ia matar a família. Na parede da
cozinha da casa, a polícia encontrou escrita com lápis de cor a seguinte
frase: “Deus que me perdoe, não consegui cuidar dos meus filhos”, que
acredita ser um desabafo do pai. “Esses dois casos são exemplo de quando
o provedor da família que, em um momento de desespero, somado a algum
tipo de problema mental ou depressão, resolve desistir de tudo e levar
consigo os seus dependentes”, explica Guaracy Mingardi, doutor em
ciência política pela USP e ex-investigador de polícia.
É possível ainda que haja algum contágio, quando um determinado caso
estimula a ocorrência de outro, especialmente se associado a problemas
psiquiátricos prévios. “Pessoas com tendência depressiva, em grau
variado, são suscetíveis a mensagens de crime e suicídio. Elas não são
determinantes, mas funcionam como gatilho para ações violentas”, diz
Suely Guimarães, da UnB. “Cada caso segue sua lógica independente. Os
crimes teriam ocorrido de qualquer maneira. Mas a psiquiatria reconhece
que pode haver um efeito cascata. Nesse caso, a notícia de um crime
pode, sim, influenciar a pessoa a colocar em prática um ato violento
latente”, conclui Palomba.
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