- Num país onde cesariana é maioria, liminar que impôs método a grávida joga luz sobre escolha consciente
Maria Clara Serra
RIO — O drama de uma grávida de 42 semanas obrigada pela Justiça a se
submeter a uma cesariana dividiu a sociedade ao longo da semana. Até
onde vai a autoridade jurídica sobre o livre arbítrio? Mas o caso também
chamou a atenção porque Adelir Lemos de Goes estava tão decidida a
evitar uma cirurgia que desobedeceu ordens médicas expressas. Num país
onde a maioria esmagadora das mulheres escolhe a cesárea como opção para
trazer seus bebês ao mundo, a moradora de Torres (RS) se revelou uma
radical defensora do parto normal.
Para conseguir a liminar que obrigou Adelir a fazer uma cesárea, os médicos do hospital Nossa Senhora dos Navegantes alegaram que mãe e filha corriam risco. Segundo a Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ, a decisão foi arbitrária e abusiva, uma vez que Adelir não foi ouvida e não havia risco de morte iminente. Já o promotor Octavio Noronha, responsável por acionar a Justiça, sustenta que a intervenção se deu diante do “direito do nascituro à vida” e que, segundo o hospital, o quadro era de alta periculosidade.
O caso de Adelir é extremo, mas o fato é que o Brasil vive a cultura da cesárea. O país é campeão nesse tipo de cirurgia na América Latina, segundo a Unicef, fundo da ONU para a infância. Apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendar que a intervenção se restrinja a, no máximo, 15% dos nascimentos, por aqui, somente na saúde pública, ela representa 53% — ou alarmantes 83,8% dos partos via planos de saúde.
Os dados dos hospitais públicos são da pesquisa “Nascer no Brasil”, feita pela Fiocruz com 22 mil mulheres entre 2010 e 2013. Já os dos planos foram auferidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2011.
— A questão é multifatorial. Não começa com o desejo da mulher. Elas são levadas a acreditar que a cesárea é o melhor — analisa a obstetra Ana Fialho, do Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Holanda, um centro de referência do parto humanizado no Rio.
Outra pesquisa da Fiocruz, “Trajetória das mulheres na definição pelo parto cesáreo”, de 2008, comprova o que Ana diz. Feito com 437 mulheres que deram à luz em duas unidades de saúde suplementar no Rio, o estudo mostra que, no momento inicial da gravidez, 70% das mulheres não tinham a cesárea como preferência. Mas 90% delas tiveram seus filhos por cirurgia — que, em 92% dos casos, foram realizadas antes de a mulher entrar em trabalho de parto.
Os pesquisadores concluíram que em 91,8% dos casos a opção pela operação foi inadequada.
Falta de informação
A cesariana sem consentimento pode ser umas das formas de violência obstétrica, termo que ganha terreno no Brasil.
— Por mais que os livros mostrem que o parto normal deve ser a primeira opção, a cesárea se perpetua também nas faculdades — critica Ana. — Isso começou pela questão financeira, do médico de plano que ganha pouco e foi tornando a prática indiscriminada.
A pesquisa da Fiocruz mostrou que os partos cirúrgicos acompanhados tiveram, em 2008, duração média de três horas. Bem mais rápidos que a maioria dos naturais. Segundo Alice Maria, psicóloga clínica e hospitalar, é por isso que o medo do nascimento fisiológico vai sendo incrustado na mulher.
A gerente de loja Fernanda Telles acha que recebeu informações incompletas na hora da escolha. Na primeira gestação, com 16 anos, optou pela cesárea. Hoje, 11 anos depois e grávida de Iasmin, fará diferente:
— Na minha primeira gravidez, o médico me induziu. Eu era nova, acreditei que seria melhor. Hoje, quero um parto humanizado, num local onde me sinta bem. Ia fazer no Hospital Maria Amélia, mas, como não poderia dormir com meu marido, escolhi fazer em casa — conta.
Médico critica parto em casa
Fernanda estará acompanhada por duas enfermeiras obstétricas e uma doula. Em caso de risco, ela aceitará ir para um hospital e até se submeter à cesárea. Ainda assim, a opção por dar à luz dentro de casa enfrenta resistência no país.
— Sou radicalmente contra parto em casa. As enfermeiras são capazes de fazer o parto, mas, se houver complicação, só o médico pode salvar mãe e bebê — afirma Marcelo Burlá, presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro.
Na Holanda, cerca de 30% dos nascimentos são domiciliares. Mas, lá, a enfermeira deixa um hospital próximo de sobreaviso, e as grávidas recebem “treinamento”, o que tampouco ocorre de modo generalizado por aqui.
O radicalismo pró-parto normal também pode ter consequências negativas. Em 2000, Vânia Araújo e seu filho Cauê morreram após o parto, pois seu médico esperou tempo demais para decidir pela cesárea. Adepto do parto normal, ele foi condenado, cumpriu pena de dois anos e quatro meses de serviços comunitários e pagou multa.
Para conseguir a liminar que obrigou Adelir a fazer uma cesárea, os médicos do hospital Nossa Senhora dos Navegantes alegaram que mãe e filha corriam risco. Segundo a Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ, a decisão foi arbitrária e abusiva, uma vez que Adelir não foi ouvida e não havia risco de morte iminente. Já o promotor Octavio Noronha, responsável por acionar a Justiça, sustenta que a intervenção se deu diante do “direito do nascituro à vida” e que, segundo o hospital, o quadro era de alta periculosidade.
O caso de Adelir é extremo, mas o fato é que o Brasil vive a cultura da cesárea. O país é campeão nesse tipo de cirurgia na América Latina, segundo a Unicef, fundo da ONU para a infância. Apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendar que a intervenção se restrinja a, no máximo, 15% dos nascimentos, por aqui, somente na saúde pública, ela representa 53% — ou alarmantes 83,8% dos partos via planos de saúde.
Os dados dos hospitais públicos são da pesquisa “Nascer no Brasil”, feita pela Fiocruz com 22 mil mulheres entre 2010 e 2013. Já os dos planos foram auferidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2011.
— A questão é multifatorial. Não começa com o desejo da mulher. Elas são levadas a acreditar que a cesárea é o melhor — analisa a obstetra Ana Fialho, do Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Holanda, um centro de referência do parto humanizado no Rio.
Outra pesquisa da Fiocruz, “Trajetória das mulheres na definição pelo parto cesáreo”, de 2008, comprova o que Ana diz. Feito com 437 mulheres que deram à luz em duas unidades de saúde suplementar no Rio, o estudo mostra que, no momento inicial da gravidez, 70% das mulheres não tinham a cesárea como preferência. Mas 90% delas tiveram seus filhos por cirurgia — que, em 92% dos casos, foram realizadas antes de a mulher entrar em trabalho de parto.
Os pesquisadores concluíram que em 91,8% dos casos a opção pela operação foi inadequada.
Falta de informação
A cesariana sem consentimento pode ser umas das formas de violência obstétrica, termo que ganha terreno no Brasil.
— Por mais que os livros mostrem que o parto normal deve ser a primeira opção, a cesárea se perpetua também nas faculdades — critica Ana. — Isso começou pela questão financeira, do médico de plano que ganha pouco e foi tornando a prática indiscriminada.
A pesquisa da Fiocruz mostrou que os partos cirúrgicos acompanhados tiveram, em 2008, duração média de três horas. Bem mais rápidos que a maioria dos naturais. Segundo Alice Maria, psicóloga clínica e hospitalar, é por isso que o medo do nascimento fisiológico vai sendo incrustado na mulher.
A gerente de loja Fernanda Telles acha que recebeu informações incompletas na hora da escolha. Na primeira gestação, com 16 anos, optou pela cesárea. Hoje, 11 anos depois e grávida de Iasmin, fará diferente:
— Na minha primeira gravidez, o médico me induziu. Eu era nova, acreditei que seria melhor. Hoje, quero um parto humanizado, num local onde me sinta bem. Ia fazer no Hospital Maria Amélia, mas, como não poderia dormir com meu marido, escolhi fazer em casa — conta.
Médico critica parto em casa
Fernanda estará acompanhada por duas enfermeiras obstétricas e uma doula. Em caso de risco, ela aceitará ir para um hospital e até se submeter à cesárea. Ainda assim, a opção por dar à luz dentro de casa enfrenta resistência no país.
— Sou radicalmente contra parto em casa. As enfermeiras são capazes de fazer o parto, mas, se houver complicação, só o médico pode salvar mãe e bebê — afirma Marcelo Burlá, presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro.
Na Holanda, cerca de 30% dos nascimentos são domiciliares. Mas, lá, a enfermeira deixa um hospital próximo de sobreaviso, e as grávidas recebem “treinamento”, o que tampouco ocorre de modo generalizado por aqui.
O radicalismo pró-parto normal também pode ter consequências negativas. Em 2000, Vânia Araújo e seu filho Cauê morreram após o parto, pois seu médico esperou tempo demais para decidir pela cesárea. Adepto do parto normal, ele foi condenado, cumpriu pena de dois anos e quatro meses de serviços comunitários e pagou multa.
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