Rivotril ultrapassa fármacos para hipertensão e diabetes em número de receitas
Os números são de pesquisa inédita da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos). Os medicamentos que constam no levantamento foram prescritos entre fevereiro de 2013 e o mesmo mês deste ano. Foram 1,38 milhão de prescrições do Rivotril. Atrás dele, estão Losartana Potássica, usada para hipertensão arterial (1,37 milhão), e o Glifage (metilformina), utilizado para tratamento de diabetes (1,13 milhão).
Para a psiquiatra da Associação
Brasileira de Psiquiatria Katia Mecler, ocorre, no país, prescrição
excessiva e, em alguns casos, sem necessidade. Ela alerta que o Rivotril
pertence a uma classe de medicamentos que pode causar dependência
física e até crise de abstinência quando o uso é interrompido. “A pessoa
pode desenvolver tolerância, igual ao álcool, e precisar de doses cada
vez maiores”, explica. “Eu prescrevo Rivotril, mas é preciso critério”.
Segundo Katia, o fármaco é indicado a pacientes
com casos acentuados de ansiedade, normalmente associados a sinais como
sudorese, medo, angústia e tontura. Entre os efeitos colaterais, estão
sonolência ao longo do dia. “Somente o médico pode prescrever. Não se
deve aceitar ‘recomendação’ de amigos”, disse. Os outros medicamentos
para tratar ansiedade ou depressão foram: Alprazolam, Clinazepam e
Sertralina.Rivotril, a Segunda Droga mais vendida no Brasil
Rivotril: por que o medicamento é o segundo mais vendido no país? [1]
Uma droga barata, mas de tarja preta, contra a ansiedade vende mais do que os tradicionais Tylenol e Hipoglós
Alguma coisa estranha deve estar
acontecendo quando um remédio contra a ansiedade – tarja preta, vendido
apenas com retenção de receita – se torna o segundo medicamento mais
consumido no Brasil. Esse remédio é o velho Rivotril, que tem 35 anos de
mercado, mas nos últimos cinco escalou rapidamente o ranking dos mais
vendidos até chegar ao segundo lugar. Em 2008, os brasileiros compraram
nas farmácias 14 milhões de caixinhas do ansiolítico (o campeão de
vendas é o anticoncepcional Microvlar, com 20 milhões de unidades). O
Rivotril bate remédios de uso corriqueiro, segundo o IMS Health,
instituto que audita a indústria farmacêutica. Vende mais que a pomada
contra assaduras Hipoglós, o analgésico Tylenol e outros produtos que os
consumidores colocam na cestinha sem saber se algum dia vão usar.
O sucesso espetacular do Rivotril no
Brasil não ocorre com outros medicamentos da mesma categoria. A classe
dos tranquilizantes é a sétima mais vendida no país – vende menos que
anticoncepcionais, analgésicos, antirreumáticos e outros tipos de
remédio. A clara preferência pelo Rivotril é um fenômeno brasileiro, que
não se repete em outros países.
A escalada desse ansiolítico na lista
dos mais vendidos sugere que a população em sofrimento psíquico pode ser
maior do que se imagina. Transtornos de ansiedade e depressão são
comuns nas grandes cidades, castigadas pela violência, pelo trânsito e
pelo desemprego. Mas a pesquisa São Paulo Megacity, uma parceria do
Hospital das Clínicas de São Paulo com a Organização Mundial da Saúde,
revela que cerca de 40% dos moradores da região metropolitana sofre de
algum tipo de transtorno psiquiátrico. É um porcentual que os próprios
psiquiatras consideram “assustador” – e que depõe frontalmente contra a
imagem de “nação feliz” que os estrangeiros e nós mesmos, brasileiros,
gostamos de cultuar.
O segundo problema que leva à indicação
excessiva do Rivotril é a precariedade do atendimento de saúde
brasileiro, sobretudo de saúde mental. Há falta de psiquiatras no país.
Consequentemente, as pessoas não recebem diagnóstico correto e não têm
tratamento adequado de seus problemas. Quando o paciente chega ao
consultório com enxaqueca, gastrite ou qualquer outra queixa que possa
ter alguma relação com ansiedade, frequentemente ganha uma receita de
Rivotril. “Os médicos fazem isso porque o remédio é barato (a caixinha
mais cara custa R$ 13), antigo e seguro”, diz Luiz Alberto Hetem,
vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. “Mas ele pode
mascarar quadros mais graves.” O ansiolítico acalma e atenua a
ansiedade, mas os problemas subjacentes não são diagnosticados. “Grande
parte das pessoas nem sequer sofre de ansiedade. A depressão é muito
comum”, afirma a psiquiatra Mônica Magadouro. “Mas o atendimento é tão
precário que nem se nota a diferença.”
O terceiro fator que contribui para a
venda de Rivotril é o que o psicanalista Plínio Montagna chama de
“glamorização do ato de medicar-se”. No passado havia preconceito contra
os remédios psiquiátricos. Recentemente, houve uma guinada cultural e
eles passaram a ser vistos como resposta a todos os problemas da
existência. Os médicos (sobretudo os que não são psiquiatras) receitam
remédios psiquiátricos com total desenvoltura. Da parte dos pacientes,
também existe a expectativa de que isso aconteça.Todos têm pressa.
“Emoções normais e importantes para a
mente, como tristeza ou ansiedade em situação de perigo, são eliminadas
porque incomodam”, diz Montagna, que é presidente da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Questões existenciais são
tratadas como sintomas médico-psiquiátricos, com a colaboração de “uma
avassaladora quantidade de dólares” gastos em publicidade pela indústria
farmacêutica. “É frequente eu receber para tratamento pacientes com
dosagens excessivas de medicação ou coquetéis de diversas substâncias,
sem que os aspectos psicológicos tenham sido levados em consideração”,
afirma o psicanalista, que também é formado em psiquiatria.
Por trás da precariedade do sistema de
saúde e do modismo da medicação, existe a crescente incapacidade das
pessoas – e dos médicos – em conviver com um dos sentimentos mais
enraizados da psique humana, a ansiedade. Ela está lá desde os
primórdios do homem, associada a temores e ameaças indefiníveis. Embora
desagradável, é um dos motores da existência. Faz parte da nossa
constituição evolutiva. “Ela é um estado de alerta, um estímulo para
produzir. O contrário da ansiedade é a apatia”, diz o psicanalista
Eduardo Boralli Rocha. Totalmente diferente dessa ansiedade benigna é a
combinação explosiva de urgência, competição e sentimento de exclusão
que caracteriza o nosso tempo.
“As pessoas sentem que em algum lugar
está havendo uma festa para a qual elas não foram convidadas e têm de
correr atrás”, diz Boralli. Sigmund Freud, o criador da psicanálise,
dizia que a ansiedade era o sintoma de algo que não estava bem resolvido
interiormente. Ele diferenciava entre a ansiedade produzida por uma
situação externa real e aquela imaginada ou brutalmente amplificada por
nossos medos interiores. A primeira não deveria ser medicada, mas ela
tornou-se tão presente, tão avassaladora, que é isso que tem sido feito,
em larga escala.
Um exemplo está na coleção de
propagandas de ansiolíticos acumulada pelo professor Elisaldo Carlini,
coordenador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo. São
folhetos promocionais que os laboratórios deixam nos consultórios
médicos. Um deles mostra uma mulher com um largo sorriso depois de tomar
um remédio que corrigiu a ansiedade gerada por três bilhetes recebidos
ao mesmo tempo: um do marido, avisando que chegará tarde para o jantar;
outro do filho, dizendo que vai trazer o time de basquete para o lanche;
e o terceiro da empregada, avisando que faltou ao trabalho porque foi a
um posto de saúde. “Viver dá ansiedade, mas criou-se a cultura de que
problemas cotidianos devem ser enfrentados com remédios”, diz Carlini.
“As mulheres, principalmente, aprendem que precisam ser magrinhas e
calminhas.”
Quando indicado segundo os melhores
critérios, o Rivotril pode ser bastante útil no tratamento da ansiedade
generalizada. O paciente vive angustiado, preocupado, nervoso. Dorme
mal, não se concentra e se irrita por qualquer coisa. Sozinho, no
entanto, o remédio não resolve o problema. O tratamento depende também
do uso de outros recursos, como antidepressivos, psicoterapia e
atividade física. O mesmo vale para o tratamento de outros transtornos,
como síndrome do pânico, fobias e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Enquanto os antidepressivos demoram cerca de duas semanas para começar a
agir, o Rivotril age rápido, assim como outros ansiolíticos (Lexotan,
Valium, Frontal etc.). A função desses remédios é ser uma ponte
temporária até o início da ação dos antidepressivos. Ou um apoio. A
síndrome do pânico, por exemplo, é tratada com antidepressivos. Quando o
paciente enfrenta situações que podem provocar recaídas, é comum que o
médico recomende que tenha o Rivotril sempre à mão.
Esses remédios, no entanto, não devem
ser usados por muito tempo e sem rigoroso acompanhamento médico. Eles
podem causar dependência. Há pessoas que desenvolvem dependência em
cinco anos. Outras se viciam em menos de 30 dias. Podem ocorrer crises
de abstinência com a interrupção da droga. Os sintomas mais comuns são
insônia, irritabilidade excessiva e tremores. Não há dose segura contra o
vício. “Rivotril não deve ser remédio de uso contínuo. Deve ser
reservado para as crises agudas e usado por no máximo seis semanas”, diz
o psiquiatra Joel Rennó Jr., coordenador do Projeto de Saúde Mental da
Mulher do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Na prática, muitos
pacientes recebem a receita de Rivotril e passam meses sem ser vistos
por um médico. Quando voltam a consultar um profissional de qualquer
especialidade, dizem que o anterior receitou o remédio e se sentiram
bem. Acabam saindo do consultório com uma nova receita.
A professora gaúcha Carmen Paula Pinto,
de 40 anos, toma Rivotril há cinco, como parte do tratamento de
transtorno bipolar. Reclama de efeitos colaterais como sonolência e boca
seca. Mas o que mais a incomoda é o enfraquecimento da memória. “Quando
leio um livro, muitas vezes tenho de voltar à mesma frase, ao mesmo
parágrafo. Uma vez até cheguei a esquecer o que havia almoçado”, diz. Há
três anos, decidiu parar de tomar o remédio por conta própria. Sentiu
sintomas de abstinência, como tontura e falta de equilíbrio. Depois de
alguns meses, decidiu voltar ao remédio. “Estou conformada em ter de
depender do remédio por um bom tempo ou até para sempre.”
Carmen é acompanhada por um psiquiatra e
compra o remédio de acordo com a orientação dele. Uma parcela dos
consumidores chega ao remédio por meio de outros expedientes. “Muita
gente consegue adquirir ansiolítico pela internet ou compra receitas em
consultórios de quinta categoria”, afirma Rennó Jr. Em uma das pesquisas
coordenadas por Elisaldo Carlini, do Cebrid, descobriu-se que um único
médico fez mais de 7 mil prescrições de ansiolítico por ano. Houve casos
também de falsificação dos receituários. As receitas que ficavam
retidas nas farmácias continham o mesmo número de série ou o CRM de
médicos mortos ou inexistentes. Formas ilícitas de acesso ao remédio
alimentam o uso recreativo de Rivotril. Ele virou um clássico nas
baladas entre jovens que o misturam com ecstasy ou álcool. Há várias
comunidades no site de relacionamento Orkut criadas por usuários dessa
combinação. O Rivotril potencializa a função do álcool. Em doses
excessivas, a mistura pode levar ao coma. Há outro tipo de uso,
associado ao ecstasy e à cocaína, drogas que deixam as pessoas ansiosas.
Elas tomam Rivotril para tentar neutralizar esse efeito. Segundo os
especialistas, não adianta.
Por trás do crescimento das vendas do
Rivotril há uma história de marketing que merece ser contada. Até 1999, o
remédio era promovido entre os médicos apenas como um
anticonvulsivante. Era um mercado restrito. Nos últimos anos, surgiram
estudos que comprovaram que ele funcionava contra a ansiedade. O
fabricante passou a divulgar essa aplicação entre psiquiatras,
cardiologistas, neurologistas, geriatras etc. “O sucesso do Rivotril é
decorrência do aumento dos casos de transtornos psiquiátricos e do
perfil único do nosso produto: ele é seguro, eficaz e muito barato”, diz
Carlos Simões, gerente da área de produtos de neurociência e
dermatologia da Roche. “E o baixo preço protege o produto.” O Rivotril é
600% mais barato que o seu principal concorrente, o Frontal, da Pfizer.
Outra característica ajuda a explicar por que ele vende tanto. É o
único de sua categoria disponível também na apresentação sublingual –
gotas que agem rápido se colocadas embaixo da língua.
Na casa da aposentada Ecleide Moreira
Rodrigues, de 60 anos, não pode faltar Rivotril. Ele é usado com duas
finalidades distintas: o filho de Ecleide sofre de epilepsia e não fica
sem o remédio. Há um ano, ela também virou adepta do medicamento. Não
consegue dormir sem ele. Descobriu que a causa da insônia era estresse e
depressão. Chegou a fazer psicoterapia e percebeu que passou a dormir
melhor. Mas parou antes de receber alta. “Por relaxo”, diz ela. Em casos
como o de Ecleide, a psicoterapia pode dar ótimos resultados. Mas não
costuma ser um percurso fácil. Para vencer a ansiedade não basta
recorrer a umas gotinhas de Rivotril a cada crise. É preciso reorganizar
a vida.
A escalada do ansiolítico no BrasilEm dez anos, o Rivotril galgou a lista dos campeões
1998 |
O Rivotril nem aparecia entre os dez mais vendidos |
1 - Cataflam (analgésico e anti-inflamatório) |
2 - Novalgina (analgésico e antitérmico) |
3 - Hipoglós (pomada contra assaduras) |
4 - Neosaldina (analgésico e antiespasmódico) |
5 - Voltaren (antirreumático, anti-inflamatório e analgésico) |
6 - Lexotan (ansiolítico) |
7 - Redoxon (vitamina C) |
8 - Buscopan Composto (antiespasmódico e analgésico) |
9 - Sorine (descongestionante nasal) |
10 - Vick Vaporub (unguento descongestionante) |
2004 |
Ele conquista o sexto lugar no ranking |
1 – Microvlar (anticoncepcional) |
2 - Neosaldina (analgésico e antiespasmódico) |
3 - Hipoglós (pomada contra assaduras) |
4 - Buscopan Composto (antiespasmódico e analgésico) |
5 - Novalgina (analgésico e antitérmico) |
6 - RIVOTRIL (ansiolítico e anticonvulsivante) |
7 - Tylenol (analgésico e antitérmico) |
8 - Cataflam (analgésico e anti-inflamatório) |
9 - Neovlar (anticoncepcional) |
10 - Luftal (antigases) |
2008 |
O Rivotril é o segundo mais vendido |
1 - Microvlar (anticoncepcional) |
2 - RIVOTRIL (ansiolítico e anticonvulsivante) |
3 - Puran T4 (hormônio tireoidiano) |
4 - Hipoglós (pomada contra assaduras) |
5 - Neosaldina (analgésico e antiespasmódico) |
6 - Buscopan Composto (antiespasmódico e analgésico) |
7 - Salonpas (analgésico e anti-inflamatório) |
8 - Tylenol (analgésico e antitérmico) |
9 - Novalgina (analgésico e anti-inflamatório) |
10 - Ciclo 21 (anticoncepcional ) |
Fonte: IMS Health |
[http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI27270-15257,00-RIVOTRIL+POR+QUE+O+MEDICAMENTO+E+O+SEGUNDO+MAIS+VENDIDO+NO+PAIS.html]
Nenhum comentário:
Postar um comentário