Em 2011, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a RDC 52/2011,
proibiu a comercialização, a produção e a manipulação de três
inibidores de apetite (femproporex, mazindol e anfepramona ou
dietilpropiona) e impôs restrições à venda da sibutramina. No entanto,
está em trâmite no Congresso Nacional, um Projeto de Decreto Legislativo
(PDS 52/2014)
que revoga a determinação da Anvisa. Uma das principais justificativas
da PDS argumenta que a resolução da Anvisa causou grande insatisfação
entre a classe médica, constituindo-se num retrocesso ao tratamento dos
obesos no país.
Especialista no assunto, o
pesquisador do Departamento de Ciências Biológicas da ENSP, Francisco
Paumgartten, questiona o fato de uma decisão essencialmente técnica na
área de regulação medicamentos ter chegado ao Congresso Nacional. Na
entrevista concedida ao Informe ENSP, Paumgartten também esclarece a
polêmica entre os próprios médicos e desconstrói a justificativa que
sustenta o Projeto de Decreto. Confira a entrevista.
Informe
ENSP: Está tramitando no Congresso Nacional um projeto de decreto
legislativo que anula a decisão da Anvisa de proibir a venda de
inibidores de apetite. Como e por que uma decisão essencialmente técnica
da área de regulação de medicamentos chegou ao Congresso?
Francisco Paumgartten: Em
2011, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (RDC
52/2011) proibiu a comercialização de três inibidores de apetite (femproporex, mazindol e anfepramona ou dietilpropiona)
e impôs restrições à venda da sibutramina. Essa decisão atendeu em
parte à recomendação da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme), que
pediu a retirada dos quatro inibidores de apetite do mercado em virtude
da falta eficácia e dos riscos à saúde dos pacientes. No ano anterior,
as agências americana (FDA) e europeia de medicamentos (EMA) haviam
chegado a conclusões semelhantes em relação à eficácia e segurança da
sibutramina (o mais moderno dos quatro medicamentos), cuja
comercialização foi suspensa nos Estados Unidos e na Europa.
Acompanhando o que ocorreu no resto do mundo, a empresa que desenvolveu a sibutramina suspendeu voluntariamente a produção e a comercialização do medicamento de marca (Reductil) no Brasil. A sibutramina continua disponível no país sob a forma de medicamentos genéricos e produtos preparados em farmácias magistrais. Apesar de a Anvisa ter mantido a sibutramina, o setor regulado, algumas sociedades médicas e o CFM continuaram a exigir a liberação dos demais inibidores de apetite. Esses setores conseguiram que um projeto de decreto legislativo (PDS 52/2014), que revoga a RDC52/2011, tivesse tramitação excepcionalmente rápida e fosse aprovado por esmagadora maioria na Câmara e na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Senado. Além disso, tudo indica que será aprovado também pelo plenário do Senado em data próxima, posto que, como não depende de sanção presidencial, será promulgado pelo Congresso e entrará em vigor.
Acompanhando o que ocorreu no resto do mundo, a empresa que desenvolveu a sibutramina suspendeu voluntariamente a produção e a comercialização do medicamento de marca (Reductil) no Brasil. A sibutramina continua disponível no país sob a forma de medicamentos genéricos e produtos preparados em farmácias magistrais. Apesar de a Anvisa ter mantido a sibutramina, o setor regulado, algumas sociedades médicas e o CFM continuaram a exigir a liberação dos demais inibidores de apetite. Esses setores conseguiram que um projeto de decreto legislativo (PDS 52/2014), que revoga a RDC52/2011, tivesse tramitação excepcionalmente rápida e fosse aprovado por esmagadora maioria na Câmara e na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Senado. Além disso, tudo indica que será aprovado também pelo plenário do Senado em data próxima, posto que, como não depende de sanção presidencial, será promulgado pelo Congresso e entrará em vigor.
Informe
ENSP: Alguns médicos, que defendem a liberação dos inibidores de
apetite, afirmam que o impedimento aumentou a prevalência da obesidade
no país. Qual foi o impacto da proibição na prevalência da obesidade no
Brasil?
Francisco Paumgartten: Essa
afirmação, sem apresentação de qualquer dado que a sustente, já era
feita antes mesmo da publicação RDC/52/2011 completar o primeiro ano.
Até 2011, o Brasil foi possivelmente o maior consumidor mundial de
femproporex, anfepramona e mazindol e também de sibutramina. Não
obstante a esse fato, a prevalência de excesso de peso (IMC>25) e
obesidade (IMC>30) na população brasileira vinha apresentando
crescimento constante, ano a ano (42,7%, em 2006, 48,5%, em 2011). Em
2012, segundo levantamento do Vigitel-MS, mais da metade (51%) dos
indivíduos maiores de 18 anos tinha IMC>25.
Dados mais recentes (Vigitel-2014) mostram que, pela primeira vez em
oito anos, a prevalência de excesso de peso parou de crescer e
manteve-se em 50,8% em 2013. Portanto, os levantamentos realizados pelo
MS mostram que a retirada dos três inibidores de apetite do mercado e a
redução do consumo da sibutramina não aumentaram a prevalência de
sobrepeso e obesidade no Brasil. Esse fato é consistente com a
interpretação de que os inibidores de apetite são pouco eficazes no
tratamento dessas condições.
Informe ENSP: Alguns médicos são a favor da proibição enquanto outros são contra. Por que a questão é polêmica?
Francisco Paumgartten: Os
médicos contrários à proibição dizem que “prescritos de forma adequada e
individualizada, os inibidores de apetite são opções terapêuticas
válidas”; que “alguns pacientes só conseguem perder peso com esses
medicamentos”; “que há poucas opções para tratar a obesidade” e outras
afirmações do gênero. Em nenhum momento no debate que precedeu e sucedeu
a RDC52/2011 essas afirmações foram sustentadas por estudos clínicos
adequadamente desenhados, executados e interpretados. Em que pese a
pouca efetividade e os problemas de segurança, trata-se, portanto, da
opinião de especialistas de que esses medicamentos ainda assim poderiam
ser utilizados em benefício de alguns pacientes.
Por outro lado, para avaliar se determinado medicamento deve ou não ser aprovado para comercialização (quer dizer, se os potenciais benefícios terapêuticos excedem os riscos), as agências reguladoras (FDA, EMA, ANVISA) seguem o que hoje é conhecido como medicina baseada em evidências (MBE), ou seja, o emprego da melhor evidencia científica disponível para a tomada de decisão. A “melhor evidência” é empírica e resulta de revisões sistemáticas, com ou sem meta-análise, e com baixa probabilidade de vieses e de estudos clínicos de boa qualidade, isto é, adequadamente controlados, aleatorizados, e robustos o suficiente para detectar diferenças entre os grupos tratados com o medicamento e o grupo controle, quando ela de fato existe. A opinião de especialistas, porém, ocupa a última posição nessa hierarquia de evidências consideradas no processo decisório.
Por outro lado, para avaliar se determinado medicamento deve ou não ser aprovado para comercialização (quer dizer, se os potenciais benefícios terapêuticos excedem os riscos), as agências reguladoras (FDA, EMA, ANVISA) seguem o que hoje é conhecido como medicina baseada em evidências (MBE), ou seja, o emprego da melhor evidencia científica disponível para a tomada de decisão. A “melhor evidência” é empírica e resulta de revisões sistemáticas, com ou sem meta-análise, e com baixa probabilidade de vieses e de estudos clínicos de boa qualidade, isto é, adequadamente controlados, aleatorizados, e robustos o suficiente para detectar diferenças entre os grupos tratados com o medicamento e o grupo controle, quando ela de fato existe. A opinião de especialistas, porém, ocupa a última posição nessa hierarquia de evidências consideradas no processo decisório.
Há também a questão do
desfecho de eficácia a ser considerado no caso de medicamentos para
tratar obesidade. O objetivo primordial do tratamento farmacológico da
obesidade é a redução da morbidade associada ao excesso de peso e não a
perda de peso em si. Pode-se dizer que perdas de peso alcançadas com
dieta e exercício físico, ainda que modestas, são benéficas para a saúde
do paciente obeso. Por outro lado, o mesmo não ocorre necessariamente
quando a perda de peso é alcançada com medicamentos inibidores do
apetite. Isso foi demonstrado para a sibutramina (estudo SCOUT) em
relação aos desfechos cardiovasculares. Em virtude de suas propriedades
adrenérgicas, a sibutramina aumenta a freqüência cardíaca e a pressão
arterial. Embora essa elevação da PA seja via de regra pequena e difícil
de ser percebida no consultório, ela é mantida durante o tratamento e
constitui fator de risco para doença coronariana e acidente vascular
encefálico.
O estudo SCOUT mostrou que a sibutramina aumentou o risco de infarto e derrame cerebral, ou seja, o potencial benefício da perda de peso foi anulado e revertido pelos efeitos adrenérgicos da droga. Os que defendem a permanência dos inibidores de apetite proibidos (todos com propriedades adrenérgicas) consideram a perda de peso (modesta e transitória) como prova de eficácia, e ignoram que essa perda não se traduziu em benefícios à saúde no longo prazo.
O estudo SCOUT mostrou que a sibutramina aumentou o risco de infarto e derrame cerebral, ou seja, o potencial benefício da perda de peso foi anulado e revertido pelos efeitos adrenérgicos da droga. Os que defendem a permanência dos inibidores de apetite proibidos (todos com propriedades adrenérgicas) consideram a perda de peso (modesta e transitória) como prova de eficácia, e ignoram que essa perda não se traduziu em benefícios à saúde no longo prazo.
Informe
ENSP: Um dos principais argumentos repetidos no Congresso é que com a
proibição os médicos ficaram sem opções para tratar a obesidade. Que
medicamentos contra obesidade restaram no mercado?
Francisco Paumgartten: Esse
argumento é falacioso. Medicamentos ineficazes, ou cujos riscos superam
os potenciais benefícios, não podem ser considerados como opções
terapêuticas válidas. Ademais, a Anvisa proibiu os três inibidores de
apetite mais antigos e perigosos, mas manteve a sibutramina. Além da
sibutramina há também no mercado o orlistat que não é inibidor de
apetite, mas bloqueia a enzima lipase e diminui a absorção de gorduras
no intestino, reduzindo o peso. Portanto, os médicos continuam a poder
usar um inibidor de apetite e um inibidor da absorção de gorduras.
Informe ENSP: Como o setor farmacêutico foi afetado pela resolução da ANVISA sobre inibidores de apetite?
Francisco Paumgartten: Relatório de 2009 do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC - ANVISA) mostra que, antes da proibição (RDC52/2011), mais de 90% da quantidade total de femproporex e anfepramona consumidos no Brasil correspondiam a medicamentos manipulados e vendidos em farmácias magistrais. O mazindol era bem menos consumido do que os outros dois inibidores de apetite, mas também nesse caso a quantidade aplicada em medicamentos manipulados excedia amplamente a quantidade usada em produtos industrializados. No caso da sibutramina, antes da retirada voluntária do produto de marca, a quantidade consumida em medicamentos manipulados quase igualava aquela consumida em produtos industrializados. Portanto, a proibição dos três inibidores de apetite e a diminuição do consumo de sibutramina após a publicação da RDC52/2011 afetou mais fortemente esse segmento do setor regulado.
Informe ENSP: Quais as implicações do decreto legislativo, caso venha a ser aprovado?
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