Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), droga é toda "substância que, quando administrada
ou consumida por um ser vivo, modifica uma ou mais de suas funções,
com exceção daquelas substâncias necessárias
para a manutenção da saúde normal".
Para entender o mecanismo do vício, é
preciso compreender os caminhos percorridos pela dopamina no cérebro.
A dopamina é o neurotransmissor da dependência. É
ela que dispara a sensação de prazer - seja a advinda
da ingestão de um prato saboroso, seja a causada pelo uso
de um entorpecente. Ao inalar cocaína, por exemplo, o usuário
tem seu cérebro inundado de dopamina - daí a sensação
de euforia que, em geral, a droga produz. Até pouco tempo
atrás, acreditava-se que o vício era processado exclusivamente
nas porções cerebrais associadas ao sistema de prazer
e recompensa, ativado em especial pela dopamina. Recentemente, descobriu-se
que há outros circuitos envolvidos nesse mecanismo e que
a dopamina também os integra. "Graças ao aperfeiçoamento
dos exames de neuroimagem, constatamos que os efeitos neurobiológicos
das drogas ultrapassam os centros de prazer e recompensa do cérebro
e se estendem ao córtex pré-frontal, região
associada à analise dos riscos e benefícios, na qual
se concentram as tomadas de decisão", afirma a psiquiatra
Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas,
dos Estados Unidos, e uma das principais autoridades mundiais no
assunto. Isso significa que o vício se relaciona também
à química envolvida nos processos decisórios
e mnemônicos. Em outras palavras, ele está associado
tanto ao impulso quanto à memória.
O vício é fruto, em grande parte,
de propensão genética. Não fosse assim, todos
que algum dia experimentaram algum tipo de droga - do álcool
à heroína - se tornariam dependentes. É a genética,
ainda, que estabelece o tipo de dependência e a sua intensidade.
Estima-se que os fatores genéticos respondam por algo entre
40% e 60% da vulnerabilidade ao vício. Existe um gene específico
associado à síntese da enzima monoaminoxidase A, uma
das substâncias responsáveis pelo equilíbrio
de dopamina no cérebro. Quando há mutações
nesse gene, a pessoa se torna mais ou menos vulnerável ao
vício. A genética explica também por que existem
pessoas com baixos níveis de receptores de dopamina - o que
as faz mais suscetíveis ao vício e a achar mais prazerosa
a experiência com drogas.
Há dois grupos de pessoas bastante vulneráveis
ao vício - os adolescentes e os portadores de distúrbios
psiquiátricos, como esquizofrenia, depressão e ansiedade.
Durante a adolescência, o cérebro sofre mudanças
dramáticas. Uma das áreas ainda em maturação
é o córtex pré-frontal, associado à
tomada de decisões e responsável pelo controle dos
desejos e emoções. O uso de substâncias químicas
nesse momento de desenvolvimento tende a ter um impacto mais profundo
e duradouro no funcionamento cerebral. A maior parte dos dependentes
químicos se iniciou no vício - qualquer um deles -
na juventude. Entre os usuários de drogas, isso ocorre, em
geral, antes dos 21 anos. Quanto aos alcoólatras, antes do.
Os tipos de substânciasPoucas drogas produzem um efeito tão devastador no organismo quanto a heroína. Derivada da papoula, da qual também se originam o ópio e a morfina, a heroína provoca delírios e uma sensação de torpor no dependente. Ela empresta à realidade contornos de sonho, como se não houvesse problemas e a pessoa pairasse acima do bem e do mal. Com o uso, a droga interrompe a produção da endorfina, a substância que o corpo produz para controlar a dor e proporcionar prazer. Quando o dependente tenta interromper o vício, entra em desespero. Durante a crise de abstinência, ele sente dores tão fortes que não consegue realizar atos corriqueiros, como dormir, trocar de roupa ou tomar banho; o coração dispara e corre-se o risco de um colapso. O organismo não consegue mais regular a temperatura e o dependente passa a suar muito ou sentir calafrios. A metadona é a única substância conhecida, exceto a própria heroína, que pode aliviar a síndrome de abstinência dos dependentes. A heroína pode ser injetada, tragada ou inalada. A terceira forma é a mais comum, porque não deixa marcas e evita o risco de contaminação pelo vírus da Aids, o HIV. A diferença entre a quantidade necessária para causar algum efeito e a dose fatal é muito pequena - o que explica o número elevado de mortes por overdose.
A cocaína é popularmente encontrada em pó, geralmente branco, obtido de uma pasta feita com folhas de coca, um tipo de arbusto sul-americano que, na década de 80, tornou-se uma coqueluche mundial. Entre os efeitos agudos da droga estão uma sensação de euforia logo nos primeiros minutos, seguida de disforia, um aumento das percepções sensoriais e da auto-estima e a diminuição do sono e do apetite. A droga prejudica o funcionamento do cérebro como um todo, mas estudos mostraram que ela compromete principalmente o lobo frontal. Essa região é responsável, entre outras funções, pela criatividade, pelo controle da impulsividade e pelo senso crítico, o que explicaria alguns comportamentos muito comuns entre os viciados, como as mudanças repentinas de humor e surtos de agressividade. A droga também é um potente vasoconstritor, ou seja, ela provoca uma contração das artérias, especialmente as cerebrais. Dessa forma, sobra menos espaço para o sangue circular. Além disso, a constrição agride as paredes dos vasos e as deixa mais vulneráveis à pressão feita pelo fluxo sangüíneo. Com isso, a probabilidade de um derrame aumenta. Ou de vários pequenos derrames que, embora muitas vezes imperceptíveis, podem ter um efeito devastador se somados ao longo do tempo - alguns especialistas afirmam que esses miniderrames são os responsáveis pela perda gradativa de atividade cerebral notada entre os usuários. O principal fator de risco para o desenvolvimento de seqüelas é o tempo de exposição à droga, e não a quantidade que se utiliza. Ou seja, quanto maior o tempo de consumo de cocaína, maiores os prejuízos para o cérebro.
O crack surgiu em meados dos anos 80, quando a política de repressão às drogas acabou criando uma nova maneira de se preparar a cocaína. A droga chegou ao Brasil no início dos anos 90 e, dois anos mais tarde, já marcava presença nas maiores cidades do país. As pedras de crack são obtidas pela mistura de pasta de coca, água e bicarbonato de sódio. Tudo isso é aspirado numa espécie de cachimbo. A droga é considerada a forma de cocaína mais capaz de causar consumo compulsivo e dependência. Para os traficantes, o crack é vantajoso por ser mais barato, mais fácil de transportar do que o pó e muito mais potente. O efeito da droga começa quinze segundos após a primeira aspiração. Em um mês, em média, cria-se a dependência.
O princípio ativo da maconha, droga produzida a partir da planta Cannabis sativa, é o THC, sigla de tetrahidrocanabinol. É ele o responsável pelas sensações de relaxamento e desinibição experimentadas por quem fuma a erva. A fome que todo usuário sente depois de fumar - a popular "larica" - também é obra do THC. Na década de 60, um cigarro da erva continha 0,5% de THC. Recentemente, estudos americanos apontaram para níveis de até 5%. Há ainda o skank, a supermaconha desenvolvida em laboratório, com 20% de THC. Por causa dessas altas taxas de princípio ativo, a maconha hoje vicia mais e inflige danos ainda maiores ao organismo. O uso freqüente da droga diminui a coordenação motora, altera a memória e a concentração e pode levar o usuário a crises de ansiedade e depressão. Além disso, aumenta o risco de infecções e inflamações nas vias respiratórias e contém substâncias cancerígenas - o THC é apenas um dos 400 compostos químicos encontrados em um cigarro de maconha.
O LSD (abreviação de dietilamina do ácido lisérgico) foi descoberto pelo químico suíço Albert Hofmann em 1938, que estudava aplicações medicinais de um fungo de cereais. Nos anos 60, a droga popularizou-se e virou símbolo da contracultura. Consumido em pastilhas, ela cai no sangue depois de ser absorvida pelo estômago e chega ao sistema nervoso central, causando alucinações e distorção das imagens. Também aumenta a sensibilidade tátil e auditiva. Seu feito pode durar de algumas horas a um dia e os riscos ao organismo vão de taquicardia, surtos psicóticos à degeneração de células cerebrais e convulsões. Atualmente, a droga costuma vir acrescida de grandes doses de anfetamina, para atender àqueles que querem sacolejar nas pistas de dança.
O ecstasy, ou MDMA, é um tipo de metanfetamina, substância estimulante do sistema nervoso central. Mistura de alucinógeno com anfetamina, é conhecido como "droga do amor" ou simplesmente "E". Sintetizada em 1912, a droga já foi usada como moderador de apetite e até como desinibidor em sessões de psicoterapia, mas acabou proibida nos anos 80. Seu uso causa sensação de euforia, gerada pela descarga de serotonina - neurotransmissor ligado ao prazer e ao bem-estar - que ela produz no cérebro. Mas também acelera os batimentos cardíacos, eleva a temperatura corporal e desidrata o organismo, o que leva o usuário a consumir muita água. Passado o efeito da droga, geralmente ocorre uma sensação de depressão que dura cerca de dois dias. Há casos de usuários que, para evitar essa reação, consomem a droga cada vez com mais freqüência, o que leva à dependência.
Há outras drogas sintéticas que compõem com o ecstasy o grupo das chamadas club drugs. O GHB, sigla para ácido gama-hidroxibutírico, ou ecstasy líquido, alucinógeno diluído em água ou no álcool, é uma delas. Vendido sob a forma de pó ou já diluído em água, o GHB é incolor, não tem cheiro e o gosto é levemente amargo. Por ser consumido sob a forma líquida, começa a fazer efeito em, no máximo, meia hora - contra as duas horas exigidas pelo ecstasy. Se misturado com álcool, como geralmente acontece, o GHB fica bem mais potente. E perigoso. Seus malefícios vão das náuseas e vômitos ao risco de morte. Outro item da lista é a ketamina, ou Special K, anestésico veterinário do qual se extrai um pó branco para ser aspirado. Os especialistas também alertam para o avanço de uma droga desse mesmo grupo, com altíssimo poder de gerar dependência química. Trata-se do crystal, metanfetamina quase quatro vezes mais devastadora do que a cocaína.
Até as década de 50 e 60, quem tinha problemas para dormir costuma contornar o problema com barbitúricos. Porém, mais tarde, descobriu-se que a ingestão excessiva desses soníferos acarreta sérios risco à saúde. Numa overdose de remédios à base de barbitúricos, a pessoa costuma sofrer uma parada cardíaca. Se tiverem sido misturados a álcool, formam um coquetel ainda mais explosivo. Um potencializa o efeito do outro, deprimindo o sistema nervoso central e podendo levar ao coma profundo. O vício é outro risco, cuja síndrome de abstinência traz dores, tremedeiras, crises súbitas de choro, apagões, uma depressão aguda e a sensação de pânico. Hoje os barbitúricos são pouco receitados, apenas como antiepilépticos. Seus sucessores foram os benzodiazepínicos, que, apesar de colocarem os insones para dormir, proporcionam um sono não muito proveitoso. Muitos usuários acordam com uma sensação de embriaguez que os acompanha durante todo o dia. Os benzodiazepínicos agem no hipotálamo, no hipocampo e nas amígdalas. É essa ação indiscriminada que leva às sensações inebriantes no dia seguinte e aumenta o risco de dependência. Na década de 90, tratamentos mais seguros contra a insônia surgiram no mercado, mas os benzodiazepínicos continuam sendo comercializados.
O cigarro também é considerado uma droga. Só que lícita, como o álcool. Todos os anos 4 milhões de pessoas no mundo morrem vítimas de doenças associadas ao fumo. O tabagismo está entre os principais fatores de risco para infartos, derrames, diabetes e vários tipos de câncer, entre outros males. Um único cigarro contém 4.700 substâncias, mas apenas uma causa dependência: a nicotina. Depois de uma tragada de cigarro, ela demora apenas nove segundos para chegar ao cérebro e desencadear a liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer. Isso resulta em dependência química. Pesquisas indicam que mais da metade dos fumantes gostaria de largar o vício: a maioria não consegue pela dependência, mas também pelo hábito. Fumar é um hábito arraigado ao dia-a-dia do fumante.
O álcool não é uma droga para a maioria das pessoas, mas pode ter efeitos desastrosos para até 15% das pessoas, aquelas que se tornam dependentes físicas e mentais da substância. Seu consumo, principalmente na adolescência e na juventude, deixa marcas indeléveis no cérebro. Ao entrar no organismo, o álcool vai direto para o sangue. De lá, migra para o fígado, onde é metabolizado, e para o cérebro. Quando o fígado não consegue desintoxicar-se por inteiro, produz-se a ressaca. E quando é alta a quantidade de álcool que vai para o cérebro, sem passar pelo metabolismo, vem o famoso "porre". Os efeitos a longo prazo são bastante indesejáveis. Eles variam de déficits de aprendizagem, falhas permanentes de memória, dificuldade de autocontrole a ausência de motivação e lesões graves no fígado. O abuso de álcool na juventude faz com que o jovem fique cinco vezes mais propenso a se tornar alcoólatra na idade adulta.
Para saber mais
outras drogas
Anfetaminas
Betabloqueadores
Ritalina
Analgésicos à base de ópio
Anestésicos
Merla
Chá de ayahuasca
Morfina
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O uso repetido de drogas muda a forma como o usuário se relaciona com o mundo. Além de alterar as emoções, compromete a capacidade de cognição e os reflexos motores. A boa notícia é que o cérebro tem uma capacidade extraordinária de se recuperar dos danos causados pelo vício. Quanto antes uma pessoa inicia o tratamento, melhor. É mais difícil tratar alguém que foi dependente de cocaína por trinta anos do que quem usa a droga há três. O mesmo vale para outras substância, como nicotina e álcool. Os especialistas são unânimes em afirmar que não existem tratamentos eficazes que durem menos de noventa dias. Os exames de neuroimagem mostram que esse é o período de maior propensão a recaídas, porque o cérebro permanece mais vulnerável ao longo dos três meses seguintes à última vez em que se utilizou a droga.
Um enorme salto na busca pelo tratamento da dependência foi dado a partir do momento em que o vício deixou de ser visto como uma doença da alma - uma fraqueza de caráter que impinge a suas vítimas comportamentos autodestrutivos - e começou a ser encarado como um distúrbio cerebral. Ele decorre de um desequilíbrio químico e altera os circuitos de recompensa e prazer, tomada de decisões, controle inibitório e aprendizado. Trata-se, como se vê, de um problema complexo. A luta contra o vício costuma ser marcada por recaídas e fracassos. Alguém que decida parar de fumar, por exemplo, faz, em média, oito tentativas até largar de vez o cigarro. A vareniclina, a mais nova arma de combate ao tabagismo, está longe de ser a solução mágica contra o problema, mas representa um avanço espetacular: se associada à terapia cognitivo-comportamental, sua taxa de sucesso chega a dobrar. A substância atua nos mecanismos cerebrais da dependência, bloqueando a sensação de prazer proporcionada pela nicotina.
A combinação com terapias psicológicas é essencial para ajudar o dependente a reprogramar o cérebro para a nova vida, longe do vício. Veja-se o caso do grupo Alcoólicos Anônimos (AA). Há mais de setenta anos, muito tempo antes de a ciência começar a desvendar os mecanismos do vício, o AA já ajudava muita gente a se livrar da bebida. Ainda assim, o índice de sucesso de terapias como a do AA segue uma média internacional ao redor de 20% ao fim de um ano. Com a ajuda de um remédio contra o alcoolismo como o acamprosato, no entanto, esse índice pode chegar a 45%.
O arsenal contra a dependência química deve, sem demora, receber reforços. Nos Estados Unidos, estão em estudo duas centenas de novas medicações para combater os mais diversos vícios, do cigarro ao álcool e drogas pesadas até comportamentos compulsivos. Duas vacinas - uma contra a dependência de nicotina e outra para deter o uso da cocaína - devem passar a ser comercializadas nos próximos anos. Também está em fase avançada de testes clínicos um remédio para o tratamento do vício em álcool e metanfetaminas, como o ecstasy. O medicamento funcionaria como um interruptor nos processos de compulsão.
Os especialistas chegam a afirmar que a medicina viverá uma revolução no tratamento de todo e qualquer tipo de vício ao longo da próxima década. A chave desse avanço está na compreensão dos caminhos percorridos pela dopamina no cérebro. Até pouco tempo, acreditava-se que o vício era processado exclusivamente nas porções cerebrais associadas ao sistema de prazer e recompensa, ativado em especial pela dopamina. A grande novidade é a descoberta de que há outros circuitos envolvidos nesse mecanismo, como os processos decisórios e mnemônicos, e de que a dopamina também os integra. Com base em descobertas nesse sentido, as pesquisas passaram a dar menos ênfase ao sistema de recompensa e mais aos processos de formação e consolidação da memória do uso de substâncias psicoativas. Há um remédio contra a cocaína em fase adiantada de estudos que atua nesse processo - cujos resultados até agora são bastante promissores. Ao agir sobre os níveis de dopamina, ele corta a relação entre lembrança e vontade de usar a droga.
Uso terapêutico
Quando se fala do uso terapêutico das drogas, refere-se principalmente à maconha. Embora comprovadas, as propriedades terapêuticas da erva são ainda pouco conhecidas. Sabe-se que, em certos casos, a droga tem efeitos analgésicos e abre o apetite, promovendo a recuperação de peso em doentes terminais de Aids e câncer. Ela é eficaz ainda no combate ao enjôo e ao vômito, sintomas que aparecem em praticamente todo tipo de tratamento quimioterápico. Também reduz o enrijecimento muscular dos portadores de esclerose múltipla e há casos registrados de melhora em pacientes epiléticos. As pesquisas sobre a droga são, no entanto, limitadas. Os críticos da idéia argumentam que as ainda pouco estudadas propriedades terapêuticas da erva podem, em alguns casos, levar à dependência e deflagrar quadros graves de depressão e de esquizofrenia em pessoas com propensão a esses distúrbios psiquiátricos.
Para saber mais e onde procurar ajuda:
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