8.02.2014

Na Flip, Marcelo Rubens Paiva chora ao falar da morte do pai na ditadura Paiva


Rubens Paiva chora ao falar da morte do pai

Escritor comoveu público em debate sobre desaparecidos no regime militar.
Bernardo Kucinski também foi ovacionado; Persio Arida completou mesa.

Cauê Muraro Do G1, em São Paulo
O escritor Marcelo Rubens Paiva chorou, comoveu o público e foi ovacionado neste sábado (2) na 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) ao ler um texto no qual falava sobre o desaparecimento e a morte do pai, o deputado Rubens Paiva, em 1971, durante a ditadura no Brasil. Na mesa “Memórias do cárcere: 50 anos do golpe”, uma das mais que mais emocionaram a plateia do evento até aqui, o jornalista e escritor Bernardo Kucisnki também ganhou muitos aplausos. Disse que "conseguiram substituir a ditadura militar pela ditadura midiática, e a dominação pelo pau, pela dominação pelo consenso". Após a fala, o público se levantou para bater palmas. O encontro teve ainda participação ainda do economista Persio Arida. A mediação foi da historiadora Lilia M. Schwarcz.
O G1 transmitirá ao vivo todas as mesas da Flip 2014, tanto com áudio traduzido (se a palestra não for em português) quanto com áudio original. Veja a programação até domingo ao final desta nota.
Primeiro convocado a falar pela mediadora, Marcelo Rubens Paiva leu uma de suas colunas publicadas meses atrás no jornal "O Estado de São Paulo". Teve de interromper a leitura para conter o choro após uma ou duas frases. Na coluna, Paiva reproduzia um texto no qual sua mãe era o personagem. Escrito por Antonio Callado, o material contava de um passeio de barco de Eunice Paiva um dia depois de ela ser solta pelo regime, em 1971. 
"Pelas novas revelações, meu pai morreu no dia em que minha mãe foi presa. Ela foi deixada na cela mais 12 dias. Para quê? Melhor nem pensar", escreveu Marcelo. Em seguida, citou o estranhamento de se sentir no dever de agradcer por não terem matado também Eunice, a quem chamou de "a heroína da família".
Ele chorou de novo falar do próprio filho. "Eu fui pai agora, meu menino tem cinco meses, gente. Estou vendo tudo isso com outros olhos." Em seguida, o público se levantou para aplaudir. Mais tarde, Marcelo comentou que não havia chorado só por causa da morte de Rubens Paiva ou da paternidade recente, mas também porque a mãe está com mal de Alzheimer.
O depoimento, no entanto, também rendeu risos, especialmente na parte em que o escritor descreveu a atuação política da mãe e o dia em Lula foi visitar a família. De acordo com Marcelo, adolescente na época, ele tinha acabado de fumar maconha com as irmãs e os amigos, e todos jogavam war, quando o ex-presidente chegou.

Na sua descriação, a casa era frequentada por políticos, já que a mãe era uma figura de referência. Contou que, além de Lula, Eduardo Suplicy e José Serra passaram por lá para "pedir a bênção" de Eunice para que pudessem tocar a vida na política.

Marcelo Rubens Paiva se emociona ao ler texto
sobre o pai, Rubens Paiva (Foto: Flavio Moraes/G1)
O pai de Marcelo, Rubens Paiva foi morto durante a ditadura (Foto: Flavio Moraes/G1) 
O pai de Marcelo, Rubens Paiva foi morto durante
a ditadura (Foto: Flavio Moraes/G1)
Kucinski e Arida
Os participantes da mesa foram chamados pela mediadora de Fala em "três autores atores, que, cada um a sua maneira, com seus livros refazem essa memória de um tempo que não passou".

No caso de Kucisnki, que apenas recentemente passou a escrever ficção após uma longa carreira como jornalista e professor universitário, uma de suas obras é inspirada no desaparecimento da irmã. Rosa foi presa pelos militares junto do marido, em 1974. Nunca mais foram encontrados.

O episódio inspira a trama o livro "K.", que narra a busca de um pai pela filha que some do mapa. Depois de mencionar o paradoxo do escritor que se promove "às custas de uma tragédia familiar", Kucinski comentou: "O desaparecimento é um método especialmente traumático para as famílias, que não conseguem passar pelo rito do luto, enterrar seus mortos. E é traumático também para a sociedade, porque é como se houvesse um demônio que está levando as pessoas embora e não se sabe da onde".

O ponto de vista do "desaparecido" foi dado por Persio Arida. Antes de ficar conhecido por presidir o BNDES e Banco Central e de participar do estabelecimento do Plano Real, ele foi preso aos 18 anos de idade. Integrava a militância armada.
"Se você é preso e ninguém sabe, matá-lo é facílimo, porque não tem custo. Quando você sabe que alguém sabe que você está lá, de alguma forma isso serve de conforto", comentou Arida, que publicou um longo artigo sobre a detenção e pretende escrever um livro.
O jornalista Bernardo Kucinski, o economista Pérsio Arida e o escritor Marcelo Rubens Paiva (Foto: Flavio Moraes/G1)A partir da esq: Kucinski, Arida e o Marcelo Rubens
Paiva (Foto: Flavio Moraes/G1)
Crítica a Roger do Ultraje
O trio foi perguntado também sobre o relativo desconhecimento que as pessoas têm do que foi a ditadura ou o golpe militar de meio século atrás. "Nosso conhecimento histórico é muito fraco. A falta de noção do que foi esse período é sintoma de um processo mais amplo", observou Arida. "O desconhecimento sobre esse período, que agora finalmente está diminuindo, é parte de um desconhecimento mais amplo sobre o que somos e nossa própria história."

Sobre o mesmo assunto, Marcelo Rubens Paiva usou Roger, líder da banda Ultraje a Rigor, como exemplo desse desconhecimento. "Ele vai até ficar bravo. É meu amigo, escreveu músicas ícones da minha geração e de combate a ditadura, hinos do movimento das Diretas Já", falou. "Hoje, ele tem reações completamente opostas, e acusa a Dilma de terrorista. Se até pessoas que participaram têm essa confusão, imagina os garotos que moram na periferia de grandes cidades, que não têm acesso..."

Kucinski acha que um dos problemas é que "as novas gerações têm muitos poucos pontos de contato com as outras". "Para essa juventude, a ditadura é um capítulo da história do Brasil, remoto, e não tem continuidade com os dias de hoje. Os grupos dominantes que apioaram o golpe e se deram bem com ele ainda são hoje os grupos dominantes", declarou. Foi bastante aplaudido.

E a boa recepção se repetiu no desfecho de sua apresentação e da mesa, quando citou a estratégia adotada pelos militares ao término da ditadura. "Infelizmente, eu tenho de concluir de que a estratégia de 'transiçaã lenta, gradual e segura' foi completa. Conseguiram substituir a ditadura militar por uma ditatura midiática. Conseguiram substituir a dominação pelo pau pela dominação pelo consenso. E la nava va."

Veja o que ainda vem por aí na programação da Flip 2014:

2 de agosto – sábado

15h – "A verdadeira história do Paraíso", com Etgar Keret e Juan Villoro; mediação: Ángel Gurría-Quintana

17h15 – "Tristes trópicos", com Beto Ricardo e Eduardo Viveiros de Castro; mediação: Eliane Brum
19h30 – "Encontro com Jhumpa Lahiri"; mediação: Ángel Gurría-Quintana
21h30 – "Narradores do poder", com David Carr e Graciela Mochkofsky; mediação: João Gabriel de Lima
3 de agosto – domingo
10h – "Ouvir estrelas", com Marcelo Gleiser e Paulo Varella; mediação: Bernardo Esteves

12h – "Romance em dois atos", com Daniel Alarcón e Fernanda Torres; mediação: Ángel Gurría-Quintana
14h – "Os sentidos da paixão", com Almeida Faria e Jorge Edwards; mediação: Paulo Roberto Pires
16h – "Livros de cabeceira" – Convidados da Flip leem e comentam trechos de seus autores favoritos; com: Andrew Solomon, Etgar Keret, Graciela Mochkofsky, Joël Dicker, Juan Villoro, Eduardo Viveiros de Castro, Fernanda Torres e Marcelo Rubens Paiva.

 

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