No receituário constam informações falsas sobre integrar importantes entidades de Ortopedia
Rio - Mesmo com o registro cassado pelo
Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro em 5 de junho por erro
médico, que levou à morte um homem de 37 anos depois de cirurgia na
coluna, o ortopedista Fernando Cesar Lamy Monteiro da Silva continuava
exercendo a profissão, como se nada tivesse acontecido. O médico foi
detido, ontem, em seu consultório, em Vila Valqueire, por policiais da
26ª DP (Todos os Santos). Computadores e documentos foram apreendidos.
Ele vai responder em liberdade por exercício ilegal da profissão. O advogado do médico, João Carlos Ferreira, disse que só falará do assunto após tomar conhecimento dos fatos. Nos documentos que integram o processo contra ele no Cremerj e o inquérito da 26ª DP, há relatos sobre mais quatro pessoas que morreram após ser operadas por Lamy e de outras cinco que ficaram com sequelas graves, algumas irreversíveis.
Estranho é que, no resultado do exame de corpo de delito, consta a presença de hematoma em regiões posteriores do hemisfério cerebral direito e do cerebelo. Exame complementar atesta que Marcelo morreu de edema cerebral e edema nos pulmões, derivado de coronarioesclerose (bloqueio das artérias coronárias por gordura). “É muito suspeito. Não havia hematomas na cabeça do meu marido. Ele levava vida saudável”, questiona Susan Christie dos Santos de Oliveira, 34 anos, viúva de Marcelo.
Médico indicou cirurgia a repórter
Meu primeiro contato com o médico Fernando Cesar Lamy Monteiro da Silva foi às 14h10 do dia 17 de julho. Telefonei para o consultório dele (2704-8279) e um homem me atendeu. Falei que desejava marcar uma consulta. Dei meu nome correto e perguntei se ele era o doutor Lamy. A resposta foi afirmativa.
Fernando Cesar Lamy falou que pediria uma ressonância magnética, mas adiantou que eu devia estar com hérnia de disco e que a cirurgia era uma verdadeira moleza devido à nova técnica de reidratar os discos.
“É um equipamento importado. São agulhas. A gente insere seis agulhas nos discos, entre as vértebras, e faz a reidratação. A pessoa sai andando da cirurgia, porque são apenas furos”, descreveu, remetendo-me imediatamente ao caso de Marcelo, que também sofrera apenas seis pequenos cortes nas costas e pouco tempo depois estava morto.
Eu dava a máxima atenção ao médico, com expressões de satisfação pela excelência dele no assunto. O ego inflou. Lamy começou a discorrer sobre suas proezas profissionais, na tentativa de me impressionar cada vez mais. O médico liberou o narcisismo. “Aprendi essa técnica no exterior. Trabalhei quatro anos na Alemanha, três em Paris (França) e dois nos Estados Unidos”. Em depoimento ao Cremerj, os números já eram outros: falou ter ficado quatro anos em Berlim, na Alemanha, mais quatro na França e três na Califórnia (EUA). Mas não disse ao Conselho em quais hospitais ganhara tanta experiência.
Sem fazer nenhuma pergunta sobre a possibilidade de eu ser alérgica a alguma substância dos medicamentos ou se sofria de outras doenças, receitou um anti-inflamatório (que eu não poderia tomar pelo fato de ser doente renal crônica) e um remédio para evitar a dor.
Foi então que contei a história de Fernando Cesar Lamy, incluindo a recomendação da cinta Putty. Ele arregalou os olhos e disparou: “Esse material não é indicado para o seu caso. Você não pode usar isso. Essa cinta é para quem está com lesão na coluna.” Vivas ao meu neurocirurgião.
Inquérito por homicídio
Depoimentos tomados pelo Cremerj e pelo comissário da 26ª DP (Todos os Santos) Laércio Alves da Silva mostram que no mínimo cinco pessoas morreram depois de se submeterem a cirurgias nas mãos de Lamy. Além do analista de sistemas, três vítimas foram identificadas como Vandecir Afonso Guerra, Célia Gomes Gamarro e Celi Costa. Mas, depoentes relataram duas mortes: um jovem e uma mulher não identificados. Como a mulher não identificada pode ser Vandecir Guerra, Célia Gamarro ou Celi Costa, o número de óbitos seria quatro. Se não for, sobe para cinco.
Puxando os fios da meada, numa investigação carregada de critérios e minúcias, o comissário Laércio chegou ao caso de outra pessoa morta após ser operada por Fernando Cesar Lamy no Hospital Memorial: Célia Gomes Gamarro.
Uma paciente, que se identificou como Izabela, e que chegava para marcar consulta com Fernando Lamy na hora em que ele foi preso, disse que ficou assustada com a movimentação da polícia e pelo motivo pelo qual ele estava sendo levado para a delegacia. “Meu Deus! Acho que tive sorte então. Vi anúncio dele num jornal de bairro e vim tentar vaga para ser operada por ele”, disse. A 26ª DP encaminhará o caso ao Ministério Público.
Ele vai responder em liberdade por exercício ilegal da profissão. O advogado do médico, João Carlos Ferreira, disse que só falará do assunto após tomar conhecimento dos fatos. Nos documentos que integram o processo contra ele no Cremerj e o inquérito da 26ª DP, há relatos sobre mais quatro pessoas que morreram após ser operadas por Lamy e de outras cinco que ficaram com sequelas graves, algumas irreversíveis.
Na segunda-feira, dia 21, repórteres do DIA
estiveram no consultório de Fernando Cesar Lamy para uma consulta
marcada na quinta-feira da semana anterior. O médico indicou exame a ser
feito, receitou remédios, determinou o uso imediato de cinta e explicou
nova técnica de cirurgia na coluna, sem corte. “São apenas seis furos
com uma agulha, para reidratar o disco da coluna”, disse.
Vídeo: Proibido de exercer profissão, médico é preso em consultório
No receituário de Lamy, o cabeçalho
informa que ele é titular de quatro entidades. Mas em pelo menos emtrês
delas a informação é falsa: as sociedades brasileiras de cirurgia na
coluna, no joelho e minimamente invasiva. Só não foi possível conferir a
indicação da Academia Americana de Ortopedia.
Para destacar sua importância, contou
ter operado um ministro da Agricultura do Brasil, sem citar nome, num
hospital nos EUA, e afirmou que o ex-presidente Lula intercedeu para que
ele e outro médico trouxessem para o país a técnica da cirurgia. “Um
funcionário da Anvisa queria R$ 50 milhões para liberar (...) mas o Lula
abriu para nós (...) e o funcionário foi demitido”, gabava-se.
Carimbos falsos
O ortopedista também é acusado de
usar carimbos e falsificar assinaturas de médicos para preencher
formulários exigidos em cirurgias, como se os profissionais tivessem
auxiliado nos procedimentos. Pelo menos dois deles foram identificados:
Antônio Carlos dos Santos Júnior e Marcos Bettini Pitombo, que negaram
qualquer participação em equipe de Lamy. Uma instrumentadora conta em
depoimento que ele também usava carimbos de médicos já falecidos.
O caso que levou à cassação de Fernando Cesar
Lamy pelo Cremerj — a decisão foi encaminhada ao Conselho Federal de
Medicina para ser referendada — é o do analista de sistemas Marcelo
Gonçalves Costa, 37 anos, que morreu em julho de 2012 de hipovolemia
(perda de grande quantidade de sangue) e infarto, segundo o atestado de
óbito assinado por Lamy e endossado pela médica Luciana Lima Diniz, do
Hospital Copa D’Or, local da cirurgia.
Estranho é que, no resultado do exame de corpo de delito, consta a presença de hematoma em regiões posteriores do hemisfério cerebral direito e do cerebelo. Exame complementar atesta que Marcelo morreu de edema cerebral e edema nos pulmões, derivado de coronarioesclerose (bloqueio das artérias coronárias por gordura). “É muito suspeito. Não havia hematomas na cabeça do meu marido. Ele levava vida saudável”, questiona Susan Christie dos Santos de Oliveira, 34 anos, viúva de Marcelo.
Médico indicou cirurgia a repórter
Meu primeiro contato com o médico Fernando Cesar Lamy Monteiro da Silva foi às 14h10 do dia 17 de julho. Telefonei para o consultório dele (2704-8279) e um homem me atendeu. Falei que desejava marcar uma consulta. Dei meu nome correto e perguntei se ele era o doutor Lamy. A resposta foi afirmativa.
Chutei que Maria Helena, de Irajá,
tinha indicado. Eu nem sei quem é Maria Helena, de Irajá. Mas ele
respondeu de pronto: “Sei quem é, sim”, disse imperativamente. E passou o
telefone para a secretária, que anotaria meus dados. Dei meu nome outra
vez, minha profissão passou a ser ‘dona de casa’, ditei o número do
celular. Perguntou se eu tinha convênio com plano de saúde.
Na segunda-feira, dia 21, fui ao
consultório na Rua Luiz Beltrão, 160, sala 312, em Vila Valqueire, Zona
Norte. Cheguei andando devagar, como se estivesse com dor na coluna e as
pernas prendendo, amparada no braço de um colega. Na recepção, não foi
difícil conseguir informações básicas com a secretária: antes de mim,
dez outras pessoas haviam se consultado entre as 14h e as 17h30, ao
preço de R$ 150.
Entrei no consultório, sentei e contei os
sintomas — o que era absolutamente verdade, embora, naquele momento, eu
não estivesse com crise de coluna lombar. Ele mandou que eu fizesse
alguns exercícios de abaixa-levanta, dobra-perna, estica-perna, e já foi
dando o veredito, citando as vértebras em que eu deveria estar com
problemas.
Fernando Cesar Lamy falou que pediria uma ressonância magnética, mas adiantou que eu devia estar com hérnia de disco e que a cirurgia era uma verdadeira moleza devido à nova técnica de reidratar os discos.
“É um equipamento importado. São agulhas. A gente insere seis agulhas nos discos, entre as vértebras, e faz a reidratação. A pessoa sai andando da cirurgia, porque são apenas furos”, descreveu, remetendo-me imediatamente ao caso de Marcelo, que também sofrera apenas seis pequenos cortes nas costas e pouco tempo depois estava morto.
Eu dava a máxima atenção ao médico, com expressões de satisfação pela excelência dele no assunto. O ego inflou. Lamy começou a discorrer sobre suas proezas profissionais, na tentativa de me impressionar cada vez mais. O médico liberou o narcisismo. “Aprendi essa técnica no exterior. Trabalhei quatro anos na Alemanha, três em Paris (França) e dois nos Estados Unidos”. Em depoimento ao Cremerj, os números já eram outros: falou ter ficado quatro anos em Berlim, na Alemanha, mais quatro na França e três na Califórnia (EUA). Mas não disse ao Conselho em quais hospitais ganhara tanta experiência.
Sem fazer nenhuma pergunta sobre a possibilidade de eu ser alérgica a alguma substância dos medicamentos ou se sofria de outras doenças, receitou um anti-inflamatório (que eu não poderia tomar pelo fato de ser doente renal crônica) e um remédio para evitar a dor.
Ao ler a bula dos itens receitados,
levei um grande susto: além das inúmeras contraindicações, afirmava que o
paciente deveria ser advertido de que sua capacidade de dirigir
veículos poderia ficar comprometida durante o período de ingestão do
remédio. Além disso, me mandou adquirir uma tal de cinta Putty,
indicando até a loja onde eu poderia fazer a compra.
Dois dias depois da consulta com Fernando Lamy,
estive no consultório do neurocirurgião que há três anos acompanha os
desmandos da minha coluna lombar e já operou com sucesso minha
cervical. Ele olhou a ressonância da lombar que fiz semana retrasada e
foi taxativo: ainda não há indicação de cirurgia para a minha hérnia de
disco e dá para optar por tratamentos alternativos.
Foi então que contei a história de Fernando Cesar Lamy, incluindo a recomendação da cinta Putty. Ele arregalou os olhos e disparou: “Esse material não é indicado para o seu caso. Você não pode usar isso. Essa cinta é para quem está com lesão na coluna.” Vivas ao meu neurocirurgião.
Inquérito por homicídio
Depoimentos tomados pelo Cremerj e pelo comissário da 26ª DP (Todos os Santos) Laércio Alves da Silva mostram que no mínimo cinco pessoas morreram depois de se submeterem a cirurgias nas mãos de Lamy. Além do analista de sistemas, três vítimas foram identificadas como Vandecir Afonso Guerra, Célia Gomes Gamarro e Celi Costa. Mas, depoentes relataram duas mortes: um jovem e uma mulher não identificados. Como a mulher não identificada pode ser Vandecir Guerra, Célia Gamarro ou Celi Costa, o número de óbitos seria quatro. Se não for, sobe para cinco.
A técnica de enfermagem Wanda Thieres
Ribeiro relatou ao Cremerj que testemunhou a morte de um jovem (seria
um rapaz) operado por Lamy, ainda na sala de cirurgia. O anestesista
Alexandre Baroni afirmou que na primeira vez que trabalhou com Lamy a
paciente também faleceu, vítima de complicações hemorrágicas durante o
período de internação pós-operatória. Nenhum dos dois cita o ano das
duas mortes.
O inquérito foi instaurado pela 26ª
DP em 2012 por causa da falsificação de carimbo e assinatura de dois
médicos, mas acabou evoluindo para homicídio culposo. Em junho de 2012,
Marcos Pettini Pitombo recebeu telefonema do diretor do Hospital
Memorial, no Engenho de Dentro, indagando se ele participara como
primeiro médico auxiliar da cirurgia ortopédica em Celi Costa, que
falecera.
Pitombo negou participação na cirurgia e tomou
providências: foi direto para a delegacia dar queixa por falsificação do
carimbo e da assinatura. No decorrer das investigações, surgiu o nome
do outro médico, Antônio Carlos Júnior, que também alegou não ter
participado de qualquer cirurgia com Lamy. Esse mesmo médico foi
relacionado como primeiro auxiliar na primeira cirurgia de Marcelo
Costa.
Puxando os fios da meada, numa investigação carregada de critérios e minúcias, o comissário Laércio chegou ao caso de outra pessoa morta após ser operada por Fernando Cesar Lamy no Hospital Memorial: Célia Gomes Gamarro.
Paciente que tentava atendimento avaliou que teve sorte com a prisão
Fernando César Lamy foi preso às
16h15, em seu consultório, no terceiro andar da Rua Luiz Beltrão, no
Shopping Center Point, onde já atendia há anos. Um policial da 26ª DP
(Todos os Santos), se passando por paciente, com sua equipe, chegou ao
local pouco antes de 16h e marcou uma consulta. Em seguida, deu voz de
prisão ao acusado. “Ele ficou perplexo e muito trêmulo. Alegou que não
atendia ali e que apenas estava desempenhando ordens administrativas”,
comentou o policial.
Antes de entrar na viatura da 26ª DP, junto com
a mulher e uma funcionária que também foram detidas e não tiveram os
nomes revelados, Lamy tentou esconder o rosto. Ele abaixou a cabeça por
diversas vezes, principalmente quando chegou à sede a 26ª DP. A prisão
do médico deixou a vizinhança estarrecida. “Eu sempre o via por aqui e
não me parecia uma má pessoa”, comentou o comerciário Jhonatan
Rodrigues, 37 anos, que trabalha numa lanchonete próximo ao Shopping
Center Point.
Uma paciente, que se identificou como Izabela, e que chegava para marcar consulta com Fernando Lamy na hora em que ele foi preso, disse que ficou assustada com a movimentação da polícia e pelo motivo pelo qual ele estava sendo levado para a delegacia. “Meu Deus! Acho que tive sorte então. Vi anúncio dele num jornal de bairro e vim tentar vaga para ser operada por ele”, disse. A 26ª DP encaminhará o caso ao Ministério Público.
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