Depois de dois anos e meio
ouvindo militares, civis e colhendo documentos referentes ao regime
militar, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregará na próxima
quarta-feira (10) à presidente Dilma Rousseff o relatório final sobre as
conclusões às quais o grupo chegou. O documento, com cerca de 2 mil
páginas, recomendará punição civil, administrativa e criminal para
suspeitos de serem responsáveis pela violação de direitos humanos na
ditadura.
Segundo a assessoria do
órgão, o relatório apontará 434 mortos e desaparecidos políticos, o que
amplia em 72 nomes o total de 362 registrados pela Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República.
A Comissão da Verdade foi
criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em maio de 2012 por Dilma. O
colegiado foi constituído a fim de apurar as denúncias de violações de
direitos humanos entre 1946 e 1988, período que abrange o regime
militar.
Durante os últimos anos,
foram colhidos 1.120 depoimentos – 132 de agentes militares –,
produzidos 21 laudos periciais e realizadas 80 audiências públicas em 15
estados. No período de funcionamento da comissão, foram feitas sete
diligências em Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Entre as pessoas ouvidas pela
CNV nesses dois anos e meio, estiveram o coronel reformado Carlos
Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Destacamento de Operações de
Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II
Exército; o general reformado José Antonio Nogueira Belham, que comandou
o DOI-Codi do Rio de Janeiro; e o coronel Paulo Malhães, morto neste
ano, e que admitiu ter participado de torturas e mortes durante o regime
militar.
Ao G1, o coordenador da
Comissão da Verdade, Pedro Dallari, afirmou que o relatório pedirá a
punição aos agentes da ditadura em razão de o colegiado ter provas
“robustas” da participação dessas pessoas em casos de tortura, execuções
e ocultação de cadáveres. Na avaliação de Dallari, os trabalhos da
comissão foram positivos e ele diz que o documento está além de questões
político-ideológicas.
"Nós não somos uma comissão
jurídica. Embora a maioria dos integrantes seja de pessoas da área do
direito, nós não fomos mandatados para exarar posições júridicas. Nós
não somos um órgão jurídico. Qual foi a nossa atribuição? Apurar o fato
em si e propor recomendações. O fato que se revelou é um quadro muito
grave de graves violações dos direitos humanos, torturas, execuções,
desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres", disse Dallari.
"Tivemos investigações que
dizem respeito a eventos ocorridos há muito tempo, há mais de 40 anos.
Então, isso, obviamente, criou um quadro de dificuldade. Mesmo nesse
contexto, acho que a comissão conseguiu – do ponto de vista do
levantamento de informações pela busca da verdade – fazer um bom
trabalho e isso vai se refletir nas 2 mil páginas do relatório, que é
consistente, abrangente e muito detalhado, que não tem opiniões. É um
relatório fático", afirmou.
Segundo ele, as cerca de 2
mil páginas do documento que serão entregues à presidente Dilma Rousseff
"deixarão claro" que os trabalhos da comissão não tiveram viés
ideológico.
Para o coordenador da CNV, o
documento precisa ser "amplamente" divulgado, para que a sociedade
brasileira e as famílias de vítimas do regime tenham conhecimento do que
ocorreu no período da ditadura. "E é até capaz que o leitor ache nossas
conclusões tímidas, pelas provas que vamos apresentar", avalia.
Dallari afirmou ainda que o
fato de ter sido criado na CNV um departamento de perícia técnica
permitirá, segundo avalia, que a comissão não seja acusada de ter
produzido um documento "contra militares", mas, sim, segundo ele, que
mostre o que ocorreu no país durante o regime e ainda não havia sido
divulgado.
"O relatório não vai analisar
o regime militar. O documento analisa as graves violações feitas pelo
regime. Foi o que nós fizemos. Essa análise é importante porque nós nos
concentramos em uma base pericial, na apuração de todos os fatos com
exame de documentos. O relatório tem toda a consistência necessária e
tira esse viés político", afirmou.
Tortura em instalações militares
Em meio aos 50 anos do golpe
militar que deu início à ditadura, as Forças Armadas se comprometeram a
apurar denúncias de que torturas teriam sido praticadas em instalações
militares durante o regime.
Em 18 de fevereiro, a CNV enviou ao ministro Celso Amorim o pedido de instauração das sindicâncias internas.
Em relatório enviado à CNV,
porém, Exército, Marinha e Aeronáutica informaram não ter encontrado
provas de que houve desvio de finalidade do uso das instalações, o que
significa que não foram encontradas provas de casos de tortura nas
dependências militares, segundo a comissão.
De acordo com Dallari,
constará do relatório final da comissão recomendação para que as Forças
Armadas reconheçam que no período do regime militar instalações do
Exército, Marinha e Aeronáutica foram usadas em casos de violação de
direitos humanos.
Ex-presidentes
Nesses dois anos e meio de
trabalho, a Comissão da Verdade trabalhou também com análises
relacionadas às mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João
Goulart, o Jango.
Com autorização da família,
os restos mortais de Jango foram periciados e, segundo divulgaram a
Secretaria de Direitos Humanos e a Polícia Federal, o laudo pericial não
encontrou sinais de envenenamento, conforme suspeita de familiares.
Os exames dos restos mortais
começaram em 2013, a pedido da Comissão Nacional da Verdade. Jango,
exilado da ditadura militar, morreu na Argentina, em 1976. A causa
oficial da morte foi infarto. Para a família, ele teria sido assassinado
em uma ação da Operação Condor, aliança entre as ditaduras militares da
América do Sul nos anos 1970 para perseguir opositores dos regimes.
Apesar de suspeitas de que
JK tivesse sido vítima de um atentado, a CNV concluiu que o governo
militar (1964-1985) não teve participação na morte do ex-presidente. Ele
morreu após o veículo Chevrolet Opala, placa NW-9326 RJ, que conduzia
Juscelino e seu motorista Geraldo Ribeiro pela Via Dutra, rodovia que
liga São Paulo a Rio de Janeiro, colidiu frontalmente com uma carreta
Scania Vabis, placa ZR-0398-SC, após ter sido atingido por um ônibus.
Cooperação internacional
Durante a realização da Copa
do Mundo, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, esteve em Brasília e se
encontrou com a presidenta Dilma Rousseff. Após a reunião, ele convidou a
imprensa para uma entrevista coletiva na Embaixada dos Estados Unidos e
anunciou que o país disponibilizaria documentos obtidos por Washington
referentes à ditadura brasileira. Ainda em julho, o colegiado divulgou
no site os documentos entregues pelos EUA.
Fonte: G1
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