12.10.2014

Relação entre psique e corpo, vida e forma, espírito e matéria








A misteriosa relação existente entre vida e forma, entre psique e corpo e, por fim,  entre Espírito e Matéria, sempre atraiu o interesse do homem, não apenas do  ponto de vista científico como também do filosófico, sendo as mais diversas
 possíveis as respostas dadas a este problema.

Se, por exemplo, nos reportarmos a Descartes, veremos que ele afirma existir "uma irredutibilidade radical entre a alma e o corpo".

Recuando ainda mais no tempo, nos deparamos com Platão a declarar:

"É esse o grande erro do nosso tempo...  Os médicos mantêm separada a alma do corpo".

Com base nisso, percebe-se que ele julgava existir uma imprescindível  unidade entre o espírito e a matéria, entre a psique e o corpo, e  assim chegava a concordar intuitivamente com aquela que é uma das  verdades fundamentais do esoterismo: a unidade da vida.

"É um dos postulados fundamentais do esoterismo o de que matéria e  espírito são uma mesma coisa, não se distinguindo senão por suas  respectivas manifestações e pelas percepções limitadas que são as do
 nosso mundo sensível." (Das Cartas dos Mahatmas).

Isso concorda perfeitamente com o continuum postulado por Einstein
 como base da física universal.

De fato, com suas geniais descobertas sobre a constituição da
 matéria, Einstein provocou uma reviravolta na concepção dual energia
 e matéria, reconduzindo tudo a uma única realidade, talvez inacessível
 ao entendimento intelectual, mas a partir da qual é possível
 estabelecer matematicamente propriedades e deduzir leis físicas
 experimentalmente verificáveis.

Todavia, o homem ainda está longe de poder reconhecer
 efetivamente esta unidade, pois a sua consciência se acha 
identificada com a forma exterior, que ele julga ser a única realidade,  e entra em contato com o mundo objetivo somente através dos cinco  sentidos, enquanto ele ainda não desenvolveu a sensibilidade no
 plano das energias sutis e invisíveis.

Por isso, tudo o que nos pode provar a existência de uma "relação"  entre o que há para lá do mundo sensível e da matéria é útil
 para nos conduzir pouco a pouco à reconquista da unidade
 subjacente à aparente dualidade.

Algo que nos pode ajudar nesse sentido é o estudo das
 influências da psique sobre a somatização, estudo de que
 se ocupa a medicina psicossomática, uma das correntes
 da medicina atual que admite haver determinada influência
 das emoções e dos estados psíquicos sobre o organismo,
 capaz de produzir distúrbios, mal-estares e doenças reais.

Há alguns decênios, o corpo e as suas funções eram  considerados pela medicina somente em termos fisioquímicos,
 sendo o ideal do médico tornar-se, como diz Alexander, 
famoso médico psicossomático americano,
 "um engenheiro do corpo humano".

Hoje, ao contrário, foi se delineando no campo da medicina  uma cor- rente bem definida, que considera o homem uma  unidade biopsíquica, um indivíduo, não somente um corpo,  mas um conjunto de pensamentos, de emoções e tendências  funcionando de maneira coordenada sob a orientação de um
 eu consciente.

Cada um desses aspectos do indivíduo influencia o outro,
 pois guardam todos entre si relações que, mesmo ainda
 não totalmente esclarecidas pela ciência, deixam no ar a
 sua presença.

Foi o advento da psicanálise que modificou as concepções  materialistas da medicina, com a descoberta do inconsciente  e o estudo dos bizarros fenômenos da sintomatologia neurótica,
 que produz distúrbios que podem ser considerados verdadeiros
 processos patológicos.

Sobretudo, o estudo da "conversão de sintomas" na histeria  possibilitou a compreensão de como os conflitos psíquicos
 inconscientes, os traumas removidos, podem se "converter"
 em mal-estares e distúrbios somáticos, pois tendo sido impedida
 a sua descarga externa pela repressão inconsciente, eles são
 descarregados sobre o físico.

Pouco a pouco, após novas observações e estudos, o
 campo de investigação e descoberta foi se ampliando a
 ponto de, hoje, a medicina psicossomática admitir a presença
 de influências emotivas e psíquicas sobre a somatização, 
não somente nos indivíduos neuróticos como também  nos normais que tenham, porém, problemas emotivos não  resolvidos, preocupações que se furtam de enfrentar e  reconhecer, ou então nos que são submetidos a um stress  contínuo e torturante.

A palavra stress deriva da física e da engenharia, onde, como
 é sabido, ela tem um significado bastante preciso, qual seja 
"solicitação", tratando-se de uma força que, aplicada a um dado
 sistema, pode alterá-lo.

Em sentido patológico, tal palavra passou a designar qualquer
 problema ou situação que nos provoque um estado de 
ansiedade ou de tensão. Isso nos leva a pensar que, se  conseguíssemos manter um estado interior de serenidade,  de calma e confiança em todas as situações difíceis de  nossa vida, em face de qualquer acontecimento,  mesmo grave, de modo a poder enfrentá-lo com coragem,  lucidez e sobretudo com perfeita tranqüilidade emocional,
 provavelmente poderíamos evitar a maior parte dos nossos
 mal-estares físicos.

Todavia, esta "tranquilidade emocional" representa uma meta  a ser alcançada depois de uma série de amadurecimentos e
 progressos; por enquanto, portanto, as palavras expressas
 acima representam somente uma indicação teórica.

Mesmo as doutrinas espirituais e esotéricas interpretam  a maior parte das doenças físicas como conseqüência da falta
 de harmonia interior.

No livro de Alice A. Bailey, A Cura Esotérica, pode-se ler:


"Todas as doenças são efeito de desarmonia entre forma e vida.

 O que une forma e vida... é a alma no homem e o Si humano

.Quando é falho o alinhamento entre estes dois fatores, alma
 e forma, vida e expressão, sujeito e objeto, insinua-se a doença..." (p. 27).

A harmonia entre "vida e forma", entre alma e personalidade,
 pode ser alcançada somente quando se der o alinhamento
 e a integração de todos os aspectos do homem, ou melhor, 
podemos dizer que toda vida é uma passagem da desarmonia
 para a harmonia, da desordem para a ordem, da multiplicidade
 para a unidade.

Isso nos indica, em certo sentido, o programa a ser desenvolvido,
 o caminho a ser seguido para o nosso amadurecimento interior,
 meta esta que toda a humanidade, mesmo inconscientemente, 
tende a alcançar através de crises e sofrimentos, até que a
 consciência, desperta, não assuma o direcionamento das energias
 que compõem a nossa personalidade e não cumpra voluntária 
e conscientemente o trabalho de harmonização e de integração.

Em nível diverso, a psicologia profunda também persegue este  objetivo e procura levar o homem para a completa auto-realização,  orientando-o ao longo do caminho do conhecimento integra de
 si mesmo e da superação dos conflitos interiores.

A esta altura, torna-se necessário dizer que a origem da doença  não é somente psicológica e subjetiva, mesmo que a maioria das
 doenças tenha sempre um componente psíquico.

Existem outras causas que as doutrinas esotéricas reportam ao  Carma individual e também coletivo de toda a humanidade.

Tal assunto é extremamente amplo e, para dizer a verdade, ainda  
   um pouco obscuro e complexo, pois o aspecto esotérico das
 doenças e o seu estudo é algo ainda muito novo para o estágio 
atual de evolução da humanidade,tanto como a própria  medicina psicossomática, que mesmo tendo muitos adeptos  e seguidores entre os médicos, ainda é hostilizada e mesmo
 ignorada pela maioria.

Faz pouco que o pensamento dos homens começou a se orientar  nessa direção, por isso somente uma minoria começa a se fazer
 sensível às energias sutis e ao mundo, das causas e 
significados, oculto sob as aparências fenomênicas.

Portanto, tudo o que se exprime a esse respeito será
 necessariamente parcial e incompleto, sendo apresentado 
sobretudo como um argumento sobre o qual refletir e meditar.

Nessa matéria, nada mais fácil do que recair na superstição e na
 atitude anticientífica, o que pode levar a um ocultismo e a 
um fenomenismo nocivos, que devem ser evitados a qualquer
 custo, pois estes, ao invés de nos guiar para a luz e para um
 progresso efetivo, nos levariam para trás, provocando a nossa 
regressão a estágios evolutivos há muito superados.

Hoje, as doutrinas esotéricas também devem ser difundidas  como uma ciência, como um conjunto de conhecimentos  baseados em pesquisas sérias e no estudo de aspectos e  manifestações que, se não agora, certamente no futuro,  poderão ser verificados e experimentados cientificamente.

Eis por que, juntamente com o estudo dos enunciados e  explicações esotéricas e espirituais referentes às doenças
 do homem, é oportuno levar em consideração também 
tudo aquilo que foi observado pela medicina psicossomática
 e, além disso, procurar traçar um paralelo entre esta última 
e a medicina esotérica, destacando, na medida do possível,  as analogias e os pontos de contato entre as duas.

O dever do estudioso do esoterismo, hoje, é o de estar no
 mundo e não o de abstrair-se dele, e de levar ao mundo
 o conhecimento e a luz que ele possui, tornando-se intérprete 
das verdades ocultas e traduzindo-as em termos compreensíveis
 e aceitáveis.

É útil, portanto, saber até que ponto chegaram as  pesquisas e experimentações da medicina psicossomática
 e acompanhar os progressos — contínuos, embora lentos —
 da ciência em direção ao descobrimento da verdadeira natureza
 do homem.

Devemos, portanto, considerar, mesmo que rapidamente,
 os pontos de vista da medicina psicossomática.

A medicina psicossomática, conforme dissemos, reconhece o
 peso das influências emotivas e psíquicas sobre a saúde
 e divide os doentes em três categorias, conforme está escrito
 no tratado Medicina psicossomática de Weiss e English (ed. Astrolábio):

1º grupo:

Todos os que, não sendo loucos e tampouco neuróticos,
 apresentam uma doença que nenhuma alteração orgânica
 definida pode explicar.

A medicina psicossomática se interessa sobretudo por esse
 primeiro grupo. São os casos puramente "funcionais" da medicina prática.

2º grupo:

Todos os pacientes que apresentam distúrbios parcialmente
 provocados por fatores emotivos, mesmo que se verifiquem
 alterações orgânicas.

Este segundo grupo é mais importante do que o primeiro do  ponto de vista do diagnóstico e da terapia, pois o fator  psicogênico pode provocar, nesse caso, danos muito mais graves,  devido à presença também de uma doença orgânica.

3º grupo:

Todos os distúrbios geralmente considerados de domínio
 essencialmente somático, mas que implicam também o 
sistema nervoso vegetativo, como, por exemplo, a hemicrania,
 a asma, a hipertensão essencial etc.

Com base nessa subdivisão esquemática, é possível deduzir  que no pensamento dos médicos está se delineando também um outro problema muito importante, ou seja, o da eventual  relação entre distúrbio psicológico e alteração anatômica.

Em geral, os médicos psicossomáticos distinguem as doenças  como sendo orgânicas e funcionais.

As primeiras são as que apresentam alterações celulares e
 lesões anatômicas, as segundas são as que não apresentam 
alterações celulares nem lesões anatômicas e, portanto,  devem ser consideradas "psicogênicas".

A concepção de doença que vem se transmitindo desde o
 século XIX poderia ser indicada da seguinte maneira:

Alteração celular - lesão anatômica - distúrbio funcional.

No século XX esta fórmula sofreu uma mudança e passou a
 ser expres- sa da seguinte maneira:

Distúrbio funcional - alteração celular - lesão anatômica.

Nada se sabe ainda, do ponto de vista científico, quanto ao  que poderia preceder o distúrbio funcional, mas no futuro
 talvez se possa apontar um distúrbio psicológico como 
responsável por uma alteração funcional, através de
 uma determinada relação comprovável cientificamente.

A fórmula citada acima poderia, então, ser expressa da seguinte maneira:

Distúrbio psicológico - deficiência funcional -  alteração celular - lesão anatômica.

A medicina psicossomática admite esta relação como  uma hipótese bastante provável e, mesmo considerando a
 relação entre estado emocional e órgão físico ainda misteriosa,
não afasta a possibilidade de que um fator psíquico venha,  com o passar do tempo, a influir até mesmo sobre a matéria
 física e a produzir até mesmo uma lesão anatômica.

Isto é extremamente importante, pois nos traz de volta ao  problema que mencionamos no início, ou seja, à misteriosa
 relação que une a psique ao corpo, o espírito à matéria.

Do ponto de vista esotérico, o homem é considerado uma  unidade complexa, constituída de vários aspectos ou  "veículos" subordinados a um centro de consciência de origem  espiritual, o qual é chamado Si, Alma ou Eu Superior,  sendo considerado o Verdadeiro Homem.

O corpo físico é o mais exterior destes veículos, sendo
 tido somente como um instrumento de expressão e de
 experiência do Si no plano material.

Portanto, não há uma "cisão" entre o espírito e a  matéria, mas somente uma graduação de nível vibratório,
 pois todos os aspectos do Si, inclusive o veículo físico, 
emanaram do próprio Si para poderem se exprimir.


Portanto, o problema da relação entre vida e forma, se 
considerado do ponto de vista das doutrinas esotéricas,  pode ser facilmente resolvido, porquanto se trata de  um fenômeno semelhante ao da indução eletromagnética.  De fato, é preciso imaginar os veículos do homem como  "campos de energia" em contínuo movimento e em comunicação  entre si.

Estes campos de energia (que poderiam corresponder à
 "psique" da psicologia) constituem a ponte entre o espírito 
e a matéria, entre o Pai e a Mãe, como são simbolicamente  chamados estes dois aspectos do Uno.

"O Pai-Mãe fia um tecido, cuja extremidade superior está  presa ao Espírito-Luz da Escuridão Una e a inferior a seu  escuro fim, a Matéria. Este é o Tecido do Universo,  tecido com as duas substâncias fundidas em uma. " (Helena P. Blavatsky: Doutrina Secreta - Estâncias de Dzyan).

O homem, microcosmo que reflete o macrocosmo, revive em
 si mesmo esta verdade universal e nele o corpo físico pode 
ser considerado "o escuro fim do Tecido", e o Espírito "a Luz",
 enquanto a sua psique (isto é, os vários veículos) representam
 "o tecido do meio".

Portanto, para o esoterismo a relação entre Espírito e corpo
 não representa um mistério, sendo considerada, do ponto de 
vista energético, como sempre presente e atual.

A cisão existe do ponto de vista da consciência, pois o homem  não tem consciência de si mesmo, já que se identificou com a  extremidade mais densa e exterior do "tecido", com a parte mais  superficial e mecânica de sua natureza, vivendo na inconsciência  de sua origem e de sua realidade profunda.

Esta é a razão pela qual a ciência que pesquisa e indaga dos  fenômenos baseando-se no seu aspecto objetivo e partindo,  por assim dizer, do exterior, topa freqüentemente com  obstáculos intransponíveis e aparentemente inexplicáveis.

De fato (citando Aurobindo), "parece evidente que analisando o
 físico e o sensível nunca chegaremos ao conhecimento do 
Si, de nós mesmos ou d'Aquele que chamamos Deus... Portanto,
 se existe um Si, uma Realidade não evidente para os nossos 
sentidos, é preciso procurá-la com outros meios que não os  da ciência física". (De A síntese da Yoga, vol. II, p. 22.)

E que outros meios são esses?

Sobretudo o estudo da consciência do homem, que é uma  realidade subjetiva, em face da qual até mesmo os cientistas se
 sentem perplexos. 

O conhecido biólogo C. H. Waddington escreve a este respeito:

"Nos deparamos, no que respeita à consciência de si, com um  mistério fundamental que ocupa o centro de toda a nossa vida ..."

De fato, não há como classificar e estudar "cientificamente"  a consciência, entendida como autoconsciência, fenômeno em si  totalmente independente dos fatos físicos.

É justamente na análise dos fenômenos subjetivos da consciência  e no desenvolvimento gradativo desta que o esoterismo e a ciência
 talvez possam se encontrar através da psicologia, que se pode 
considerar hoje como uma ciência verdadeiramente fundamental para a vida.

A medicina psico-espiritual procura investigar as causas das  doenças do homem servindo-se não somente dos meios oferecidos
 pela psicologia como também dos meios oferecidos pelas
 doutrinas esotéricas e, considerando as doenças como alterações
 da relação existente entre psique e corpo, e espírito e matéria, 
pode ajudar a nos conhecermos melhor e a alcançarmos
 a harmonia e a auto-realização.

Fonte:
Medicina Psico-Espiritual
Angela Maria La Sala Bata
Tradução de Pier Luigi Cabra
 

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