Estudos pré-clínicos realizados no
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)
mostraram que o tamoxifeno – droga normalmente usada no tratamento de
tumores na mama – pode ser uma ferramenta poderosa contra a
leishmaniose.
“Tanto o antimonial como a anfotericina B
– as principais opções terapêuticas disponíveis contra a leishmaniose –
são drogas caras, muito tóxicas e precisam ser administradas por via
parenteral. Nossa ideia de associar o antimônio com o tamoxifeno é
conseguir o mesmo resultado com uma dose bem menor, o que diminuiria
também os efeitos colaterais”, explicou Silvia Reni Bortolin Uliana,
coordenadora do projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP.
A leishmaniose é uma doença infecciosa
causada por parasitas do gênero Leishmania e transmitida pela picada do
mosquito-palha (gêneros Lutzomyia e Phlebotomus). Dependendo da espécie
do parasita causador da infecção, a manifestação pode ser cutânea, na
forma de feridas na pele localizadas principalmente nas partes
descobertas do corpo, ou visceral, acometendo órgãos como fígado, baço e
medula óssea.
Segundo Uliana, professora associada do
ICB-USP, dados da literatura apontam uma taxa de sucesso de apenas 55%
no tratamento da leishmaniose cutânea com antimônio no Brasil. Embora
não existam dados precisos para a leishmaniose visceral no país, também
nesse caso as drogas disponíveis atualmente são consideradas pouco
eficazes.
“Iniciamos há cerca de dez anos uma
triagem de novos compostos candidatos para o tratamento da leishmaniose.
Cerca de dez substâncias que mostraram ação contra o parasita in vitro
foram testadas em animais e, dessas, o tamoxifeno foi a que apresentou
os melhores resultados”, contou Uliana.
O quimioterápico foi incluído no
screening inicial por haver evidências de que, além de interagir com os
receptores do hormônio estrogênio – motivo pelo qual ele é usado no
tratamento do câncer de mama –, ele também altera o pH em determinadas
organelas das células tumorais, deixando-o alcalino.
“Sabemos que a leishmania precisa de um
ambiente ácido para sobreviver no organismo hospedeiro. Então imaginamos
que o tamoxifeno poderia modificar o pH nos vacúolos onde o parasita se
instala, prejudicando seu metabolismo. Isso foi confirmado nos testes
subsequentes, mas, aparentemente, este não é o único mecanismo pelo qual
o tamoxifeno atua. Parece ser uma ação multifatorial, que ainda estamos
investigando”, contou Uliana.
Testes pré-clínicos -
Após o sucesso nos testes in vitro, o grupo do ICB-USP decidiu testar o
tamoxifeno em modelos animais. Em camundongos, a droga foi usada no
tratamento de infecção pela Leishmania braziliensis e pela Leishmania
amazonenses – ambas causadoras da forma cutânea da doença. Em um modelo
de hamster, o tamoxifeno foi usado contra a Leishmania chagasi,
causadora da forma visceral.
Os resultados foram descritos em artigos publicados nas revistas PLoS Neglected Diseases e Journal of Antimicrobial Chemotherapy.
“No modelo de leishmaniose cutânea, o
parasita era injetado na pata ou na base da cauda ou no pavilhão
auricular e, no local, os animais desenvolviam uma lesão que se
transformava em úlcera. O tratamento com tamoxifeno era iniciado quando
os roedores já estavam com sintomas e mantido por 15 a 20 dias. Depois, o
animal era acompanhado por mais 3 meses para termos a certeza de que a
lesão não voltaria”, disse Uliana.
No modelo de infecção por L. braziliensis,
o grupo tratado com tamoxifeno apresentou uma redução de 99% na carga
parasitária quando comparado ao controle, que apenas recebeu placebo.
Além disso, houve redução no tamanho máximo da lesão na pele e uma
evolução mais rápida para a cura nos animais tratados, em comparação com
o grupo controle.
Já no modelo de L. amazonenses, no qual
os animais desenvolvem feridas mais agressivas e que não se curam
sozinhas, o tamoxifeno conseguiu promover redução significativa no
tamanho das lesões em comparação ao controle. Também houve redução de
99,7% na carga parasitária dos animais tratados.
Nos hamsters infectados com a L.
chagasi, os pesquisadores avaliaram o fígado e o baço e verificaram
redução de 95% a 98% na carga parasitária dos animais tratados com
tamoxifeno.
“Embora os testes com animais tenham
sido bastante promissores, ainda não é possível inferir o que
aconteceria em humanos. Por isso estamos agora desenhando um ensaio
clínico que será realizado em parceria com o professor Edgar Marcelino
de Carvalho, da UFBA. O tamoxifeno será testado em associação com o
antimonial”, afirmou Uliana.
Para ter certeza de que usadas em
conjunto as drogas não teriam um efeito antagônico, foram realizados
testes com os mesmos modelos animais de leishmaniose cutânea e visceral.
Em um artigo publicado este ano no Antimicrobial Agents and Chemotherapy,
foram descritos os resultados da associação do tamoxifeno com a
anfotericina B. Os resultados dos testes com a associação de tamoxifeno e
antimonial em roedores devem ser publicados em breve.
“De maneira geral, com apenas um terço
da dose normal de cada uma das drogas, conseguimos obter o mesmo efeito
do verificado com o tamoxifeno usado de maneira isolada”, contou Uliana.
Aperfeiçoamento
O efeito do raloxifeno – outro
modulador dos receptores de estrogênio indicado para tratamento de
osteoporose – foi testado pelo grupo do ICB-USP no combate a parasitas
do gênero Leishmania.
“A ação não foi tão boa quanto a do
tamoxifeno, mas os resultados serviram de base para outros estudos nos
quais tentamos entender qual parte dessas moléculas é importante para a
ação antileishmania”, explicou Uliana.
Os pesquisadores do ICB-USP obtiveram
com o laboratório farmacêutico Eli Lilly um painel com cerca de 150
moléculas estruturalmente relacionadas com o tamoxifeno e com o
raloxifeno e verificaram que a parte das moléculas que interage com os
receptores de estrogênio não é importante para a ação contra o parasita.
“Esse é um resultado muito bom, pois
significa que podemos modificar a droga e tirar a parte que interfere
com o hormônio. Dessa forma, o medicamento ficaria mais seguro para
tratar crianças ou mulheres em idade fértil”, disse Uliana.
Em um artigo publicado
em 2013 na revista Chemical Biology & Drug Design, os pesquisadores
descrevem outros fatores que podem ser modificados na estrutura do
tamoxifeno para potencializar sua ação antiparasitária.
“Com base nesse conhecimento,
pretendemos sintetizar novos compostos que poderão ser ainda mais
potentes que o tamoxifeno e não vão interferir com a parte hormonal”,
disse Uliana.
Os resultados das pesquisas conduzidas pelo
grupo do ICB-USP foram apresentados na sede da FAPESP no dia 13 de
novembro, durante o workshop “Frontiers in Science on Neglected Diseases”.
Leia mais em: http://agencia.fapesp.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário