Anticoncepcionais que contêm o hormônio drospirenona são suspeitos de matar jovens por trombose. Como se proteger
Nos Estados Unidos, onde a propaganda de medicamentos é liberada em todos os meios de comunicação (TV, revistas, jornais, painéis em ônibus etc), as novas drogas são lançadas com investimentos gigantescos em publicidade. Os anúncios influenciam o consumidor diretamente. Ele chega ao consultório médico com a marca na ponta da língua.
As americanas se lembram bem dos comerciais das pílulas anticoncepcionais Yasmin e YAS, fabricadas pela Bayer Schering e também vendidas no Brasil. Esses produtos foram lançados com um apelo irresistível: evitar a gravidez e, ao mesmo tempo, amenizar sintomas da TPM. O anúncio de TV veiculado nos EUA apresenta os remédios como uma solução para sintomas clássicos e indesejáveis como irritabilidade, inchaço, fadiga, dores de cabeça etc. Também prometia reduzir a oleosidade da pele e dos cabelos.
Diante de anúncios bem feitos como esse, o consumidor se convence de que está diante de um produto muito melhor que os anteriores. É uma mera inferência. O fato inegável é que o fabricante do novo produto decidiu investir mais dinheiro em propaganda que os concorrentes.
Nos últimos dias, a Yasmin e a YAS estiveram no centro de um debate promovido pela FDA (a agência americana que regula fármacos e alimentos). Os benefícios foram eclipsados pela discussão em torno dos riscos dessas pílulas. Diferentemente das concorrentes, elas contêm o hormônio drospirenona. Alguns estudos recentes sugerem que ele piora a circulação do sangue e aumenta em até duas ou três vezes o risco de trombose (formação de coágulos no interior de um vaso sanguíneo).
A agência ouviu depoimentos de supostas vítimas. Joon Cummins relatou a morte da filha, a estudante Michelle Pfileger, de 18 anos, ocorrida em 2010. Ela sofreu um tromboembolismo pulmonar, quatro meses depois de começar a tomar a pílula YAS. Segundo a mãe, o ginecologista não alertou a filha sobre os riscos, relata a repórter especial Claudia Collucci, da Folha de S. Paulo, que acompanhou a reunião em Maryland.
“Em um dia, minha filha era linda, inteligente e com uma vida pela frente. No outro dia, estava morta. Vocês (FDA) estão aqui para proteger nossas vidas e não os interesses da indústria farmacêutica”, disse a mãe.
Segundo a FDA, ao menos 190 mulheres morreram após tomar pílulas à base de drospirerona.
Vamos à questão central: a análise mais recente feita pela FDA estima que, a cada ano, dez em cada 10 mil mulheres podem ter um coágulo provocado por essas drogas. Quem toma as pílulas mais antigas também está sujeita ao problema, mas o risco é inferior. Ocorre em seis mulheres a cada 10 mil consumidoras.
Estudos conduzidos pela empresa fabricante não revelaram aumento do risco de formação de coágulos. Apontar esse tipo de risco é especialmente difícil porque eles também podem ser decorrência de fatores ligados à história familiar ou ao estilo de vida -- como o tabagismo e a obesidade.
Segundo os cientistas da agência, nenhum dos estudos existentes é capaz de dar uma resposta definitiva sobre o risco dessas pílulas. Novos estudos precisam ser realizados. A agência decidiu manter essas pílulas no mercado, mas os consultores consideraram que as atuais informações dadas aos consumidores não refletem os reais riscos. Mais alertas devem ser incluídos na bula enquanto novas pesquisas são realizadas.
Você, leitora que toma anticoncepcional, deve estar perguntando: “E agora? Como eu fico?”. O papel das autoridades é monitorar os riscos provocados pelos medicamentos, exigir mais estudos e retirar do mercado aqueles que apresentam riscos inaceitáveis.
Enquanto as autoridades não chegam a uma decisão, cabe a cada uma de nós zelar pela própria saúde. Com informação de qualidade e cuidados que estão ao nosso alcance. O que está ao nosso alcance é não se expor a riscos desnecessários.
O cuidado número 1 é evitar o uso de pílula anticoncepcional (seja ela qual for) caso você seja fumante. Pílula e cigarro não combinam. Essa mistura aumenta o risco de trombose e, consequentemente, de acidente vascular cerebral (AVC). Se você quiser fazer um bem às mulheres, espalhe essa mensagem. Cabe num tweet: pílula e cigarro não combinam.
Em 2010, ÉPOCA publicou uma reportagem sobre mulheres jovens que sofreram um derrame. Ela pode ser lida na íntegra aqui. Ela traz informações úteis sobre a relação entre pílula, cigarro, trombose e AVC. Recomendo, também, o vídeo com os depoimentos das moças que passaram pelo problema. É impressionante e está disponível no mesmo link.
A explicação médica que nos interessa neste momento é a seguinte: na maioria das mulheres, a pílula é segura. Se não fosse assim, todos nós conheceríamos alguma moça que teve um AVC depois de tomar anticoncepcional. Mas as que usam esse tipo de contracepção precisam saber que os hormônios aumentam a capacidade de coagulação do sangue.
O mesmo pode ocorrer quando a mulher faz reposição hormonal na menopausa. Quem toma pílula ou faz reposição hormonal está mais sujeita a sofrer de trombose. E a trombose pode levar ao AVC.
A combinação de pílula e cigarro eleva em oito vezes o risco de AVC. O sangue dos fumantes torna-se mais propenso à formação de coágulos e a nicotina também enrijece as artérias que irrigam o cérebro. Logo, mulheres que fumam não devem tomar pílula. Quantas sabem disso?
“Muitas fumam e não contam ao ginecologista”, diz a neurofisiologista Maristela Costa, do Hospital do Coração (Hcor), em São Paulo. O inverso também é verdadeiro. Muitos médicos receitam pílula e não perguntam se a mulher fuma.
A gerente de produto Amanda De Tommaso Oliveira, de 31 anos, teve uma péssima experiência. Fumava desde os 15. Aos 27 anos, consumia um maço por dia e não tomava pílula. Para tentar reduzir um cisto no ovário, o ginecologista receitou-lhe um anticoncepcional. Após dez dias de uso, Amanda teve um AVC. Estava em casa, assistindo à TV, quando o braço esquerdo começou a ficar pesado. O desespero aumentou quando ela tentou pedir ajuda à irmã Isabela. Os pensamentos fluíam, mas ela era incapaz de pronunciar qualquer palavra.
Amanda sofreu um AVC pequeno na região frontal do cérebro, no lado direito. Passou três dias no hospital. Logo nas primeiras horas, a fala e os movimentos foram voltando. Desde o derrame, nunca mais colocou um cigarro na boca. Hoje leva vida absolutamente normal. Mas a experiência deixou marcas profundas. “O AVC não estava no meu script, mas me ensinou a valorizar cada instante”, diz Amanda. Em vez de pensar naquilo que quer ter, pensa no que já tem. “Tenho casa, família, amigos e pernas que me levam aonde eu quero. Já tenho tudo.”
Amanda tornou-se um exemplo de disposição e alto-astral. A americana Michelle não teve a mesma sorte. Ambas têm histórias que não devem ser ignoradas. Conte às amigas, comente, reproduza, passe a informação adiante. É o que cada uma de nós pode fazer enquanto as autoridades não tomam uma atitude.
Cristiane Segatto
Revista Época
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