1.24.2012

Células-tronco embrionárias ajudam a tratar cegueira, mostra pesquisa


Resultados divulgados na ‘Lancet’ abrem novamente o debate sobre a controversa técnica


Pesquisa mostra que células-tronco embrionárias podem ajudar a tratar cegueira
Foto: Fernando Quevedo / Agência O Globo
Pesquisa mostra que células-tronco embrionárias podem ajudar a tratar cegueira Fernando Quevedo / Agência O Globo
RIO - Antes do tratamento, uma artista plástica de 51 anos era completamente cega, incapaz de ler uma letra num teste oftalmológico. Ela sofreu a doença de Stargardt, a forma mais comum de degeneração macular em pacientes mais jovens, desde que era adolescente, e seu quadro foi piorando com o tempo. Uma segunda paciente, de 78 anos, sofria de degeneração macular, a principal causa de cegueira na velhice, e não era capaz de enxergar bem nem para fazer compras sozinha. Mas depois de tratadas com células-tronco doadas de embrião humano, as duas mulheres melhoraram consideravelmente, afirmaram pesquisadores na última segunda-feira. Células-tronco são células mestras que podem se diferenciar em qualquer um dos 200 tipos de células do corpo humano.
Seus resultados são os primeiros relatados do uso médico das células-tronco retiradas de embriões humanos, tornando-os referências para refletir se a controversa técnica algum dia terá espaço para uso terapêutico generalizado. Em um trabalho publicado online na "Lancet" na última segunda-feira, médicos da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e cientistas da empresa Advanced Cell Technology (ACT) relatam que as primeiras duas pacientes no ensaio clínico não sofreram nenhum efeito adverso de saúde em decorrência do tratamento e parecem ter obtido benefícios.
Uma semana depois de ter células derivadas de um embrião de alguns dias de vida injetadas em seu olho, a artista era capaz de fazer contas com os dedos, e depois de um mês ela conseguia ler as primeiras cinco letras de um teste oftalmológico. Ela consegue ver mais cores e contraste, começou a usar um computador, e, pela primeira vez em anos, pôde ver a hora em seu relógio e uma agulha. A paciente com degeneração macular recentemente foi ao shopping pela primeira vez em muito tempo.
As pessoas deveriam se concentrar em resultados seguros, não na melhora da visão, na opinião de Dusko Ilic, especialista em células tronco no Kings College London, que não participou do estudo.
- Se todo mundo esperar que os pacientes cegos vão enxergar depois de serem tratados, será um desastre - ele disse.
No entanto, já há quem comemore os resultados.
- Finalmente estamos vendo frutos de pesquisas com células-tronco embrionárias humanas em ensaios clínicos - afirmou Peter Coffey, diretor do Projeto para Curar Cegueira de Londres.
O uso de células-tronco embrionárias humanas para pesquisa ou tratamento gerou controvérsia por razões éticas e médicas. Os críticos do procedimento argumentam que a remoção de células-tronco a partir de alguns dias de vida dos embriões humanos quase sempre destrói o embrião, o que representaria a morte dos mesmo.
A ACT é a única companhia que atualmente testa células-tronco embrionárias humanas em pacientes em estudo. No último mês de novembro, a pioneira Geron anunciou que estava parando o que havia sido o primeiro teste clínico de células testadas em pacientes com lesões na medula espinhal - e estava deixando o campo.
Até mesmo os cientistas que apoiam pesquisa com células-tronco afirmam que elas poderiam ser perigosas para uso terapêutico. A propriedade que as torna tão valiosas na pesquisa - células-tronco podem se transformar em qualquer um dos tipos de células no corpo humano - também as torna arriscadas.
Elas podem formar teratomas, um tipo de tumor que surge quando as células-tronco se diferenciam em uma profusão de tipos de células.
Outra preocupação é que as células transplantadas derivadas de embriões humanos possam ser rejeitadas pelo sistema imunológico do paciente. A equipe da ACT que trabalhou no estudo no olho lidou com uma região "privilegiada", já que ele não produz uma forte reação imunológica ao tecido estranho.
No estudo, os médicos injetaram o que são chamadas de células epiteliais da retina em um olho de cada paciente. Essas células estão no fundo do olho e banham cones e bastonetes da retina em substâncias chamadas fatores de crescimento. Quando elas morrem, como acontece na degeneração macular, os fotorreceptores também morrem, eventualmente causando cegueira.
O transplante dessas células cultivadas a partir de células-tronco, os pesquisadores acreditavam quando a pesquisa começou há quase uma década, pode rejuvenescer os cones e bastonetes do olho, devolvendo a visão perdida. Para produzi-las, os pesquisadores buscaram embriões de dias de idade criados por fertilização in vitro. Os pais, que não queriam os embriões, os doaram para pesquisas. Os cientistas então removeram uma única célula-tronco de um embrião, cultivaram-na em laboratório para obter milhões de células, e as diferenciaram nas células que queriam.
O objetivo principal do ensaio clínico era determinar se as células implantadas causariam algum dano. Até agora, nenhum paciente teve inflamação, uma indicação de que seu sistema imunológico não está atacando as células estranhas.
E não há nenhuma evidência de que um teratoma tenha se formado em qualquer paciente. Os pesquisadores também descobriram que as células sobrevivem depois de terem sido implantadas há quatro meses.
O Globo

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