Em livro, médico americano relata os bastidores das salas de operação, os conflitos emocionais e a complexa vida dos profissionais do bisturi
Cilene PereiraRuggieri tem 52 anos, 20 deles trabalhando como cirurgião. Hoje é chefe do Departamento de Cirurgia do Charlton Memorial Hospital, localizado em Massachusetts. Em todos os anos passados entre a residência médica – período depois da graduação no qual o médico recebe o treinamento específico para a especialidade que escolheu – e a chefia do departamento, passou por situações que colocaram em teste sua paciência, seu autocontrole, sua compaixão e sua capacidade de colocar sua missão acima de valores pessoais. Em uma delas, por exemplo, viu-se obrigado a atender um homem que havia acabado de provocar uma tragédia em um fórum, durante uma audiência de divórcio. O homem baleou a ex-esposa, a advogada dela e mais algumas pessoas, e acabou atingido pela polícia com nove balas. E tinha de ser atendido antes dos outros feridos. “Pensei que ele não merecia o esforço para fazê-lo viver”, contou no livro. “Mas voltei à realidade e vi que a sala de operação torna todos iguais. Ele estava ferido e eu podia ajudá-lo.”
O livro ainda não chegou ao Brasil, mas foi bem-vinda por aqui a iniciativa de relatar o dia a dia repleto de emoções, que vão da raiva à alegria, do cansaço à euforia. “É bom revelar que o médico é um ser humano também. Que fica de mau humor, cansado”, diz Carlos David Carvalho Nascimento, cirurgião-geral e do aparelho digestivo do Hospital e Maternidade São Luiz, de São Paulo. “Embora tenha de ficar claro que nada disso pode ser usado para justificar um erro”, ressalva.
Nascimento tem tempo de experiência parecido com o do colega americano. Aos 51 anos de idade, acumula 26 como cirurgião. E, assim como Ruggieri, também enfrenta circunstâncias difíceis, dolorosas, inusitadas. Já se viu, por exemplo, obrigado a amarrar paciente para não ser agredido e já morreu de raiva por ver seu trabalho ir por água abaixo depois de o doente teimar e não seguir suas orientações depois da cirurgia. Por conta do grau de complexidade que caracteriza a atividade, Nascimento acredita que os médicos deveriam receber treinamento para encarar desafios como a morte de um paciente. “Em geral, o médico não sabe lidar com o fracasso”, diz. “Aprender a administrar isso deveria fazer parte da nossa formação”, defende.
Paul Ruggieri, cirurgião-geral do Charlton Memorial Hospital (EUA)
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