Amar é renunciar, em silêncio, aquilo que lhe é mais prazeroso, somente para satisfazer ao seu amor.
Falamos
à beça de amor. Apesar das nossas singularidades, temos pelo menos esse
desejo em comum: queremos amar e ser amados. Amados, de preferência,
com o requinte da incondicionalidade. Na celebração das nossas
conquistas e na constatação dos nossos fracassos. No apogeu do nosso
vigor e no tempo do nosso abatimento. No momento da nossa alegria e no
alvorecer da nossa dor. Na prática das nossas virtudes e no embaraço das
nossas falhas. Mas não é preciso viver muito para percebermos nos
nossos gestos e nos alheios que não é assim que costuma acontecer.
Temos
facilidade para amar o outro nos seus tempos de harmonia. Quando
realiza. Quando progride. Quando sua vida está organizada e seu coração
está contente. Quando não há inabilidade alguma na nossa relação. Quando
ele não nos desconcerta. Quando não denuncia a nossa própria limitação.
A nossa própria confusão. A nossa própria dor. Fácil amar o outro
aparentemente pronto. Aparentemente inteiro. Aparentemente estável. Que
quando sofre não faz ruído algum.
Fácil
amar aqueles que parecem ter criado, ao longo da vida, um tipo de
máscara que lhes permite ter a mesma cara quando o time ganha e quando o
cachorro morre. Fácil amar quem não demonstra experimentar aqueles
sentimentos que parecem politicamente incorretos nos outros, embora
costumem ser justificáveis em nós. Fácil amar quando somos ouvidos mais
do que nos permitimos ouvir. Fácil amar aqueles que vivem noites
terríveis, mas na manhã seguinte se apresentam sem olheiras, a maquiagem
perfeita, a barba atualizada.
É
fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é
farto, e o chope é gelado. Nos cafés, após o cinema, quando se pode
filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência, um bom
cappuccino e pão de queijo quentinho. Nos corredores dos shoppings,
quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro. É fácil
amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nos
encontros erotizados, nas festas agendadas no calendário do de vez em
quando.
Difícil
é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E
entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O
prazo. A identidade. E fala o tempo todo do seu drama com a mesma mágoa.
Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que
habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não
aceitamos que ele esteja. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece
que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê
mais ninguém na plateia. Quando até a própria alma parece haver se
retirado.
Difícil
é amar quando já não encontramos motivos que justifiquem o nosso amor,
acostumados que estamos a achar que o amor precisa estar sempre
acompanhado de explicação. Difícil amar quando parece existir somente
apesar de. Quando a dor do outro é tão intensa que a gente não sabe o
que fazer para ajudar. Quando a sombra se revela e a noite se apresenta
muito longa. Quando o frio é tão medonho que nem os prazeres mais
legítimos oferecem algum calor. Quando ele parece ter desistido
principalmente dele próprio.
Difícil
é amar quando o outro nos inquieta. Quando os seus medos denunciam os
nossos e põem em risco o propósito que muitas vezes alimentamos de não
demonstrar fragilidade. Quando a exibição das suas dores expõe, de
alguma forma, também as nossas, as conhecidas e as anônimas. Quando o
seu pedido de ajuda, verbalizado ou não, exige que a gente saia do nosso
egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, para caminhar ao seu
encontro.
Difícil
é amar quando o outro repete o filme incontáveis vezes e a gente não
aguenta mais a trilha sonora. Quando se enreda nos vícios da forma mais
grosseira e caminha pela vida como uma estrela doída que ignora o
próprio brilho. Quando se tranca na própria tristeza com o aparente
conforto de quem passa um feriadão à beira-mar. Quando sua autoestima
chega a um nível tão lastimável que, com sutileza ou não, afasta as
pessoas que acreditam nele. Quando parece que nós também estamos
incluídos nesse grupo.
Difícil
é amar quem não está se amando. Mas esse talvez seja o tempo em que o
outro mais precise se sentir amado. Para entender, basta abrirmos os
olhos para dentro e lembrar das fases em que, por mais que quiséssemos,
também não conseguíamos nos amar. A empatia pode ser uma grande aliada
do amor.
Ana Jácomo
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