DEPENDÊNCIA PESADA
O mecanismo molecular que leva
indivíduos ao vício em drogas é o mesmo que está por trás da compulsão
pela comida, de acordo com um novo estudo realizado por cientistas
norte-americanos.
Os
resultados fornecem uma explicação científica para algo que é
verificado na prática por pacientes obesos há muito tempo: assim como
ocorre com a dependência em outras substâncias, largar o vício por
comida não saudável é algo extremamente difícil.
A
pesquisa, coordenada por Paul Kenny do Instituto de Pesquisa Scripps,
na Flórida (Estados Unidos), foi publicada no último domingo (28/3) na
edição on-line da revista Nature Neuroscience e em breve será veiculada na versão impressa.
Os
resultados do estudo já haviam sido divulgados de forma preliminar em
uma reunião da Sociedade de Neurociências, em Chicago, em outubro de
2009. Mas o artigo vai mais longe, demonstrando pela primeira vez com
clareza, em modelos animais, que o desenvolvimento da obesidade coincide
com a deterioração progressiva do equilíbrio químico em circuitos de
recompensa do cérebro.
Conforme
esses centros de prazer do cérebro se tornavam cada vez menos
sensíveis, os ratos utilizados no experimento desenvolviam rapidamente o
hábito de comer compulsivamente, consumindo quantidades maiores de
alimentos com altos teores de calorias e gordura, até se tornarem
obesos.
As
mesmas mudanças ocorreram nos cérebros dos ratos que consumiram grande
quantidade de cocaína ou heroína. Os cientistas acreditam que esse
mecanismo tem um papel importante no desenvolvimento do uso compulsivo
de drogas.
De acordo com Kenny, o estudo, que levou três anos para ser concluído, confirma as propriedades “viciantes” da comida junk – alimentos não saudáveis com muitas calorias e muita gordura.
“Ao
contrário do resumo divulgado de forma preliminar, esse novo estudo
explica o que ocorre no cérebro desses animais quando eles têm acesso
fácil a altos teores de calorias e gordura. A pesquisa apresentou as
evidências mais completas e convincentes de que a dependência de drogas
e a obesidade têm base nos mesmos mecanismos neurobiológicos
subjacentes”, afirmou Kenny.
Segundo
ele, os animais continuaram a comer compulsivamente, mesmo quando
recebiam choques elétricos. “Isso mostra como eles estavam motivados a
consumir o alimento saboroso”, disse.
Os
pesquisadores alimentaram os ratos com uma dieta modelada a partir do
típico cardápio que contribui para a obesidade humana – com calorias de
fácil obtenção e alta gordura –, como salsichas, bacon e cheese-cake.
Logo após o início dos experimentos, os animais começaram a comer em
grande quantidade.
“Eles
procuraram sistematicamente o pior tipo de comida. O resultado é que
eles ingeriram o dobro das calorias dos ratos do grupo de controle.
Quando removemos a comida junk e tentamos colocá-los em uma dieta mais balanceada, eles simplesmente se recusavam a comer”, disse Kenny.
A
modificação na preferência dos ratos em relação à dieta foi tão grande
que os animais passaram fome por duas semanas depois que a comida junk
foi cortada. Os animais que apresentaram um colapso nos circuitos
cerebrais de recompensa foram justamente aqueles que mudaram a dieta
mais profundamente, buscando a comida mais saborosa e menos saudável.
“Esses
mesmos ratos também foram os que se mantiveram comendo, mesmo quando
levavam choques elétricos”, disse o cientista. De acordo com Kenny, o
mecanismo do vício é bastante simples. As vias de recompensa no cérebro
foram tão superestimuladas que o sistema basicamente começa a ser
“ligado” espontaneamente, adaptando-se à nova realidade do vício – seja
ele a cocaína ou o bolo de chocolate.
“O
corpo se adapta notavelmente bem à mudança. E esse é o problema.
Quando o animal superestimula os centros de prazer de seu cérebro com
comida altamente saborosa, os sistemas se adaptam a isso, diminuindo sua
atividade. No entanto, nesse momento o animal requer constante
estimulação pela comida saborosa a fim de evitar a entrada em um estado
persistente de recompensa negativa”, explicou.
Depois
de mostrar que os ratos obesos tinham, em relação à comida, um
comportamento claramente semelhante ao do vício em drogas, Kenny e sua
equipe investigaram o mecanismo molecular subjacente que explica a
modificação. Eles se concentraram em um receptor específico no cérebro,
conhecido por ter um importante papel na vulnerabilidade à dependência
química e à obesidade – o receptor de dopamina D2.
Esse
receptor responde à dopamina, um neurotransmissor que é liberado no
cérebro por experiências de prazer, como comida, sexo ou drogas como a
cocaína. No caso do abuso de cocaína, por exemplo, a droga altera o
fluxo de dopamina bloqueando sua recuperação, inundando o cérebro e
superestimulando os receptores. Isso leva eventualmente a mudanças
físicas na maneira como o cérebro responde à droga.
O estudo mostra que o mesmo processo ocorre quando o indivíduo está viciado em comida junk.
“Essa descoberta confirma o que muita gente suspeitava: o consumo
exagerado de comida muito saborosa é um gatilho para uma resposta
neuroadaptativa, semelhante ao vício, nos circuitos de recompensa do
cérebro. Isso leva ao desenvolvimento de uma obesidade e à dependência
de drogas”, afirmou.
O artigo Dopamine D2 receptors in addiction-like reward dysfunction and compulsive eating in obese rats (doi:10.1038/nn.2519), de Paul Johnson e Paul Kenny e outros, pode ser lido por assinantes da Nature Neuroscience em www.nature.com/neuro.
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