Investigações chegam ao topo do esquema e mostram que líderes tucanos operaram junto com executivos franceses para montar o propinoduto do PSDB paulista. Os acordos começaram na área de energia e se reproduziram no setor de transporte trilhos em SP
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
As investigações sobre o escândalo do Metrô
em São Paulo entraram num momento crucial. Seguindo o rastro do
dinheiro, a Polícia Federal e procuradores envolvidos na apuração do
caso concluíram que o esquema do propinoduto tucano começou a ser
montado na área de energia, ainda no governo de Mário Covas (1995-2001),
se reproduziu no transporte público – trens e metrô – durante as
gestões também de Geraldo Alckmin (2001-2006) e de José Serra
(2007-2010) e drenou ao menos R$ 425 milhões dos cofres públicos. Para
as autoridades, os dois escândalos estão interligados. Há semelhanças
principalmente no modo de operação do pagamento de propina por
executivos da multinacional francesa Alstom a políticos e pessoas com
trânsito no tucanato para obtenção de contratos vantajosos com estatais
paulistas. Nos dois casos, os recursos circulavam por meio de uma
sofisticada engenharia financeira promovida pelos mesmos lobistas, que
usavam offshores, contas bancárias em paraísos fiscais, consultorias de
fachadas e fundações para não deixar rastros. A partir dessas
constatações, a PF e o MP conseguiram chegar ao topo do esquema. Ou
seja, em nomes da alta cúpula do PSDB paulista que podem ter tido voz
ativa e poder de decisão no escândalo que foi o embrião da máfia dos
transportes sobre trilhos. São eles os tucanos Andrea Matarazzo,
ministro do governo FHC e secretário estadual nas gestões Serra e Covas,
Henrique Fingermann e Eduardo José Bernini, ex-dirigentes da Empresa
Paulista de Transmissão de Energia Elétrica (EPTE). Serrista de
primeira hora, Matarazzo é acusado de corrupção por ter se beneficiado
de “vantagens oferecidas pela Alstom”. De acordo com relatório do MP, as
operações aconteciam por meio dos executivos Pierre Chazot e Philippe
Jaffré, representantes da Alstom no esquema que teria distribuído mais
de US$ 20 milhões em suborno no País. É a chamada conexão franco-tucana.
Para avançar ainda mais nas investigações e
conseguir esquadrinhar com precisão o papel de cada um no esquema, a
procuradoria da República obteve judicialmente a quebra dos sigilos
bancários e fiscais dos três líderes tucanos e de mais oito pessoas.
Constam da lista lobistas, intermediários e secretários ou presidentes
de estatais durante a gestão de Mário Covas (PSDB) em São Paulo. A ordem
judicial também solicitou informações sobre o paradeiro dos dois
executivos franceses. As investigações conduzidas até agora já
produziram avanços importantes. Concluíram que parte da propina paga
pela Alstom abasteceu os cofres do PSDB paulista. Documentos e
depoimentos obtidos também já foram considerados suficientes para Milton
Fornazari Júnior, delegado da Polícia Federal, estabelecer que as
ordens dos executivos franceses Pierre Chazot e de Philippe Jaffré eram
suficientes para convencer os mais altos escalões do governo estadual a
conceder a Alstom vitórias em contratos superfaturados para o
fornecimento de equipamentos no setor de energia. Eles usavam aquilo que
um executivo da empresa francesa qualificou de “política de poder pela
remuneração”.
Uma série de evidências demonstra que a
máfia na área de energia serviu como uma espécie de embrião do cartel
dos trens. Ao elencar os motivos do pedido de quebra de sigilo, o
procurador da República Rodrigo de Grandis faz a ligação entre os dois
esquemas ao destacar a existência de “contratos de consultoria
fictícios utilizados para o pagamento, entre abril e outubro de 1998,
quando a Alstom T&D (por meio do consórcio franco-brasileiro Gisel) e
a Eletropaulo negociavam um contrato aditivo à obra de reforma e
expansão do Metrô de São Paulo”.
Os métodos para acobertar os pagamentos de
suborno utilizados pela Alstom se assemelham aos de outras empresas do
cartel dos trens, a exemplo da Siemens. Como ISTOÉ mostrou em julho, a
multinacional alemã, por meio de sua matriz ou filial brasileira,
contratava as offshores uruguaias Leraway Consulting S/A e Gantown
Consulting S/A, controladas pelos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio
Teixeira, falecido. Os irmãos ficavam encarregados de intermediar ou
distribuir o dinheiro da propina. Porém, o número de empresas em
paraísos fiscais usadas pela Alstom para encobrir o pagamento dos
subornos pode ter sido bem maior. Pelo menos cinco já foram
identificadas: a MCA, comandada por Romeu Pinto Júnior e com sede no
Uruguai, a Taltos, a Andros, a Janus e a Splendore. Elas eram operadas
pelos franceses Pierre Chazot e Philippe Jaffré, então executivos da
Alstom, por meio de procurações. Eles abriam contas nos Estados Unidos e
na Suíça e distribuíam os recursos. Foi através dessa engrenagem que o
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e homem forte do
governo Mário Covas, Robson Marinho, recebeu cerca de US$ 1 milhão em
uma conta na Suíça. O montante encontra-se bloqueado pela Justiça do
país europeu.
Se alguém preferisse receber no Brasil, os
executivos da francesa Alstom também se encarregavam de fazer o caminho
de volta por um doleiro. Em depoimento ao Ministério Público, Romeu
Pinto Júnior confirmou que recebia os valores em notas e que o executivo
Pierre Chazot “lhe ordenava entregar os pacotes com dinheiro em espécie
a pessoas”. Porém, inacreditavelmente, declarou “que desconhece a
identidade” daqueles que foram os destinatários dos polpudos envelopes.
Parte do dinheiro que chegou às mãos de Romeu veio pelo doleiro Luiz
Filipe Malhão e Sousa. Ele assumiu para as autoridades ter feito duas
remessas de contas da MCA do Exterior para o Brasil. “A primeira no
valor de US$ 209.659,57”, destaca documento do MPF. “A segunda no valor
de US$ 298.856,47”, consta em outro trecho. A origem de ambas as
operações era uma conta da MCA no banco Union Bacaire Privée, de
Zurique, na Suíça.
PROPINODUTO
A multinacional francesa Alstom teria distribuído mais de US$ 20 milhões em propina
Assim como outras empresas do cartel, o
conglomerado francês também lavava o dinheiro da propina em território
nacional. O esquema consistia em contratar empresas brasileiras que
emitiam notas de serviços que nunca foram prestados. Em troca de
comissão, os valores pagos eram repassados pelos contratados a políticos
e servidores públicos, sempre seguindo as ordens dos executivos do
grupo francês. Era esse serviço que a Acqua Lux Engenharia e
Empreendimentos, com um único funcionário, desempenhava. “A principal
origem de receitas (da Acqua Lux) advém de serviços prestados à Alstom
T&D Ltda.”, destaca documento do MPF. “Os peritos verificaram a
possibilidade de a empresa, nos anos 2000 e 2001, não ter prestado
efetivamente serviços para a Alstom”, diz o MP em outro trecho. O
proprietário da companhia, Sabino Indelicato, figura entre os indiciados
pela Polícia Federal. Na Siemens, a encarregada dessa função era a MGE
Transportes, dirigida por Ronaldo Moriyama. De acordo com uma planilha
de pagamentos do conglomerado alemão, já revelada por ISTOÉ, a empresa
alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo
menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes
da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Também chama a atenção da Polícia Federal e
do Ministério Público o fato de os dois escândalos utilizarem lobistas e
consultores em comum. Um deles é Jorge Fagali Neto. Ex-secretário de
Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo (1994) e diretor dos
Correios na gestão Fernando Henrique Cardoso, Fagali Neto é conhecido
pelo seu bom trânsito entre os tucanos. Seu irmão José Jorge Fagali foi
presidente do Metrô na gestão de José Serra e é investigado pelo MP e
pelo Tribunal de Contas Estadual por fraudar licitações e assinar
contratos superfaturados à frente do estatal. Em 2009, autoridades
suíças sequestraram uma conta conjunta com US$ 7,5 milhões de Fagali
Neto com José Geraldo Villas Boas – também indiciado pela PF. A quantia
depositada no banco Leumi Private Bank AG teve como origem o caixa da
francesa Alstom. Agenda e e-mails entregues por uma ex-funcionária de
Fagali Neto ao MP mostram que ele prestava serviços também a outras
empresas da área de transporte sobre trilhos relacionadas ao cartel.
Entre elas, a canadense Bombardier e Tejofran. O seu interesse pelo
setor é tamanho que, por e-mail, ele recebeu irregularmente planilhas de
um projeto ainda em desenvolvimento de Pedro Benvenuto, dirigente da
Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo demitido nas
esteiras das acusações. Em outra troca de mensagens com agentes
públicos, Fagali Neto também mostra preocupação com a obtenção de
financiamento junto ao Banco Mundial (Bird), BNDES ou JBIC para as obras
das linhas 2 e 4 do Metrô paulista. Tamanha interligação entre os
esquemas, segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, não é mera
coincidência.
Foto: Divulgação
Fotos: CACALOS GARRASTAZU/VALOR
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