3.23.2014

Gays evangélicos

Em nome de Deus: Cerca de 400 gays evangélicos abdicaram de Carnaval por retiro espiritual

Promovido por igreja inclusiva, encontro religioso reuniu homossexuais em sítio na zona oeste do Rio

Enquanto milhares de homossexuais curtiam o clima de festa e pegação nos carnavais gays de Ipanema no Rio e do Largo do Arouche em São Paulo, para citar exemplos das duas maiores capitais do país, 400 gays evangélicos preferiram aproveitar os quatro dias de feriado em um retiro espiritual em Guaratiba, zona oeste do Rio, promovido pela Igreja Cristã Contemporânea, a mais conhecida igreja inclusiva do país.
Ao todo eram 300 gays do Rio, 50 que vieram em ônibus saído de São Paulo e o mesmo número de Minas. O retiro foi em um sítio com uma área de cerca de 1500m² com piscina e campo de futebol. Os dias de confraternização foram divididos em: cultos e reuniões em grupo pela manhã com a leitura da bíblia; lazer na parte da tarde; novamente culto na parte da noite. Após a última celebração, eram permitidas – desde que até não muito tarde – novas atividades livres, por exemplo, luaus entre os membros da igreja.
Membro há quatro anos da Igreja Contemporânea de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o professor de história Carlos Alberto Lopes contou o que sente a cada vez que vai a um retiro durante o período de Carnaval ( já é a terceira vez). O professor define a experiência como “sobrenatural”.
“O que acontece na minha vida nesses dias de retiro é um avivamento do meu chamado. É uma experiência sobrenatural que descrever com palavras é praticamente impossível. A forma como a palavra é conduzida é como se o próprio Deus estivesse falando conosco . É algo divino e o que nós sentimos nos nossos corações após esses quatro dias é um completo renovo, uma nova vida que vai se fortificando cada vez mais dentro de cada um de nós”, declarou.
Como as demais igrejas evangélicas, a Igreja Contemporânea orientou os cerca de 2000 membros a não participar do Carnaval. Os que não puderam ir ao sítio receberam a recomendação de passar os dias de folia em casa com a família e, se possível, assistindo aos cultos ministrados no retiro em transmissão ao vivo pela página da igreja na web ou nos dois locais que permaneceram abertos durante o carnaval, a matriz em Madureira, zona norte do Rio e a sede em São Paulo, no Tatuapé. O professor concorda com essa recomendação.
“Se é uma festa da carne e se eu, enquanto evangélico, enquanto cristão, seguindo orientação bíblica, estou matando minha carne a cada dia, eu devo fazer escolhas tentando matar, renunciar os desejos do dia a dia. Nesse tipo de festa a carne é explorada, a visão do sexo livre é tida como algo liberado, é totalmente permissivo. Por conta de quatro dias as pessoas fazem coisas que ao longo do ano inteiro elas se veem fechadas, trancadas e tentam se liberar nesse período. A visão da igreja é que nesses quatro dias os membros devem se fortalecer para continuar vivendo em ligação com Deus”.
Antes do retiro, os membros da igreja são avisados de algumas regras que devem seguir “para fugirem da aparência do mal”, como disse a também membro da igreja Gyanny Real, 30 anos. Dentre as normas de conduta estavam não ficar em duplas em lugares afastados, não levar bebida alcóolica e não usar roupas de banho na cor branca na piscina.
Cerimônia de batismo levou muitas pessoas a chorar copiosamente.
Cerimônia de batismo levou muitas pessoas a chorarem copiosamente.
Professora de educação física, ela contou que, durante a adolescência, saía para curtir o Carnaval, mas se sentia deslocada em meio ao clima de euforia nas ruas. “Eu tinha a curiosidade de saber como é o Carnaval. Via as pessoas animadas e queria saber o que acontecia. Participava para dançar, bebia, mas nunca usei drogas. No fundo, eu sabia que aquilo não era para mim. Depois que tive esse encontro com Deus, tive a certeza que é muito melhor estar num retiro e adorar a Deus”, afirmou.
Para Gianny, o Carnaval é uma festa de excessos que pode levar as pessoas à morte. “Quanta gente morre por causa desses quatro dias, seja num acidente de carro ou porque se contaminou com alguma doença. Eu fico triste em pensar que os quatro dias estragam a vida de tantas pessoas. Gente que falta ao trabalho e perde o emprego, gente que se envolve com vários tipos de pessoas e pega algum tipo de doença. No Carnaval, a gente vê aquilo que não acrescenta nada a nossa vida. A minha conclusão é: eu não preciso do Carnaval. A principal festa para mim é ver vidas transformadas, sendo libertas de situações em que poderiam estar mortas . São transformações que Deus faz para que possamos nos aproximar dele”, concluiu.
Enquanto em Ipanema o som na rua Farme de Amoedo variava entre o funk e o pop (que saía de um dos restaurantes) ao eletrônico progressivo da rave na praia, os gays evangélicos se divertiam em concursos de música gospel em uma competição entre os membros das oito sedes da igreja. Os evangélicos também curtiram as noites em desafios para testar quem tinha mais conhecimento das passagens bíblicas.
Um dos pontos altos dos dias no retiro foi a cerimônia de batismo de 78 membros na piscina do sítio. Muitas pessoas não conseguiram conter a emoção e foram as lágrimas. Ao final do rito, amigos caíram na piscina mesmo de roupa para confraternizar com os batizados.
O músico Francisco Lopes, 50, voltou a frequentar cultos evangélicos após quinze anos afastado. Por sete anos, foi membro da Assembleia de Deus e se afastou por não se sentir acolhido em razão de sua orientação sexual. “Hoje eu posso louvar a Deus da forma que eu sou porque sei que Deus me ama da forma como sou”.
Ele e o companheiro, casados há sete anos, foram para o sítio em Guaratiba acompanhados da mãe do músico. Experiência que classifica como energizadora para a vida a dois. “No retiro, o casal se recarrega como uma pilha. A gente sai renovado para mais um ano de batalha”, disse. Francisco lembra do momento que mais o comoveu na última semana. “Foi no último dia. Estávamos todos louvando a Deus. A igreja cantando em união. Eu tive a certeza que, ali, naquele instante, Deus se fez muito mais presente. Somente quem vive uma experiência como essa entende. São quatro dias de pura glória onde não se pensa em nada além de buscar a presença de Deus”.
Fundador da Igreja Contemporânea, o pastor Marcos Gladstone, defende a importância do retiro como forma de preservação de cada membro e da instituição. “O Carnaval gay é muito propício à promiscuidade. A pessoa que vai à festa está com o pensamento de que não é de ninguém. Não é essa a visão que a gente tenta passar. A gente tenta mostrar uma vida diferente, o amor. A gente quer mostrar o outro lado, de que os gays buscam uma vida a dois, o casamento. Mas diferentemente de outras igrejas, a gente não tem o cunho de condenação a ninguém e nem a escolha de cada um, mas a gente busca acolher aqueles que buscam por um caminho espiritual, o encontro com Deus.
Os pastores Fabio Inacio (camisa listada) e Marcos Gladstone (de cinza), fundadores da Igreja Cristã Contemporânea.
O casal de pastores Fabio Inacio (camisa listada) e Marcos Gladstone (de cinza), fundadores da Igreja Cristã Contemporânea.
O pastor não quis divulgar o valor gasto pela igreja com o aluguel do sítio durante os quatro dias de retiro. De acordo com um funcionário do local, a hospedagem com direito à alimentação por quatro dias para cerca de 300 pessoas fica em torno de 120 mil reais. Cada membro da igreja pagou R$420 pelo pacote. O valor pôde ser dividido em até dez vezes.
Uma pergunta para o pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea
Por ser uma igreja que se diz sem preconceitos, não é uma postura radical orientar os membros a evitar o Carnaval? Eu estive na Farme de Amoedo (rua que é point gay em Ipanema, zona sul do Rio) e vi pegação, muita por sinal, como é característica da festa e também vi amigos e casais batendo papo em um clima mais ameno, digamos assim. Não creio que nenhuma das posturas esteja errada, mas como a igreja prega a questão da família e de valores cristãos, não seria mais tolerante orientar as pessoas a curtir sim o carnaval, mas com moderação?
O que a gente vê que acontece no Carnaval da Farme não é bem assim. Algumas pessoas podem ate estar em Ipanema respeitosamente, mas normalmente não é isso que acontece. A gente orienta evitar qualquer difamação. Que respeito haveria por alguém  que estava na Farme bebendo, todo jogado? Pelo fato de nós sermos uma igreja inclusiva, nós somos cobrados de uma maneira muito maior.São dois mundos muito mal falados: o de cristãos e o de gays. Se a gente não apontar essas questões, a gente vai dar mais margem a falarem mal da gente. Ainda assim, o membro que foi para a Farme vai ser amado e acolhido do mesmo jeito.

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