3.11.2012

Flibanserina está sendo testada para aumentar o desejo sexual das mulheres


Em busca do viagra cor-de-rosa
Uma nova droga está em testes para combater a falta de desejo feminino. Ela funciona mesmo ou é apenas uma jogada da indústria farmacêutica?
Fernanda Colavitti
Latin Stock
Sexo, todo mundo sabe, é o grande barato do século XXI. Nunca se falou tanto do assunto, nunca ele foi considerado tão importante, nunca se gastou e se ganhou tanto dinheiro com isso. Basta olhar os números de crescimento populacional – em 2050 seremos 9 bilhões de pessoas neste pequeno planeta apertadinho – para perceber outra óbvia novidade: nunca se fez tanto sexo como se faz agora. Não obstante, uma parcela imensa da população humana parece estar à margem dessa festa. Algo como 1 bilhão de pessoas. Calcula-se que 30% das mulheres sofram de uma disfunção sexual chamada de Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH). Trata-se de uma doença descrita pela Organização Mundial da Saúde e pela Associação Americana de Psiquiatria.
Ela é caracterizada pela ausência de desejo sexual por um período superior a seis meses. Não é que essas mulheres não tenham parceiros, não tenham orgasmos ou não saibam obter prazer de alguma forma. Elas simplesmente não têm vontade. São “frígidas”, para usar uma terminologia velha e quase insultuosa. E sofrem imensamente com isso. O desejo hipoativo, segundo os médicos especialistas, é uma grande fonte de angústia feminina. Essa é a notícia ruim. A notícia boa é que o primeiro tratamento destinado especificamente a esse problema poderá chegar ao mercado entre o fim de 2010 e o início de 2011. Na última terça-feira, dia 17, o laboratório alemão Boehringer Ingelheim apresentou, durante um encontro médico na França, os resultados de um estudo que demonstrou a eficácia de uma substância chamada flibanserina no tratamento da baixa libido (leia na próxima página o quadro com os resultados completos do estudo). As voluntárias que receberam o medicamento, já batizado “Viagra cor-de-rosa”, eram maiores de 18 anos, ainda não haviam atingido a menopausa e estavam em relações “estáveis, monogâmicas e heterossexuais” por pelo menos um ano. Todas sofriam de TDSH. O estudo reuniu dados recolhidos por sete grupos de testes envolvendo mais de 5 mil europeias e americanas ao longo de 48 semanas. Enquanto tomavam o novo medicamento, pediu-se a elas que relatassem eventos sexuais de qualquer espécie. Valiam relação sexual, sexo oral, masturbação ou estimulação genital pelo parceiro. O questionário perguntava se o ato foi satisfatório ou não.
As 738 participantes do teste publicado na revista científica Journal of Sex Research relataram um aumento médio de 96% no número de “eventos sexuais satisfatórios” por mês. Ou seja: elas passaram a sentir prazer mais vezes (sozinhas ou com parceiros), embora não chegassem necessariamente ao orgasmo. Antes do tratamento, elas tinham em média 2,7 situações satisfatórias por mês. Depois de tomar doses diárias de 100 gramas de flibanserina por 24 semanas, elas passaram a reportar aos médicos uma média de 5,3 episódios por mês. As participantes também disseram sentir mais desejo sexual de forma genérica e menos ansiedade com sua performance erótica. Em outras palavras, ficaram mais felizes consigo mesmas.
Teria sido encontrado o Viagra feminino, mais um Santo Graal da indústria farmacêutica? Ainda não. Primeiro, porque a substância patenteada pela Boehringer ainda não foi aprovada pelas autoridades que controlam a produção e a venda de medicamentos. Ainda em fase de testes, a flibanserina pode revelar-se uma falsa promessa e nem chegar ao mercado. E essa talvez nem seja a razão mais importante para ter cautela em relação à novidade. Assim que o anúncio do remédio surgiu, levantaram-se duas ordens de objeções a ele. A primeira é que a doença que a flibanserina se propõe tratar é controversa. Muitos estudiosos da sexualidade feminina dizem que o desejo das mulheres envolve fatores demais para permitir definições categóricas, como Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo. O que é sexualidade normal, perguntam esses críticos? Quantas vezes por semana a mulher tem de sentir desejo? Ou, ainda, como se podem separar situações de desgaste afetivo de situações de desinteresse sexual? Por trás dessa resistência, há uma opinião consistente: a indústria farmacêutica estaria tentando resolver por meios químicos um problema que tem natureza mais ampla. Seria uma situação semelhante à de milhares de crianças levadas que saem de consultórios psiquiátricos com uma receita do remédio ritalina para tratar outra sigla mágica criada pelos médicos, o TDAH, ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Ou à daqueles que recebem antidepressivos para tratar situações normais – e bastante humanas – de tristeza ou melancolia. Assim como muitos antidepressivos, a flibanserina opera alterando no cérebro os níveis de serotonina, um neurotransmissor que influi na sensação de bem-estar.
A outra ordem de objeção à nova droga diz respeito à eficácia do produto experimental. Apesar dos resultados porcentuais altissonantes, na casa dos 96% de melhora, os estudos com a flibanserina sugerem que o medicamento é capaz de produzir, na prática, menos de dois episódios adicionais de prazer por mês. O número parece pequeno, mesmo para mulheres com baixa libido. Saltar de uma média de 2,7 para 5,3 momentos satisfatórios de prazer por mês justifica tomar um medicamento todos os dias, pela vida toda? Ainda não há consenso sobre isso. “Para uma mulher que está sem desejo nenhum, praticamente com aversão ao parceiro, que não transava nenhuma vez por mês, passar a transar pelo menos uma vez fará uma grande diferença na vida dela”, diz a ginecologista Carolina Carvalho, da Universidade Federal de São Paulo. “É exatamente para essas mulheres, que relatam atividade sexual praticamente zero, que esse medicamento poderá ser interessante. Para uma mulher que tenha falta de desejo moderado, provavelmente não valerá a pena.”
As mulheres testadas com flibanserina relataram aumento médio de 96% no número de “eventos sexuais satisfatórios”
Ainda que a flibanserina esteja sendo comparada ao Viagra, as semelhanças entre os dois medicamentos são pequenas. Para começar, o objetivo do Viagra não é estimular o desejo. O homem que procura esse medicamento já sente vontade de transar, mas não consegue iniciar ou concluir a relação por falta de ereção. A pílula azul resolve esse problema aumentando o fluxo sanguíneo no pênis. Sua ação é mecânica e local. É por esse motivo que os testes realizados em 2004 com o Viagra para o tratamento da disfunção sexual feminina não mostraram resultados promissores. A libido da mulher parece ter menos relação com seus órgãos sexuais que com sua mente. Ao atuar no sistema nervoso, a flibanserina busca interferir na base neurológica do problema
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 A falta de desejo sexual feminino atinge mais de 40% das mulheres em todo o mundo. E assim como há dez anos, o lançamento do Viagra, pela Pfizer, trouxe uma luz, e muito mais, para os homens com problemas sexuais, o mesmo resultado pode chegar em breve às farmácias para as mulheres. O laboratório alemão Boehringer Ingelheim finaliza os testes de um remédio desenvolvido a partir de uma substância já conhecida da medicina, a flibanserin, que age no sistema nervoso central e não apenas um estímulo físico localizado.

A descoberta do remédio aconteceu quando o laboratório estudava a atuação da molécula no tratamento de casos de depressão, o que se mostrou ineficiente. Surpreendentemente, mulheres que participavam dos testes reportaram aumento do desejo sexual.

As pesquisas então se voltaram para a misteriosa seara da sexualidade feminina. Atualmente sete estudos estão em andamento na Europa e Estados Unidos, com 5 mil mulheres. "O mecanismo da sexualidade masculina é diferente do feminino que passa por questões conjugais, religiosas, individuais", diz Demétrio Ortega, gerente médico da Boehringer Ingelheim , que concedeu entrevista ao Terra ao lado da diretora médica da empresa, Sonia M. Dainesi.

Tentativas
Nos últimos dez anos, vários estudos foram feitos para se descobrir um medicamento que obtivesse o mesmo sucesso que a pílula azul teve entre os homens. Tarefa difícil, pois a chave para a liberação do prazer feminino não é tão simples como a masculina, que se resolveu com o uso de um remédio de efeito vasodilatador, ação do Viagra e de outros remédios semelhantes. Produtos lançados no mercado não encontraram respostas positivas para resolver ou diminuir a Síndrome do Desejo Sexual Hipoativo.

Em 2003, um adesivo que liberava testosterona na corrente sanguínea conseguiu apenas aumentar a lubrificação feminina e facilitar o ato sexual, mas não deixou as mulheres mais interessadas em fazer sexo. Outra tentativa foi o lançamento de um gel que aumentava a vasodilatação e também a sensibilidade na região íntima. Mas na cabeça feminina, nenhuma mudança.

O novo medicamento
Demétrio Ortega e Sonia M. Dainesi explicam abaixo algumas características do medicamento em teste, cuja cor ainda não foi definida, mas já garantiram: não será azul.

Nome: ainda não definido.

Principal substância: Flibanserin, em inglês, ou flibanserina, em português.

Como atua: modula a disponibilidade da serotonina, diminuindo a concentração da substância fora das células e aumentando sua concentração dentro das células.

O que os testes apontam: referente ao aumento da libido feminina entre as mulheres que testaram o medicamento, os estudos preliminares apontam que houve alteração significativa, mas ainda são inconclusivos, pois a pesquisa ainda está em curso. A substância está fase III dos estudos clínicos, com previsão de término no final de 2009.

Data de lançamento: ainda sem definição. O laboratório aguarda a finalização das pesquisas cujos resultados são esperados para o final de 2009.

Tempo de uso: diferentemente do Viagra e dos remédios anteriormente lançados, o uso do medicamento da Boehringer Ingelheim deverá ser feito de seis a oito semanas para começar a agir. O tempo de tratamento deverá ser prescrito pelo médico.

Tratamento: apesar de ter atuação no sistema nervoso central, o tratamento com o remédio poderá ser complementado com técnicas já existentes como psicoterapia e outras terapias para aumento da autoestima, atividades de relaxamento, dependendo de cada caso.

Indicação: o remédio será indicado para uso em mulheres descartando-se outros problemas orgânicos que podem causar diminuição da libido, como hipotireoidismo ou outros problemas endócrinos, uso de medicamentos antidepressivos, uso de alguns tipos de anticoncepcionais etc.

Idade: Mulheres adultas, a partir dos 18 anos sem limite de idade. As pesquisas foram realizadas com mulheres de até 75 anos. Mas a faixa etária pode ser alterada quando o medicamento passar pela aprovação dos órgãos de saúde de cada país onde será vendido.

Contraindicações: como se trata de um medicamento ainda em estudo, os efeitos só poderão ser apontados após finalização dos estudos clínicos.

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