Uma pesquisa
feita na Universidade Estadual Paulista (Unesp) comprovou que a
restrição alimentar materna durante a gestação causa alterações no
intestino da prole que perduram até a vida adulta. Tais alterações podem
colaborar para o estabelecimento da obesidade observada em animais
nascidos nessas condições.
Os resultados
do estudo, feito com ratos, vão ao encontro da chamada hipótese da
programação fetal, já levantada por outros trabalhos da literatura,
segundo a qual o organismo do feto se adapta a um ambiente intrauterino
adverso. Como esse metabolismo poupador se mantém após o nascimento, o
indivíduo se torna mais propenso a engordar caso o padrão de ingestão
calórica melhore.
Na pesquisa,
coordenada pela professora Maria de Lourdes Mendes Vicentini Paulino,
do Instituto de Biociências do campus da Unesp em Botucatu, foram
investigados os efeitos da baixa ingestão proteica durante a gestação
sobre a atividade e expressão gênica de enzimas intestinais e sobre a
expressão gênica e imunolocalização de transportadores intestinais da
prole, que são fundamentais para a absorção de nutrientes no intestino.
“Para um
nutriente ser absorvido, ele primeiro precisa ser digerido por enzimas
até alcançar um tamanho pequeno o suficiente para atravessar a membrana
das células do intestino. E para que essa travessia ocorra, as moléculas
precisam se ligar a proteínas que atuam como transportadores”, explicou
Paulino.
Foram avaliadas
a atividade e a expressão gênica das enzimas sacarase, lactase e
maltase – responsáveis pela digestão de carboidratos. “Para saber o
quanto a síntese dessas enzimas estava sendo estimulada, medimos a
abundância do RNA mensageiro relacionado a esse processo”, disse
Paulino.
Para medir a
quantidade de enzimas presente nas células intestinais, um raspado de
mucosa foi incubado com o carboidrato a ser digerido.
“Se a intenção é
medir a quantidade de sacarase, por exemplo, coloca-se a mucosa em tubo
na presença de uma solução de sacarose. A enzima presente na mucosa
quebra esse carboidrato em moléculas de glicose e de frutose. Ao final, a
glicose originada na reação é quantificada para a determinação da
quantidade de enzima presente”, explicou a pesquisadora.
Também foram
avaliadas a presença e a expressão gênica de dois transportadores de
moléculas de glicose – o SGLT1 e o GLUT2 – e de um transportador de
peptídeos – o PEPT1.
“Por meio de um
estudo de imunohistoquímica, em que foram analisadas as células
intestinais, verificamos a presença desses transportadores. Também
medimos a proliferação das células intestinais e a altura das
vilosidades, para saber se a superfície de absorção de nutrientes estava
aumentada”, disse Paulino.
Passo a passo
O experimento
na Unesp foi iniciado com dois grupos de ratas-mãe. Durante o período de
gestação, a rata do grupo controle recebeu uma dieta com 17% de
proteína. A outra recebia apenas 6% de proteína na ração.
Assim que os
filhotes nasceram e teve início o período de amamentação, as fêmeas
passaram a receber uma dieta idêntica, com 23% de proteína. As primeiras
análises foram feitas quando os filhotes estavam com três semanas de
idade, o que corresponde ao período de desmame.
“Das três
enzimas estudadas, percebemos uma elevação estatisticamente significante
na lactase, que é justamente a responsável pela digestão do açúcar do
leite, no grupo que sofreu a restrição alimentar. Houve também aumento
na expressão gênica dessa enzima”, afirmou Paulino.
Após o desmame,
os filhotes dos dois grupos passaram a receber uma dieta idêntica,
normoproteica. Na segunda análise feita com 16 semanas, considerada a
fase adulta nos ratos, verificou-se maior atividade e maior expressão
gênica da enzima sacarase no grupo cuja mãe havia sido privada de
proteínas durante a gestação.
“Não medimos a
atividade da lactase na fase adulta porque nos mamíferos, normalmente, a
síntese dessa enzima diminui após o desmame”, explicou.
Nas duas
análises – feitas com três e 16 semanas de idade – foi possível notar
maior proliferação intestinal, maior expressão gênica e maior presença
dos transportadores SGLT1, GLUT2 e PEPT1, que tem consequência direta na
absorção dos nutrientes. Essas respostas foram encontradas
principalmente no duodeno, parte inicial do intestino delgado.
“Os resultados
nos mostram que alterações do intestino delgado observadas na idade
adulta podem ser programadas durante a gestação e que esta resposta pode
ser atribuída, pelo menos parcialmente, ao aumento na expressão gênica
de enzimas e transportadores. Essas alterações, que possibilitam maior
absorção de nutrientes, talvez possam contribuir para o acúmulo de
gordura observado em outros estudos”, avaliou Paulino.
A equipe
pretende agora investigar se a atividade enzimática e a expressão gênica
das enzimas pancreáticas, responsáveis por iniciar a a digestão dos
nutrientes, são afetadas pela restrição alimentar.
“Vamos estudar a
fase anterior do processo digestivo. As enzimas pancreáticas são também
ligadas ao fornecimento de energia para o organismo”, disse Paulino,
que destaca a importante participação na pesquisa de Daniela Felipe
Pinheiro, pós-doutoranda no Instituto de Biociências da Unesp, com Bolsa
da FAPESP.
Autora: Karina Toledo
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