5.15.2012

NARCOTRÁFICO

Jornal metralhado e cinco jornalistas mortos levam imprensa à autocensura no México

Especial para O Globo

Policiais e médicos forenses retiram o corpo do jornalista Otto Rene Salgado Orta, assassinado no domingo
Foto: Reuters
Policiais e médicos forenses retiram o corpo do jornalista Otto Rene Salgado Orta, assassinado no domingo Reuters
CIDADE DO MÉXICO — Com o histórico de pelo menos 80 jornalistas assassinados desde o ano 2000, a liberdade de imprensa também entrou para a lista de vítimas da violência em meio à guerra contra o crime organizado no México. Só nos últimos 15 dias, cinco repórteres foram mortos no país, e um jornal foi metralhado, anunciando que não vai mais dar notícias sobre o narcotráfico.
Em comum, os jornalistas tinham a cobertura de temas ligados à guerra das drogas, além de sinais de tortura quando seus corpos foram encontrados. O caso mais recente foi o de René Orta Salgado, jornalista experiente em notícias sobre violência e simpatizante do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que lidera a corrida presidencial, assassinado este final de semana em Morelos.
Ele e dezenas de repórteres não se transformaram em alvos da delinquência por acaso: as ameaças estão diretamente ligadas a uma demonstração de poder do crime organizado contra a intensificação do combate iniciado pelo presidente Felipe Calderón, em 2006. A guerra ao narcotráfico já deixou mais de 50 mil mortos e calou muitos jornalistas que também temem por suas famílias.
Em Nuevo Laredo, cidade do Norte do México e cenário frequente de disputa entre cartéis de drogas, o jornal “El Mañana” publicou no domingo um editorial com uma decisão inédita. Deixará de publicar, por tempo indeterminado, qualquer notícia relativa à violência na cidade e em outras áreas do país. O jornal, que sofreu um atentado com tiros e explosivos na sexta-feira passada, mas sem vítimas, afirma que seus diretores se viram obrigados a tomar essa decisão devido ao atual contexto violento e à falta de condições para o livre exercício do jornalismo no país. Num editorial, o periódico explicou a medida aos leitores.
O ataque foi o sétimo a um meio de comunicação do estado de Tamaulipas nos últimos seis anos. Em 2010, o jornal “El Diario”, de Ciudad Juárez, em Chihuahua, já havia publicado um editorial polêmico em que pedia trégua aos traficantes depois do assassinato de dois de seus jornalistas.
— Existem dois tipos de pensamentos sobre a atual violência no país. Um responsabiliza o Estado por desencadear essa guerra. Outros defendem que, se o governo não atuasse, o crime organizado tomaria todo o país. A verdade é que, à medida que o combate ao crime organizado aumenta, cresce o número de jornalistas mortos após noticiar esses fatos. É uma guerra. E os jornalistas, principalmente do Norte, podem ser comparados a correspondentes de guerra. É como se eles estivessem no Líbano ou no Iraque — contou ao GLOBO o jornalista e analista político Ezra Shabot.
Em comunicado, SIP condena violência
As ameaças a jornalistas ganharam força no atual mandato de Felipe Calderón, num cenário de violência sem freio que vem crescendo há décadas. Hoje, segundo o Instituto de Ação Cidadã do México, ao menos 71% dos municípios do país, principalmente no Norte, estão sob o controle dos cartéis de drogas. O crime organizado adotaria ações cada vez mais ofensivas, como carros-bomba e armas de guerra, para amedrontar as autoridades e a população. No domingo, autoridades de Monterrey, no estado de Nuevo León, encontraram 49 corpos mutilados, num crime ligado a um acerto de contas entre gangues do tráfico. O assassinato de repórteres seguiria essa estratégia de passar uma mensagem de medo.
— Os jornalistas já não querem se expor. Se as autoridades não atuam rapidamente nem os responsáveis são punidos, de onde os repórteres tiram confiança na lei? — questiona o repórter Roberto Delgado, presidente da Associação de Jornalistas de Ciudad Juárez, o mais violento município mexicano.
O México é hoje o país mais perigoso para exercer o jornalismo na América Latina, e o terceiro no mundo. Fica à frente de lugares claramente conflituosos, como Afeganistão e Paquistão. Recentemente, o governo federal anunciou a criação de uma lei de proteção à imprensa. A medida determinaria que todo delito que ameace o direito à liberdade de expressão — em especial ações contra jornalistas e meios de comunicação — passaria a ser de competência federal, numa tentativa de combater a impunidade local nestes casos.
A imprensa mexicana divulgou a notícia da lei, mas praticamente cética de sua aplicação, e desconfiada de uma intenção eleitoreira a menos de dois meses para as eleições presidenciais. Em comunicado, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) disse que o atentado contra o “El Mañana” e a violência contra os jornalistas nas últimas semanas mostram que o governo do México “tem de trabalhar com urgência para implementar a Lei de Proteção a Jornalistas aprovada no Congresso”.
Os candidatos ao posto mais cobiçado do governo não fogem do tema quando questionados, mas dão respostas generalizantes de que, caso eleitos, lutarão pelo direito de liberdade de imprensa.
Josefina Vázquez Mota, candidata pelo Partido Ação Nacional (PAN), responsabilizou recentemente “os governos autoritários” do Partido Revolucionário Institucional (que governou o México por mais de 70 anos antes do PAN) por ter “tornado fácil a vida de traficantes” no país, e pela impunidade dos crimes cometidos antes contra jornalistas. Num ataque claro ao líder na corrida eleitoral, Enrique Peña Nieto, do PRI, Josefina também ignorou o fato de que ela representa o partido hoje no poder. No empurra-empurra de responsabilidades políticas, as cifras de violência contra jornalistas e sociedade em geral continuam em aumento.

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