Descobertas no campo da fisiologia revolucionam a avaliação da capacidade física e permitem desenvolver exercícios mais eficazes, que oferecem ganhos com menos tempo e esforço
Mônica Tarantino e Luciani GomesA mais recente novidade nessa área é a chegada às academias de um novo método de avaliação para conhecer a fundo os segredos que interferem nos movimentos de cada um antes do ingresso na atividade física. Os resultados são usados para definir o plano certo de treinamento, que podem incluir exercícios corretivos, se for o caso, e aqueles destinados a assegurar a funcionalidade do corpo. Conhecido pela sigla FMS, do inglês Functional Movement Screen (em tradução livre, teste de movimento funcional), o recurso começa a ser oferecido em academias americanas, como a moderna Equinox, a respeitada Mayo Clinic e o Cooper Fitness Center, um dos principais difusores da proposta. “Precisamos conhecer as pessoas e, como diz o criador da técnica, Gray Cook, primeiro ajudá-las a se movimentar bem para depois se movimentar com frequência”, disse à ISTOÉ Carla Sottovia, diretora da rede Cooper.
No Brasil, a avaliação funcional começa também a se tornar acessível a um público mais amplo. Academias como a Cia. Athletica, Triathlon e a Edge, a ser inaugurada em breve em São Paulo, e a Porto do Corpo, em Porto Alegre, estão incluindo a técnica. Já a BodyTech agendou para daqui a um mês o lançamento de um projeto piloto com o método em uma de suas unidades paulistas. Se der certo, irá expandi-lo para toda a rede. Na Runner, a análise integra um programa desenhado para acolher os alunos que chegam. “É um serviço já disponível em oito unidades”, diz Guilherme Moscardi, responsável pelos licenciamentos da rede.
Originalmente, a avaliação é composta por sete sequências de movimentos para mensurar o equilíbrio, a estabilidade, flexibilidade, velocidade, agilidade, força e potência e resistência aeróbica (confira os exercícios no quadro que começa nesta página). A essa matriz, o mestre em educação física Mauro Guiselini, diretor de um instituto de ensino, pesquisa e atendimento em fitness que leva seu nome, em São Paulo, e consultor científico do programa receptivo da Runner, somou mais dois exercícios, destinados a avaliar mais detalhadamente 29 pares de músculos situados no abdômen e que sustentam o complexo quadril-pélvico-lombar.
A avaliação é feita de modo complementar aos testes convencionais para saber o percentual de gordura no corpo, o VO2 (volume máximo de oxigênio que o corpo captura dos pulmões. Quanto maior, mais elevado o potencial aeróbico) e tirar medidas para descobrir se há diferenças de tamanho entre um membro e outro. Na visão do cardiologista Nabil Ghorayeb, porém, é preciso também fazer uma consulta médica e o teste ergométrico. “Isso deve ser feito antes de tudo, para saber se o indivíduo tem condições de praticar uma atividade ou se está em risco”, diz.
A importância da análise funcional ficou demonstrada em um estudo recente que investigou as condições de mais de três mil recém-chegados à Runner. “Entre 1% e 2% das pessoas tiveram dores ao fazer movimentos básicos, como o agachamento, e foram orientadas a ir ao médico antes de começar a treinar”, conta Guiselini.
Além disso, 15% não conseguiram executar um ou mais exercícios e apenas 18% os realizaram com perfeição. Mais um achado significativo: 33% dos novatos apresentavam algum encurtamento na musculatura do tornozelo que predispõem a lesões. Também verificou-se que cerca de 20% das pessoas não poderiam fazer os abdominais tradicionais por causa de déficits de movimento relacionados a encurtamentos musculares e instabilidade. A consequência, nesses casos, pode ser o surgimento de dores na coluna. “Esse tipo de teste nos auxilia a ver quais compensações o corpo está fazendo para realizar um exercício e auxiliar o aluno a ter um desempenho melhor”, diz o personal trainner Henrique Varella, da Cia. Athletica do Rio de Janeiro. “A partir dele, montamos o plano de treino acrescido de exercícios funcionais para a correção das dificuldades”, explica. Paulo Zogaib, professor de fisiologia do exercício da Universidade Federal de São Paulo, alerta para a necessidade de uma reavaliação do aluno a cada dois a três meses. “É fundamental para saber se o treino teve o efeito esperado”, diz.
Antes desse formato mais simplificado de avaliação funcional, criado por pesquisadores americanos, outra versão do teste, mais sofisticada, mantinha-se como um recurso disponível apenas em centros de excelência como o laboratório de medicina esportiva SportsLab ou o Laboratório de Estudo do Movimento da Universidade de São Paulo. Feita com instrumentos mais precisos, ela é destinada a um público predominantemente formado por atletas e pessoas com nível médio ou avançado de atividade. “A avaliação funcional mais básica que chega às academias é realmente útil para revelar especificidades do movimento que o indivíduo fará no dia a dia ou na academia. Mas praticantes de alta performance não estão dispensados de outros testes funcionais”, diz o ortopedista Arnaldo Hernandez, chefe do grupo de Medicina do Esporte do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A questão também é conciliar o que o aluno precisa, de acordo com as avaliações funcionais, com o que ele intimamente deseja quando chega à academia: perder gordura e ganhar músculos. “É necessário fazer um trabalho de convencimento para mostrar aos alunos os ganhos do exercício funcional para a sua performance”, diz Caio Correia, gerente de inovação da academia Competition. “Mas estamos assistindo ao surgimento de um novo ambiente nas academias. Ele é voltado para a construção de um corpo pensado de forma integrada e com um treinamento focado na prevenção”, complementa Patrícia Pirozzi, diretora da Triathlon.
Outras informações recém-saídas de laboratórios de pesquisa prometem aprimorar mais o treinamento. Uma delas joga luz sobre uma dúvida comum: saber se realizar sessões muito próximas de musculação e de exercícios aeróbicos prejudicaria os ganhos musculares e os cardiovasculares. Para examinar o assunto, pesquisadores da Universidade McMaster, no Canadá, convidaram voluntários de meia-idade para três dias de teste.
No primeiro, eles pedalaram uma bicicleta ergométrica por 40 minutos em ritmo moderado. No segundo, fizeram sessões intensas de exercícios de extensão da perna, para fortalecimento. No último dia, houve 20 minutos para extensão de perna e 20 minutos de bicicleta. Antes e depois, uma amostra de tecido do músculo da perna foi analisada. “Não vimos prejuízos. O exercício aeróbico pode preceder o treinamento de resistência no mesmo dia, sem comprometer a construção dos músculos”, afirmou Stuart Phillips, que liderou o estudo. O trabalho evidencia ainda que é possível obter os mesmos benefícios fazendo menor quantidade de cada tipo de atividade se elas forem associadas. A conclusão vai ao encontro do que se verifica nas academias. “Observamos que não há restrição na iniciação conjunta com aeróbicos e localizados e que isso otimiza os resultados”, diz Saturno de Souza, diretor da rede Bio Ritmo.
A investigação do mínimo de exercícios que se pode fazer para melhorar a saúde é mais uma área em evidência. No mês passado, a jornalista Gretchen Reynolds, autora de uma das colunas mais lidas do jornal americano “The New York Times”, sobre fitness, alavancou o tema ao lançar o livro “The First 20 Minutes: Surprising Science Reveals How We Can Exercise Better, Train Smarter, Live Longer”, algo como Os primeiros vinte minutos: a surpreendente ciência que revela como podemos nos exercitar melhor, treinar de maneira inteligente e viver mais. Gretchen reúne estudos para provar que basta se mover em torno de vinte minutos diariamente para obter as alterações fisiológicas positivas do exercício. Ela defende que ter uma rotina ativa é mais fácil do que parece e dispensa, por exemplo, vincular-se a uma academia.
Também na Inglaterra, cientistas da Universidade de Exeter verificaram que bastam 15 minutos de caminhadas diárias para sofrer menos com a compulsão por doces. Isso seria resultado da redução no estresse proporcionada pela atividade. Com menos tensão, é menor a chance de o cérebro buscar mecanismos de compensação – nesse caso, nas guloseimas. Aqui no Brasil, os especialistas preferem aguardar mais tempo de estudos, mas veem com bons olhos notícias como essas. “Os trabalhos ainda são controversos”, diz Arnaldo Hernandez. “Mas, de todo modo, o ideal é fazer uma atividade contínua de 20 minutos com intensidade um pouco maior. Assim é possível ter os mesmos efeitos de um exercício mais longo de baixa intensidade”, diz.
Já a ideia de que levantar cargas pesadas em treinos puxados é o único meio de ganhar músculos está sendo contestada por pesquisas feitas no Centro Médico da Universidade de Maastricht, na Holanda. “Um número maior de repetições com pesos leves é tão eficiente para construir músculos como o uso de pesos mais pesados com menor número de repetições”, disse a ISTOÉ Cameron Mitchell, que participou do trabalho. O que faz diferença, nas duas situações, é atingir o ponto de fadiga. “Mesmo com baixo peso, ela precisa ser sentida nas últimas duas a três repetições para estimular o fortalecimento dos músculos”, afirma a cientista.
Nos testes, foram constatadas perdas pouco significativas na musculatura das pernas entre os que mantiveram um treinamento regular. Isso ocorreu independentemente da idade, como ficou comprovado em exames de ressonância magnética do músculo quadríceps, situado na coxa. As imagens exibiam diferenças ínfimas na musculatura de um triatleta de 40 anos em comparação a outro, com 70 anos. A avaliação de um homem sedentário de 74 anos, porém, revelou uma quantidade de gordura muito maior e a de músculos, menor. “Quando se fala em envelhecimento, geralmente não se estuda o que os nossos corpos são capazes de fazer. Mas controlamos 70% desse processo”, disse Vonda Wright, coordenadora da pesquisa. No entanto, um novo estudo do mesmo grupo de pesquisadores revelou que o efeito só se aplica aos músculos estimulados. Na visão dos pesquisadores, isso deixa claro que de fato é necessário adotar planos de exercícios elaborados para preservar as funções musculares do corpo todo, o que uma única atividade não garante.
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