APELO ÀS RUAS
Dirceu convoca sindicalistas e estudantes
para pressionar por sua absolvição
No sábado 2, trajando blazer preto e camisa azul clara, o ex-ministro
José Dirceu entabulou uma conversa ao pé do ouvido com o deputado
federal Devanir Ribeiro (PT-SP). O bate-papo aconteceu minutos antes do
pré-lançamento de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo. Dirceu
deixava claro para o deputado, que é compadre do ex-presidente Lula, seu
estado de ânimo para encarar o julgamento do mensalão no STF, onde ele é
acusado por formação de quadrilha e corrupção ativa. “Se eu morrer,
será lutando”, disse o ex-ministro. A expressão heróica utilizada por
José Dirceu significa que ele está trabalhando duro para enfrentar o
julgamento marcado para começar no dia 1º de agosto. Desde maio, ele
prepara um arsenal pesado para atravessar o que chama de “um dos
momentos mais críticos” de sua trajetória política. Para não ser
condenado a até 12 anos de prisão, e acabar alijado definitivamente da
vida pública, o homem que um dia presidiu o PT e foi o principal
ministro do governo Lula montou um bunker de assessores e advogados,
investiu na contratação de uma empresa especializada em redes sociais,
passou a articular manifestações de apoio com sindicalistas,
intelectuais e artistas e se reaproximou de organizações estudantis.
“Você fala ‘oi’ para o Zé e ele fala em julgamento”, contou à ISTOÉ o
deputado Devanir. “É um projeto legítimo dele, tentar mobilizar pessoas e
angariar apoios”.
Quem comanda a defesa de Dirceu é José Luiz Oliveira Lima, dono de um
escritório com 11 advogados, localizado no 32º andar do prestigiado
Edifício 50, na Avenida São Luiz, em São Paulo. Aos 45 anos, Juca, como
gosta de ser chamado, especializou-se em Direito Penal, especialmente em
delitos tributários. Já defendeu o banqueiro Daniel Dantas, acusado de
lavagem de dinheiro e crime financeiro. Também teve entre seus clientes
famosos o ex-banqueiro italiano Salvatore Cacciola. Embora esteja ao
lado de Dirceu desde 2005, Juca pretende, com a iminência do
julgamento, intensificar seu trabalho. “A partir de agosto, terei de
ficar mais tempo em Brasília”, contou à ISTOÉ. O advogado diz estar
seguro de que não há provas suficientes para condenar seu cliente. “As
alegações finais apresentadas pelo Ministério Público nada mais são do
que uma peça de ficção, pois em nenhum momento apontam de maneira
concreta, baseada em provas, os motivos que justificariam a condenação
do ex-ministro”, defende o advogado.
Para espalhar essas ideias da defesa pelo País, José Dirceu age em
várias frentes. Uma das batalhas acontecerá nas redes de relacionamento.
Ele contratou uma firma de ativistas digitais, a Interagentes, que está
encarregada de disseminar pela internet argumentos por sua absolvição,
tentando conquistar formadores de opinião. Velha conhecida das correntes
de esquerda, a Interagentes já fez trabalhos para o PT e se compromete a
travar uma “guerrilha virtual” por intermédio do twitter e do facebook.
A frente de comunicação foi reforçada com a contratação do jornalista
Luiz Fernando Rila, que se licenciou da empresa FSB para assessorar
exclusivamente o ex-ministro durante o julgamento do mensalão. Desde o
fim do último mês, Rila tem feito a “ponte” de José Dirceu com a
imprensa. Ao seu lado, trabalha Edmilson Machado, afastado da empresa
Máquina da Notícia para dedicar-se a Dirceu. Os dois unem-se a Aristeu
Moreira, responsável há dois anos pelo blog do ex-ministro. Machado
acompanha o noticiário e organiza os discursos do ex-ministro. Caberá a
ele também coordenar as redes sociais. “Faremos uma disseminação de
conteúdo”, diz Machado.
Uma das primeiras tarefas da nova equipe contratada pelo petista foi
estreitar as relações de Dirceu com sindicalistas, artistas,
intelectuais e organizações estudantis. Nos próximos dias, Dirceu
participará de um encontro no Rio de Janeiro com intelectuais e gente do
meio artístico. O evento é organizado pelo produtor cinematográfico,
Luiz Carlos Barreto, amigo de longa data de Dirceu, e por Flora Gil,
mulher do cantor e ex-ministro Gilberto Gil. O ex-ministro pretende
transformar a reunião num ato público de apoio, insistindo na tese de
que é alvo de um processo político e não jurídico. O discurso é antigo,
mas passará a ser entoado com mais força com a proximidade do julgamento
no STF. Os convidados ainda receberão um CD contendo o resumo das
acusações, provas produzidas e argumentos da defesa de José Dirceu no
processo. Outra reunião, prevista para ocorrer no próximo mês, está
sendo articulada a pedido de Dirceu com a “turma de Ibiúna”, composta
por militantes que foram presos juntos com ele durante o 30º Congresso
da UNE em 1968, em Ibiúna, cidade da região metropolitana de São Paulo.
“Não sou PT, sou amigo do Zé”, justificou o médico homeopata, Luiz
Bettarello, um dos integrantes da turma. “Vamos nos solidarizar e buscar
ampliar apoio”. Bettarello diz acreditar na inocência do amigo. “Não
há provas contra ele”, defende.
"A gente dá oi pro Zé e o Zé já fala em jugamento"
Devanir Ribeiro, deputado federal pelo PT-SP
A estratégia de convocar militantes para pressionar os ministros do
STF vem sendo discutida por Dirceu desde o último mês em churrascos com
amigos na sua casa em Vinhedo. A primeira incursão pública aconteceu no
último dia 9, durante o 16º Congresso Nacional da União da Juventude
Socialista (UJS), ligada ao PCdoB, na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj). Para uma inflamada platéia, Dirceu conclamou os
estudantes a irem às ruas defendê-lo no que chamou de “batalha final”.
“Todos sabem que este julgamento é uma batalha política. E essa batalha
deve ser travada nas ruas também porque senão a gente só vai ouvir uma
voz, a voz pedindo a condenação, mesmo sem provas. É a voz do monopólio
da mídia. Preciso do apoio de vocês”, discursou Dirceu, aplaudido pelos
1.100 estudantes que lotaram o auditório da Uerj. Apesar dos aplausos, a
entidade, no entanto, não decidiu aderir totalmente, como constatou
ISTOÉ. O presidente da UJS disse que a entidade “ainda irá deliberar”
sobre o assunto. “A União não decidiu se fará mobilizações, mas uma
parcela considerável da juventude apóia José Dirceu e nutre simpatia
pela sua trajetória no movimento estudantil”, ponderou André Tokarski.
De maneira mais discreta, o petista já havia pregado a mobilização em
favor de sua absolvição no STF em pelo menos outras três reuniões. Em
Porto Alegre, há duas semanas, ao lado de integrantes do diretório
nacional do PT, e em Brasília e no Rio de Janeiro, durante congresso da
CUT. Como contou um sindicalista ligado aos bancários que participou de
uma dessas reuniões, Dirceu prega que o caso do mensalão “não passa de
uma luta por espaço político” e que os petistas não podem “baixar a
guarda”. Em um seminário realizado pela turma de Direito da USP, do
Largo São Francisco, no dia 30 de maio, coordenado pelo jurista Dalmo
Dallari, o tema “influência da mídia nos julgamentos” foi abordado e o
evento acabou se transformando num ato de apoio a Dirceu, que, por
problemas de agenda, não esteve presente. Por intermédio de sua
assessoria, porém, Dirceu negou que tivesse organizado o seminário. Ele
também nega que os atos de apoio, ainda por vir, sejam parte integrante
de sua estratégia para escapar da condenação.
As negativas se explicam. Nos últimos dias, Dirceu foi aconselhado
por assessores a evitar, por ora, o tema manifestações públicas, devido à
repercussão negativa já provocada pelo discurso incendiário feito para
os estudantes. A agenda dos próximos encontros está mantida, mas os
eventos serão tratados como discretos e reservados. “A repercussão do
evento da Juventude Socialista acabou sendo muito ruim”, admite um
petista ligado ao ex-ministro. A história, inclusive, ensina que
convocações desse porte podem sair de controle e até se tornarem um tiro
no pé. Em 1992, o então presidente da República Fernando Collor de
Mello, enfrentando as acusações que levariam a seu impeachment,
conclamou a população a sair às ruas vestida de verde e amarelo, em
sinal de apoio. O que se viu, no entanto, foi justamente o contrário: a
maioria dos brasileiros preferiu o preto, como forma de protesto. A
prudência do PT também é motivada pela constatação de que, embora o
ex-ministro mantenha grande a influência na cúpula petista, ele não
controla mais a máquina partidária como antes. Dirceu, com seu estilo
centralizador, deixou ressentimentos dentro do PT e não teria mais
condições de arrastar às ruas um contingente expressivo de militantes
leais. O assunto é evitado pelos cardeais petistas. “Não penso nada a
respeito de qualquer tipo de pressão que o Zé Dirceu possa fazer. Na
verdade, prefiro mesmo é ficar longe desse assunto”, esquiva-se o
deputado Cândido Vacarezza (PT-SP).
A própria linha de defesa de Dirceu também provocou insatisfação,
principalmente entre petistas ligados aos demais réus do mensalão. Nas
alegações finais de um documento de 160 páginas produzido no final do
ano passado, José Dirceu afirma que, depois de ter virado ministro,
afastou-se da gestão do PT, o que, portanto, o livra de qualquer
responsabilidade pelo que fez o partido. Com os argumentos para negação
de autoria, a defesa do ex- ministro repassa a culpa pelo que a
Procuradoria da República chamou de “compra sistemática de apoio de
deputados federais ao governo Lula”, para o colo do ex-presidente da
legenda, José Genoino, e do ex-tesoureiro Delúbio Soares. “A defesa
jogou contra os outros petistas envolvidos no processo e por isso não há
disposição de ajudá-lo agora”, reconhece o advogado de um dos
mensaleiros acusados. Ao que parece, somente os réus unidos seriam
capazes de encher vários ônibus de militantes e colocá-los em frente ao
STF, como ameaçou Dirceu no comício para os estudantes.
CHURRASCOS
Dirceu definiu a linha de sua defesa em reuniões
com amigos em sua casa em Vinhedo
Apesar de constrangimentos nas bases, Dirceu ainda tem muitos
figurões do partido dispostos a brigar por ele e exercerem pressão nos
bastidores. Há duas semanas, por exemplo, os deputados federais petistas
Odair Cunha (MG) e Paulo Teixeira (SP), se reuniram com o ministro do
STF Dias Toffolli, que foi advogado do PT e namora Roberta Maria Rangel,
defensora de três acusados do mensalão. No partido, Paulo Teixeira é o
encarregado de fazer a conexão entre os acusados, os advogados e os
ministros do tribunal. Toffolli tem sido procurado por representantes do
PT pedindo que ele participe do julgamento, embora a maioria dos
ministros defenda, reservadamente, que ele se declare impedido de julgar
os ex-colegas. Na reunião com os dois deputados, Toffolli pediu para um
assessor sair da sala. Teixeira confirmou a conversa à ISTOÉ. O petista
nega, porém, que ele tenha marcado a audiência a pedido de mensaleiros
ou mesmo de José Dirceu. “Fui tratar de questões minhas. Até porque o
Dirceu não precisa de mim para pedir nada ao Toffoli. Seria como colocar
um intermediário para falar com um filho”, disse Teixeira. A
confirmação do início do julgamento pelo STF desagradou ao PT. O partido
teme que, no calor da campanha eleitoral, o mensalão torne-se
combustível para a oposição e, conseqüentemente, mais desgaste para os
acusados. “Já imaginávamos que ia ter pressão, mas não que segmentos do
Supremo seriam tão suscetíveis assim. Aqui tem ministro do Supremo com
vocação para pop star”, criticou o deputado André Vargas (PR),
Secretário de Comunicação do PT.
"O juiz está acima das manifestações"
Marco Aurélio Mello, ministro do STF
No STF, alguns ministros responsáveis por julgar o processo insistem
em minimizar as pressões. “É legitimo fazer pressões sejam elas quais
forem, de rua ou de bastidores. Juiz está acima dessas manifestações”,
diz o ministro Marco Aurélio Mello. “O STF não marcou a data do mensalão
por pressão pública. O STF não precisa de nenhuma pressão para cumprir o
dever constitucional de julgar os processos que lhe são entregues”,
afirmou o presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto.
Questionado sobre a convocação de Dirceu às massas, Marco Aurélio alega
que movimentos semelhantes foram registrados também quando a Corte
julgou a legalidade das pesquisas com células-tronco, atraindo o barulho
de manifestantes contrários ou favoráveis à lei na porta do STF. A
pretensão dos ministros de suavizar o clima das pressões é
compreensível, embora eles certamente saibam que a comparação não é
perfeita. As manifestações a que Mello se refere diziam respeito a
interesses legais de determinados grupos sociais, envolvendo pesquisa
científica e princípios religiosos. Já no caso do mensalão, seriam
manifestações de forte cunho político, articuladas por interesses
próximos a dois outros poderes da República. E sobre uma acusação de
crime.
Com reportagem de Izabelle Torres e Alan Rodrigues
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