Em três anos, o número de estrangeiros que receberam autorização
de trabalho saltou de 43 000 para 70 000
Alexandre Salvador
CONFIANÇA NO FUTURO - Grupo de estudantes estrangeiros da
Fundação Getulio Vargas, em São Paulo: o número de alunos que chegam
interessados em iniciar a carreira no Brasil cresceu quase 300% em cinco
anos
(Claudio Gatti)
Em 2009, o primeiro ano após a crise financeira que abalou os Estados
Unidos e a Europa, o economista italiano Rosario Cannata, que vivia em
Nova York fazia um ano, se assustou ao ver seu mercado de trabalho
encolher depois que várias instituições financeiras fecharam as portas.
Numa entrevista para um novo emprego, ouviu que não havia vagas nos EUA,
e sim no Brasil. Cannata recusou a oferta, mas um fato mudaria sua
opinião. Ao ver o Cristo Redentor estampado na capa da revista
The Economist,
acompanhado da chamada "O Brasil decola", ele resolveu aceitar o
emprego. Hoje, Cannata mora em São Paulo e trabalha numa empresa de
prospecção de petróleo que presta serviços para a Petrobras. Assim como
Cannata, milhares de outros estrangeiros estão desembarcando no Brasil
em busca de melhores condições de vida e emprego. Desde 2010, foram 550
000 novos imigrantes que estabeleceram residência no país. O número de
autorizações de trabalho, temporárias e permanentes, saltou de 43 000,
há três anos, para 70 000, em 2011. Vinte anos atrás, não passavam de 2
600 por ano.
Ernani D'Almeida
ENGENHEIROS EM ALTA - A portuguesa Marisa Gomes, de 30 anos, chegou ao
Brasil em 2011 para suprir o déficit de profissionais ligados à
engenharia no mercado de trabalho nacional. Ela foi chamada para
implantar a operação brasileira da Somarsil, uma empresa portuguesa de
construção civil. "O fato de a Europa estar em crise limitou muito o
mercado de construções no continente", ela diz. "Já o Brasil passa por
uma situação totalmente oposta, com grande otimismo econômico"
Ocorre que esse novo fluxo migratório é muito diferente daquele
ocorrido no fim do século XIX e início do século XX, em que milhões de
imigrantes europeus e japoneses substituíram a mão de obra escrava nas
lavouras. Os novos imigrantes são profissionais qualificados que fogem
da estagnação econômica e das altas taxas de desemprego em seu país de
origem. Embora o Brasil, atualmente, venha crescendo a um ritmo menor
que o dos últimos anos, o desemprego continua baixo e existe muita
oferta de mão de obra em áreas como engenharia e nos setores financeiro e
de tecnologia da informação, para os quais não há brasileiros
qualificados em número suficiente no mercado de trabalho. Segundo dados
do Ministério do Trabalho, dessas 70 000 pessoas que obtiveram visto de
trabalho em 2011, mais da metade possui curso superior completo. "A
maior demanda de mão de obra hoje no Brasil é na área de petróleo, para
conduzir o processo de exploração em plataformas", diz Paulo Sérgio
Almeida, diretor da Coordenadoria-Geral de Imigração do Ministério do
Trabalho.
Claudio Gatti
APOSTA - O empresário americano Jacob Rosenbloom, de 31 anos, está na
sua segunda passagem pelo Brasil. Em 2007, trabalhou para o banco
Goldman Sachs, em São Paulo, por dois anos. A experiência brasileira foi
positiva. Além de aprender kitesurf, percebeu que tinha aqui uma
oportunidade de negócio. "Resolvi voltar, desta vez como investidor",
diz Rosenbloom, que fundou em São Paulo uma empresa de recursos humanos,
em funcionamento há seis meses
O setor de obras de infraestrutura e a construção civil também têm uma
demanda grande por profissionais. Os eventos esportivos mais importantes
do planeta que acontecerão no Brasil, a Copa do Mundo em 2014 e a
Olimpíada de 2016, envolvem obras que têm atraído os estrangeiros. A
portuguesa Marisa Gomes chegou ao país no início do ano passado para
chefiar a operação brasileira da Somarsil, empresa portuguesa do setor
de construção. "O mercado na Europa está bastante limitado, e minha
empresa notou que aqui existe uma enorme carência em infraestrutura e
instalações adequadas", diz ela, que veio com o marido. A mudança
resultou em uma melhora inclusive financeira para Marisa, mesmo com o
alto custo de vida no Brasil. "Esses expatriados veem a oportunidade de
liderar uma operação estrangeira como um trampolim na carreira", diz o
advogado Renê Ramos, sócio da Emdoc, escritório que oferece assessoria a
empresas que desejam contratar funcionários estrangeiros. "Uma
experiência bem-sucedida no Brasil pode ser o caminho mais rápido para
uma posição de destaque na firma caso o profissional decida um dia
voltar para a matriz", ele completa.
Para que um imigrante qualificado se estabeleça no Brasil não basta a
disponibilidade para se mudar. De acordo com a legislação brasileira, é a
empresa ou o órgão contratante que deve solicitar o visto de trabalho
para o estrangeiro. Mesmo assim, muitos vêm ao Brasil sem nenhuma
garantia, com um visto de turista ou de estudante. "Há um número
crescente de pessoas que chegam aqui e tentam se integrar ao mercado
através de um MBA ou pós-graduação", diz Oliver Stuenkel, professor de
relações internacionais da Fundação Getulio Vargas. "Elas usam a
especialização para entrar em contato com empresas", ele completa. Na
Universidade de São Paulo ocorreu um crescimento no número de alunos
vindos de fora do Brasil. Em 2006, havia 399 alunos de graduação
oriundos de universidades estrangeiras. No ano passado, eram 977. Também
aumentou o grupo de estrangeiros que cursam pós-graduação na
universidade: saltou de 785 para 1 150 no mesmo período.
Claudio Gatti
FUGINDO DA CRISE - O economista italiano Rosario Cannata, de 28 anos,
morava em Nova York quando sobreveio a crise econômica mundial. Vendo
seus possíveis empregadores se retraírem, ou fecharem as portas, ele
começou a considerar oportunidades fora dos Estados Unidos. Escolheu o
Brasil, onde trabalha numa empresa de prospecção de petróleo e gás.
"Todo mundo tem uma expectativa positiva sobre o Brasil", diz Cannata,
que nas horas de lazer acelera nas pistas de enduro com os amigos
brasileiros
De acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o
déficit de mão de obra qualificada vai obrigar as empresas a buscar cada
vez mais funcionários no exterior. Diz José Tadeu da Silva, presidente
do Confea: "Por ano são registrados cerca de 30 000 novos profissionais
da área tecnológica, desde o nível técnico até o superior. Em cinco
anos, a expectativa é que vamos precisar de 300 000 trabalhadores nessa
área, e teremos formado apenas a metade. Boa parte das vagas restantes
deve ser preenchida com mão de obra estrangeira". A empresa japonesa
Kawasaki, que participa da construção de um novo estaleiro na cidade
baiana de Maragogipe, se prepara para trazer do Japão 100 funcionários,
desde soldadores até engenheiros navais. Carlos Arruda, coordenador do
Núcleo de Inovação e Competitividade da Fundação Dom Cabral, que mantém
cursos de administração, apresenta mais um motivo para as empresas
brasileiras buscarem profissionais no exterior: a má qualidade de muitas
faculdades no país. Diz ele: "Empresas do setor de construção civil
estão contratando muito no exterior, principalmente na França e na
Espanha. Existe outra explicação para isso além do número insuficiente
de profissionais sendo formados. A qualificação dos engenheiros
diplomados em faculdades de segunda linha é insatisfatória. Por isso,
dá-se preferência a um engenheiro formado em uma escola mediana na
França, por exemplo".
O número de estrangeiros que vêm para o Brasil dispostos a investir o
próprio dinheiro num negócio também aumentou. De acordo com o Ministério
do Trabalho, o montante de investimentos estrangeiros de pessoas
físicas cresceu 40% nos últimos três anos, totalizando 204 milhões de
reais em 2011. Ao colocar a quantia mínima de 150 000 reais no capital
social de uma empresa sediada no Brasil, o estrangeiro ganha o direito
ao visto permanente. Os poucos aventureiros que montavam uma pousada em
alguma praia do litoral deram lugar a investidores em áreas relacionadas
ao crescimento da economia brasileira, como tecnologia e engenharia. O
americano Jacob Rosenbloom é um desses imigrantes que vieram se
aproveitar da boa fase do Brasil. Depois de conhecer o país, entre 2007 e
2009, trabalhando na operação brasileira do banco Goldman Sachs,
decidiu retornar ao Brasil para abrir uma consultoria de RH em São
Paulo. "O mundo foi afetado pela crise econômica e os investidores
visaram o Brasil. Como eu já tinha morado aqui e visto o desenvolvimento
econômico do país com meus próprios olhos, resolvi voltar", ele diz. Ao
contrário do que ocorria na importação de mão de obra estrangeira na
virada do século XIX para o XX, o novo fluxo migratório para o Brasil
oferece grandes oportunidades de crescimento a quem vem trabalhar.
Com reportagem de Gustavo Simon e Renata Lucchesi
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