No discurso, Marina Silva se apresenta como novidade, mas para chegar ao poder a candidata do PSB recorre a antigas práticas
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
O currículo da
candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva, 56 anos,
enumera passagens por pelo menos três partidos, mandatos parlamentares
nas esferas municipal, estadual e federal e o comando de uma pasta
ministerial num governo do PT. Desde os 30 anos, Marina vive e respira
política, nos moldes ditados pelo sistema partidário. Apesar disso,
Marina diz encarnar a “nova política”. É enfática em seus discursos ao
frisar que não compactua com o vale-tudo eleitoral e o modelo de
alianças adotado por PT e PSDB nos últimos 20 anos. A utopia da
candidata, ao pregar uma nova era política, rendeu a seus apoiadores o
cativante apelido de “sonháticos”. A oratória envolvente de Marina
embala milhões de brasileiros desencantados com “tudo o que esta aí”.
Com o verniz da “nova forma de fazer política”, ela mascara as antigas e
surradas práticas tão presentes em sua candidatura e biografia.
CAIXA2?
Entrevistada pelo "Jornal Naciona", Marina Silva não conseguiu
explicar o empréstimo do jato utilizado por Eduardo Campos durante a
campanha - a Polícia Federal investiga a origem do dinheiro usado para comprar o avião
Desde o início da campanha, Marina tem
condenado as alianças forjadas única e exclusivamente, segundo ela, para
alcançar o poder. No entanto, foi por pura conveniência política, nada
menos do que isso, que ela aderiu ao PSB quando precisou escolher entre
manter a coerência do discurso ou ficar alijada das eleições de 2014.
Em setembro de 2013, antes de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
sepultar as esperanças de Marina em lançar candidatura presidencial pela
Rede Sustentabilidade, ela produziu um duro artigo contra o PT,
comparando a legenda que a criou politicamente a um camaleão que se
mimetiza para sobreviver. “Adaptou-se ao que antes combatia”, escreveu.
Marina é rígida com as adaptações dos adversários, mas muito sucinta ao
explicar seus ajustes.
A composição, por exemplo, com o deputado
Beto Albuquerque (PSB-RS), seu vice, exigiu esclarecimentos. Marina é a
candidata que diz não receber doações da indústria armamentista, barra
projetos do agronegócio no Congresso e não aceita intervenção da ciência
no ciclo natural da vida, posições opostas às de seu vice. Nas últimas
eleições, o deputado federal Beto Albuquerque recebeu doação de R$ 30
mil da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), que
tem como filiadas a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e a Taurus.
Recentemente, Marina reiterou ao PSB sua
posição sobre a questão: “Estabelecemos que não iríamos receber nenhum
tipo de doação da indústria do tabaco e da indústria bélica. Esses
compromissos nós continuamos com eles. É uma mensagem de que defendemos
uma cultura de paz. Queremos trabalhar com a ideia de promoção da
saúde”, afirmou. Nada disse sobre a arrecadação feita por seu vice.
Em entrevista ao “Valor”, o candidato a
vice se justificou: “É claro que ela sabe. Ela não veio para o PSB para
ser PSB, assim como não nos coligamos com a Rede para sermos Rede. Nós
somos de partidos diferentes” afirmou Albuquerque. O que para os
adversários inspiraria um estrondoso rótulo de aproximação por
interesse, na nova política de Marina Silva ganhou tratamento
diferenciado. “Nós somos diferentes e a nova política sabe trabalhar na
diversidade”, argumentou em sua entrevista no “Jornal Nacional”, na
noite de quarta-feira 28.
Marina defende as ideias de seu vice, mas
prega distância de outros políticos tradicionais filiados ao PSB, como o
deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI) e Paulo Bornhausen, outro
ex-integrante do DEM de Santa Catarina convertido ao socialismo. Marina
foge para não encontrar os parlamentares nos palanques estaduais. Embora
imersa nas águas das velhas práticas, ela não quer parecer contaminada e
provoca a ira de antigos militantes. Em tom de provocação, Severino
Araújo – presidente do PSB do Paraná, tesoureiro da executiva do partido
e ex-secretário de Miguel Arraes – conta que confeccionou 28 milhões de
santinhos com a dobradinha de Marina Silva e o tucano Beto Richa,
candidato à reeleição no Estado. Ele desafia a candidata à Presidência a
vetar o material de campanha e alega que ela sabia dos termos durante o
período de convenções. Mesmo assim, permaneceu no partido. “Se ela não
quiser foto junto com outros candidatos, tem que fazer outra convenção.
Não aceitamos. Essa coisa de nova política não tem a menor lógica. É um
sonho, mesmo, como eles dizem.”
Quando confrontada, Marina recorre a um
desgastado artifício das velhas raposas. A tática do “eu não sabia”
entrou em debate quando a candidata foi instada a responder sobre
ilegalidades no processo de compra da aeronave utilizada pelo PSB para
os deslocamentos da comitiva da campanha presidencial. O comportamento,
típico dos políticos descolados em driblar a opinião pública, veio
acompanhado do clássico brado por investigações. “Meu compromisso é com a
verdade. A verdade não virá pelo partido nem pela imprensa e sim pela
Polícia Federal”, afirmou Marina em entrevista ao “Jornal Nacional”. A
PF investiga o caso e uma das hipóteses é que a aeronave tenha sido
comprada com recursos de caixa 2. Loteamento de cargos é outro tema
favorito da candidata para atacar os adversários. Porém, a amizade de
Marina com o governador do Acre, Tião Viana (PT) garantiu cargo de
secretário a seu marido, o técnico agrícola Fábio Vaz de Lima. Somente
após Marina assumir a candidatura presidencial ele se afastou da
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do
Comércio e Serviços Sustentáveis.
Analistas políticos acompanham com cautela a
retórica de Marina. Apesar de a prática ser outra, a candidata consegue
dizer o que o povo quer ouvir e trabalha bem com o imaginário popular,
resume o cientista político e professor da Universidade de Brasília
(UnB) Paulo Kramer. “Nova política é um rótulo tão gasto que deu nome a
uma coleção de discursos de Getúlio Vargas na década de 1950. É um
conceito para consumo externo, cativa as grandes massas desencantadas
com os partidos políticos”, afirma o especialista.
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