Não tenho nenhuma intimidade com Danuza Leão, mas tenho vontade de sugerir a ela, que é uma mulher vivida, elegante e despachada, que escreva um livro de etiqueta moderna. Em vez de explicar como sentar-se à mesa, portar-se em festas ou escrever um bilhete de agradecimento, o livro ensinaria homens e mulheres a agir em relação ao sexo. Quando, como e com quem. De que forma dar início, o que fazer durante e como se portar depois para não parecer um carente pegajoso ou uma predadora vulgar. O livro se chamaria Manual da Etiqueta Sexual e seria – acredito – um enorme sucesso. Eu mesmo já estou com vontade de escrever um livro desses. Certamente adoraria comprar um exemplar se ele já existisse e fosse bem feito.
Vocês podem achar que é uma piada, mas a existência de um código comum tornaria muito mais fácil a existência de milhões de pessoas. Saia por aí conversando, como eu faço, e verá o alto nível de incompreensão que existe nas relações entre homens e mulheres. A insatisfação entre as mulheres jovens e solteiras, por exemplo, é só um pouco menor do que a registrada na Líbia antes do levante contra Muamar Kadafi. Elas acusam os homens de egoísmo, grosseria, mentiras e preconceito – e respondem a isso com a elaboração de esteriótipos que transformam quase todos os homens em canalhas insensíveis.
Dois exemplos recentes capturam o clima de dúvida e indignação.
Uma moça que eu conheço foi a uma festa de formatura na sexta-feira e conheceu lá um cara atraente, simpático e, segundo ela, bastante inteligente. Rolou um clima, rolaram amassos intensos e a moça – que não estava na cidade dela – acabou na porta do hotel como quem para na ponta de uma plataforma de 10 metros e vê a piscina lá embaixo, azul, linda e minúscula. Ai que vontade de pular, ai que medo. Ela não pulou e voltou para São Paulo no dia seguinte, semi-arrependida. “Eu gostei do cara, mas não o conhecia”, me disse depois. “Se eu transasse na primeira vez e ele fosse um idiota, iria pensar que eu sou uma vagabunda.” Ela preferiu não correr esse risco. Até a noite de ontem estava esperando ansiosa que o rapaz ligasse. Ligar para ele? “Não, nem pensar.”
A outra história envolve uma mulher com pouco mais de 30 anos. Depois de ser cortejada insistentemente por um colega de trabalho mais jovem, ela acabou cedendo – para ver o sujeito cair fora uma ou duas vezes depois, sem despedidas ou explicações. O cara simplesmente sumiu. Ela está humilhada e furiosa, sentindo-se boba e barata. Imensamente ressabiada em relação aos homens em geral. “São todos iguais, uns idiotas, não sei como eu fui cair nessa.” Ela se queixa de que o sujeito poderia ter “conversado direito”. Diz que a “grossura e a covardia” dele tornaram tudo pior. Eu já escrevi outro dia que não há forma boa de ser rejeitado, mas algumas são mesmo piores do que as outras.
Acho que O Manual da Etiqueta Sexual poderia ajudar nos dois casos.
Nele, a primeira moça leria – eu imagino – que transar ou não na primeira vez é estatisticamente irrelevante para o futuro da relação. Pode ser tanto o começo de um casamento feliz (como já aconteceu comigo) como o fim melancólico ou feliz de uma noitada. E só. Isso depende menos das supostas qualidades morais do sujeito que da intimidade que se estabelecer entre os dois. Há coisas que você deseja repetir e outras que não deseja, como as mulheres bem sabem. Quanto a se expor ou não a um idiota, eu simpatizo com a dúvida. Deve ser detestável cair na conversa de um cara que, consumado o ato, mostra-se apenas um colecionador vazio e um exibicionista. Mas existe a chance, também, de que, não sendo um energúmeno machista, a decisão rápida da mulher envaideça o sujeito e o faça sentir-se especial, o que pode ser intensamente sedutor. Quem já passou por isso sabe que é bom sentir-se irresistível, ainda que seja para uma única pessoa no planeta.
Acho que o manual da Danusa, se existisse, concluiria sobre esse assunto o mesmo que diz uma mulher que eu adoro: se o sujeito acha que uma garota que dá na primeira vez não serve para ele, então ele certamente é um conservador que não serve para mim. O teste é eliminatório para os dois. Uma última observação nesse verbete registraria, em benefício dos homens modernos afobados, que tampouco existe algo errado em não dar na primeira vez. É uma questão de sentir-se à vontade.
Quanto ao caso da mulher que se sente usada pelo colega de trabalho, o Manual teria várias coisas a dizer. A primeira é que sexo no ambiente de trabalho recomenda cuidados adicionais. Se algo der errado você está condenada – ou condenado – a conviver com o erro muito de perto. Ou saber que as pessoas em voltas estarão falando sobre ele. Isso não mata, mas chateia. Logo, escolha com muito cuidado, sempre em benefício das pessoas discretas. Quem fala demais acaba contando o que não deve.
A juventude do sujeito não é necessariamente um problema. Há homens galinhas de 20, 30, 40 e 50 anos. E caras centrados com as mesmas idades. Diferenciar um do outro é um problema que pode revelar-se complexo. O único jeito que eu imagino é conversar repetidamente, ouvir bastante e observar um monte. Se o interesse pelo sujeito estiver crescendo e o desconfiômetro não tiver disparado, o Manual recomendaria avançar para a próxima casinha – sabendo que, ainda assim, existe risco de ficar lá sozinha, meia hora depois.
As mulheres para quem esse tipo de encontro deu errado costumam reclamar, com alguma razão, que o sujeito insistiu até quebrar a resistência delas e depois foi tragado pelo elevador e parou de mandar emails picantes. A ênfase na queixa é sobre a insistência do sujeito. Mas é uma queixa boba, não? Insistir significa apenas que o homem está sexualmente interessado. Ele mesmo não sabe (ninguém sabe) se o interesse vai resistir à realização do desejo. Neste terreno, diria o Manual, quem dá garantias está mentindo e quem acredita nelas está querendo se enganar. Este, aliás, é um bom teste de caráter: o sujeito que acena com promessas para seduzir uma mulher com quem nunca transou é leviano, mentiroso ou totalmente ingênuo a respeito de si mesmo. Deveria ser visto com cautela dentro ou fora do ambiente de trabalho. Com qualquer idade.
Acho que já está estabelecida a utilidade do Manual de Etiqueta Sexual. E a sua necessidade me parece evidente. Agora só falta convencer a Danusa a escrevê-lo. Ou voltar, aqui mesmo, a discutir os próximos verbetes. Você podem sugeri-los. Vai quer a gente corrige o mundo assim, letra por letra, tópico por tópico, como queriam os primeiros enciclopedistas.
(Ivan Martins)
Revista Época
Vocês podem achar que é uma piada, mas a existência de um código comum tornaria muito mais fácil a existência de milhões de pessoas. Saia por aí conversando, como eu faço, e verá o alto nível de incompreensão que existe nas relações entre homens e mulheres. A insatisfação entre as mulheres jovens e solteiras, por exemplo, é só um pouco menor do que a registrada na Líbia antes do levante contra Muamar Kadafi. Elas acusam os homens de egoísmo, grosseria, mentiras e preconceito – e respondem a isso com a elaboração de esteriótipos que transformam quase todos os homens em canalhas insensíveis.
Dois exemplos recentes capturam o clima de dúvida e indignação.
Uma moça que eu conheço foi a uma festa de formatura na sexta-feira e conheceu lá um cara atraente, simpático e, segundo ela, bastante inteligente. Rolou um clima, rolaram amassos intensos e a moça – que não estava na cidade dela – acabou na porta do hotel como quem para na ponta de uma plataforma de 10 metros e vê a piscina lá embaixo, azul, linda e minúscula. Ai que vontade de pular, ai que medo. Ela não pulou e voltou para São Paulo no dia seguinte, semi-arrependida. “Eu gostei do cara, mas não o conhecia”, me disse depois. “Se eu transasse na primeira vez e ele fosse um idiota, iria pensar que eu sou uma vagabunda.” Ela preferiu não correr esse risco. Até a noite de ontem estava esperando ansiosa que o rapaz ligasse. Ligar para ele? “Não, nem pensar.”
A outra história envolve uma mulher com pouco mais de 30 anos. Depois de ser cortejada insistentemente por um colega de trabalho mais jovem, ela acabou cedendo – para ver o sujeito cair fora uma ou duas vezes depois, sem despedidas ou explicações. O cara simplesmente sumiu. Ela está humilhada e furiosa, sentindo-se boba e barata. Imensamente ressabiada em relação aos homens em geral. “São todos iguais, uns idiotas, não sei como eu fui cair nessa.” Ela se queixa de que o sujeito poderia ter “conversado direito”. Diz que a “grossura e a covardia” dele tornaram tudo pior. Eu já escrevi outro dia que não há forma boa de ser rejeitado, mas algumas são mesmo piores do que as outras.
Acho que O Manual da Etiqueta Sexual poderia ajudar nos dois casos.
Nele, a primeira moça leria – eu imagino – que transar ou não na primeira vez é estatisticamente irrelevante para o futuro da relação. Pode ser tanto o começo de um casamento feliz (como já aconteceu comigo) como o fim melancólico ou feliz de uma noitada. E só. Isso depende menos das supostas qualidades morais do sujeito que da intimidade que se estabelecer entre os dois. Há coisas que você deseja repetir e outras que não deseja, como as mulheres bem sabem. Quanto a se expor ou não a um idiota, eu simpatizo com a dúvida. Deve ser detestável cair na conversa de um cara que, consumado o ato, mostra-se apenas um colecionador vazio e um exibicionista. Mas existe a chance, também, de que, não sendo um energúmeno machista, a decisão rápida da mulher envaideça o sujeito e o faça sentir-se especial, o que pode ser intensamente sedutor. Quem já passou por isso sabe que é bom sentir-se irresistível, ainda que seja para uma única pessoa no planeta.
Acho que o manual da Danusa, se existisse, concluiria sobre esse assunto o mesmo que diz uma mulher que eu adoro: se o sujeito acha que uma garota que dá na primeira vez não serve para ele, então ele certamente é um conservador que não serve para mim. O teste é eliminatório para os dois. Uma última observação nesse verbete registraria, em benefício dos homens modernos afobados, que tampouco existe algo errado em não dar na primeira vez. É uma questão de sentir-se à vontade.
Quanto ao caso da mulher que se sente usada pelo colega de trabalho, o Manual teria várias coisas a dizer. A primeira é que sexo no ambiente de trabalho recomenda cuidados adicionais. Se algo der errado você está condenada – ou condenado – a conviver com o erro muito de perto. Ou saber que as pessoas em voltas estarão falando sobre ele. Isso não mata, mas chateia. Logo, escolha com muito cuidado, sempre em benefício das pessoas discretas. Quem fala demais acaba contando o que não deve.
A juventude do sujeito não é necessariamente um problema. Há homens galinhas de 20, 30, 40 e 50 anos. E caras centrados com as mesmas idades. Diferenciar um do outro é um problema que pode revelar-se complexo. O único jeito que eu imagino é conversar repetidamente, ouvir bastante e observar um monte. Se o interesse pelo sujeito estiver crescendo e o desconfiômetro não tiver disparado, o Manual recomendaria avançar para a próxima casinha – sabendo que, ainda assim, existe risco de ficar lá sozinha, meia hora depois.
As mulheres para quem esse tipo de encontro deu errado costumam reclamar, com alguma razão, que o sujeito insistiu até quebrar a resistência delas e depois foi tragado pelo elevador e parou de mandar emails picantes. A ênfase na queixa é sobre a insistência do sujeito. Mas é uma queixa boba, não? Insistir significa apenas que o homem está sexualmente interessado. Ele mesmo não sabe (ninguém sabe) se o interesse vai resistir à realização do desejo. Neste terreno, diria o Manual, quem dá garantias está mentindo e quem acredita nelas está querendo se enganar. Este, aliás, é um bom teste de caráter: o sujeito que acena com promessas para seduzir uma mulher com quem nunca transou é leviano, mentiroso ou totalmente ingênuo a respeito de si mesmo. Deveria ser visto com cautela dentro ou fora do ambiente de trabalho. Com qualquer idade.
Acho que já está estabelecida a utilidade do Manual de Etiqueta Sexual. E a sua necessidade me parece evidente. Agora só falta convencer a Danusa a escrevê-lo. Ou voltar, aqui mesmo, a discutir os próximos verbetes. Você podem sugeri-los. Vai quer a gente corrige o mundo assim, letra por letra, tópico por tópico, como queriam os primeiros enciclopedistas.
(Ivan Martins)
Revista Época
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