4.03.2011

MEDICAMENTO, FARMÁCIA, FARMACÊUTICO E O USUÁRIO (Artigo)



Alide Marina Biehl Ferraes, Farmacêutica, Mestre em Saúde Coletiva/Universidade Estadual de Londrina/PR, ferraes@uol.com.br
Luiz Cordoni Junior, Médico, docente do DESC/UEL/PR, Doutor em Saúde Pública

RESUMO


O artigo se propõe a discutir sobre o medicamento, a farmácia, o farmacêutico e o usuário, no processo saúde doença e apontar tendências para o século XXI. O estudo utilizou a problematização e a análise se baseou em textos de Revisão Bibliográfica selecionada. Após leitura crítica, as questões que nortearam a reflexão foram: Frente à indústria do medicamento, é lucrativa a orientação sobre o uso racional do medicamento? O medicamento é mercadoria? A farmácia é um estabelecimento de saúde ou um mero comércio? Qual é o papel do farmacêutico no novo modelo assistencial? A ênfase deve ser no usuário ou no medicamento? Como o conceito de atenção farmacêutica pode ser articulado nos processos de saúde e formação profissional?
O artigo aponta para as possibilidades de resgate do papel, função e valorização do farmacêutico; da farmácia como estabelecimento de saúde com enfoque na atenção básica; e do medicamento como insumo crítico, mas útil para promoção e recuperação da saúde. Destaca a orientação farmacêutica na promoção do uso correto do medicamento e aponta a atenção farmacêutica como possível tendência para uma maior aproximação com o usuário, com vistas à adesão ao tratamento farmacológico e alcance de resultados concretos de melhoria da qualidade de vida. O estudo sugere reflexão sobre a atenção farmacêutica durante a graduação como estratégia na formação do farmacêutico para as novas demandas e enfatiza a necessidade de ampliar as discussões sobre a interação do farmacêutico com os demais profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS).

Palavras chave: farmacêutico e saúde pública; usuário; medicamento; farmácia; atenção farmacêutica.

ABSTRACT

MEDICATION, PHARMACY, PHARMACIST AND THE PATIENT:
tendencies for the 21st century

This article discusses how medication, pharmacy, pharmacist and the patient interact in the disease-health process and points to tendencies for the 21st century. The study used the problematization and the analysis was based in a bibliographic review. After an initial critical reading, the following questions guided the reflection: Given the structures of the pharmaceutical industry, is it lucrative to think in terms of a rational use of medication? Is the medication simply a commodity? Is the pharmacy a health institution or mere commerce? What is the role of the pharmacist in the model of health care? Must the emphasis of the pharmacist’s work be on the medication or the patient? How can the concept of pharmaceutical care be articulated in the health process and in the professional’s training?

The article points to the ways in which the role, function, and value of the pharmacist can be rescued, how the pharmacy can work as a health institution in terms of primacy care, and how the critical role of medication both as product and as key to health promotion and recovery. It highlights the need of pharmaceutical guidance in promoting the correct use of medication and suggests that pharmaceutical attention helps the patient to maximize treatment adherence and concrete improvement in the quality of life. The article suggests that the question of pharmaceutical care be integrated in the pharmacist’s academic training so that she might be able face the new demands. It also emphasizes the need to widen the discussion of the interaction of the pharmacist with other professionals within the universal health care system (SUS).

Keywords: Pharmacist and Public Health; Patient; Medication; Pharmacy; Pharmaceutical Care.
Introdução

Atualmente, a farmácia e o farmacêutico têm sido alvos de uma série de discussões quando entram em cena aspectos relacionados à saúde (ou não!) da população. Estes aspectos dizem respeito a medicamentos falsificados, empurroterapia, preço abusivo de medicamentos essenciais, genéricos, livre concorrência no mercado de trabalho, propagandas transformando o medicamento em mágica curadora de todas as doenças, sem nem ao menos alertar para possíveis efeitos indesejados que podem ser provocados pelos mesmos, enfim, um grande incentivo ao consumo de medicamentos (FERRAES, 2001).

O século passado foi marcado com grandes avanços científicos e tecnológicos em diversas áreas inclusive na industrialização dos medicamentos. Por outro lado, a formação universitária não tem seguindo o mesmo ritmo e capacita profissionais que, na maioria das vezes, têm dificuldade de se adaptar às exigências da sociedade. Isto porque, os estudos concentram teoria e as ações subseqüentes acabam não contemplando a realidade e a demanda social (FERRAES, 2001).

Além disso, a indústria farmacêutica – hoje uma grande potência mundial – tornou-se capaz de exercer um “poder generalizado”1 sobre o ser humano. Este poder acaba submetendo muito sutilmente os indivíduos das mais diversas classes a um tipo de controle social. Conforme Cohen apud Chammé (1997), o
controle social é, na verdade, uma extensão do processo de socialização. Refere-se aos meios e métodos usados para induzir uma pessoa a corresponder às expectativas de um grupo particular ou da sociedade mais ampla. Se o controle social é exercido com eficiência o comportamento do indivíduo será consistente com o tipo de comportamento esperado.
O poder da indústria farmacêutica é alimentado pelo marketing, propagandas duvidosas, muitas vezes ou quase sempre enganosas, publicidade que oferece tipos ideais e perfeitos de medicamentos sempre de última geração, cada vez mais potentes (e mais caros!) do que aqueles que os antecederam. A propaganda de medicamentos acaba sendo um grande estímulo ao usuário, levando-o a comprar os produtos anunciados, e fazendo-o pensar que pode ter todos os seus problemas resolvidos com esta compra. Triste e cara ilusão para alguns! Mas, certamente lucro real para outros! A propaganda de medicamentos acaba induzindo muitas pessoas a comprarem sem haver real necessidade. Este tipo de procedimento gera lucro para a farmácia e para a indústria farmacêutica, mas pode prejudicar, sem sombra de dúvida, quem comprou o medicamento.

A grande ênfase na doença, as tentativas de fazer de tudo para encontrar e ter sempre mais saúde para as pessoas, o produto final que pode ser comprado para se ter saúde e o consumidor deste produto, não mais visto como usuário, contribuem para desvirtuar o papel tanto do medicamento, como da farmácia e do farmacêutico.

Este artigo se propõe a discutir sobre o medicamento, a farmácia, o farmacêutico e o paciente, no processo saúde doença e apontar tendências para o século XXI, utilizando a problematização. O estudo se baseia em textos de Revisão Bibliográfica, selecionados para leitura crítica e reflexão.

Problematização

Quando observamos esta triste realidade mercantilista, nos deparamos com problemas que merecem ser aprofundados, na tentativa de compreendê-los e assim, em alguma etapa deste processo, vislumbrar alternativas viáveis para superar os mesmos. Poderíamos nos perguntar: porque existe um incentivo tão grande ao consumo de medicamentos? O medicamento é o quê, afinal? É um meio a ser utilizado para uma determinada finalidade relacionada ao bem estar do usuário, ou o medicamento é mais uma mercadoria lançada no mercado e considerada como tal? A farmácia é um estabelecimento de saúde ou um mero comércio de medicamentos? Como o profissional farmacêutico pode atuar com qualidade dentro da Farmácia? Que aspectos devem ser observados? A ênfase deve ser no usuário ou no medicamento? Como o conceito de atenção farmacêutica pode ser articulado nos processos de saúde e formação profissional?

O medicamento deve ser encarado como um meio, uma estratégia para o processo de cura ou reabilitação de um paciente. Conforme o relatório final da CPI do Medicamento publicado em abril de 1996 e citado por Rech, em Pronunciamento da Federação Nacional dos Farmacêuticos na Câmara Federal, o medicamento
não pode ser tido como uma mercadoria qualquer, à disposição dos consumidores e sujeito às leis do mercado. Ele é, antes de tudo, um instrumento do conjunto de ações e medidas utilizadas para a promoção e recuperação da saúde (Rech,1996b, p. 14).
Mas, na era do capitalismo, esta qualidade do medicamento infelizmente tem-se descaracterizado. Chammé (1997), ao discutir sobre o processo saúde/doença, ressalta que os meios de comunicação para as massas são eficazes e potentes, uma vez que estas acabam sendo as compradoras das sedutoras mercadorias do capitalismo. Conforme Marcondes Filho apud Chammé (1997, p.4), [...] as pessoas não se realizam de fato sob este modo de produção econômico em que vivem. O domínio do capital transforma tudo em mercadoria e penetra até nos espaços mais escondidos.

Neste sentido, se a saúde e a doença forem considerados produtos que devem ser adquiridos e consumidos ou até descartados, os usuários estarão diante de mais um bem ideologizado pela mídia e moda capitalista (CHAMMÉ, 1997). O mesmo pode acontecer com o medicamento que é idealizado pela mídia e moda capitalista. Nesta perspectiva, o medicamento também se torna mais um produto, uma simples mercadoria que tem grande valia e um preço. E esta mercadoria pode ser facilmente adquirida em alguns supermercados, lojas de conveniência e até em mesmo em farmácias!
Em analogia à frase de Chammé (1997): Frente à indústria da doença, seria lucrativa a instalação da saúde? Os questionamentos que surgem nas nossas mentes são: “Frente à indústria do medicamento, seria lucrativa a terapia não medicamentosa?” ou “Frente à indústria do medicamento, seria lucrativa a orientação sobre o uso racional do medicamento?”

O Brasil se encontra atualmente entre os dez maiores mercados consumidores de medicamentos de acordo com dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), publicados em novembro de 1998. Os dados referentes à Saúde no Brasil possibilitaram uma visão global da situação relacionada aos medicamentos. O interessante é como se processa este consumo. Mais da metade da população brasileira (51%), com renda até quatro salários mínimos, é responsável pelo consumo de somente 16% dos medicamentos produzidos, enquanto que uma minoria de 15% da população tem renda superior a dez salários mínimos e consome 48% da produção de medicamentos (BRASIL, 1999; PESSINI, 2000). Este fato evidencia claramente que, por razão sócio-econômica, o acesso à terapia medicamentosa não ocorre de forma igual na população, ficando comprometido para milhões de brasileiros.

A farmácia é por sua natureza um centro prestador do serviço público onde há, além da distribuição de medicamentos, atenção à saúde da população (SANTOS, 1998b, p.11). Existe uma concordância de alguns autores sobre a importância de se integrar a Farmácia ao Sistema Sanitário, na tentativa de contribuir na atenção primária à saúde, através da participação em programas de prevenção e promoção da saúde (ZUBIOLI, 1996b; SANTOS, 1998a; MOTA et al., 2000).

A farmácia, que poderia ou deveria ser um estabelecimento de saúde, local também de atenção primária, acaba se tornando um comércio de medicamentos. Rech (1996a) ao se pronunciar sobre assistência farmacêutica destaca a qualidade da orientação farmacêutica em contrapartida ao interesse mercantilista de alguns proprietários leigos de Farmácia, que ao pensarem somente no lucro acabam induzindo ao consumo desnecessário e irracional de medicamentos. Da competição entre Farmácias, cada uma querendo vender o seu produto surge a empurroterapia (CARLINI, 1996; RECH, 1996a), que pode ser barrada quando o farmacêutico desempenha uma orientação adequada.

Em relação aos interesses econômicos prevalentes no Brasil, Rech (1996b) comenta que [...] a lógica puramente mercantilista, sobre a qual predominam os interesses particulares e a busca incansável e sem limites de lucro fácil, traz consigo distorções evidenciada no âmbito social, uma vez que os interesses coletivos são relegados aos esquecimentos. Com base nestas considerações do citado autor, são claramente perceptíveis os diversos interesses que geralmente sustentam a criação em profusão de farmácias, desconsiderando, muitas vezes, as necessidades da população. Assim, a farmácia isolada dos outros serviços de saúde, transformou-se em local de comercialização de mercadorias (com algumas raras exceções), onde o consumo é considerado indispensável e altamente rentável. Certamente, esta situação vai ganhando vulto à medida que mais e mais farmácias recebem o alvará de funcionamento fornecido pelas prefeituras das cidades, e enquanto não forem respeitados os Regulamentos sobre as propagandas de substâncias e medicamentos constantes na Portaria 344 de 12 de maio de 1998. A citada Portaria aprova o Regulamento Técnico sobre Substâncias e Medicamentos Sujeitos à Controle Especial, e no capítulo XI, no artigo 91 expõe o seguinte sobre a propaganda de medicamentos:
A propaganda de substâncias e medicamentos, constantes das listas deste Regulamento e suas atualizações, somente poderá ser efetuada em revista ou publicação tecno-científica de circulação restrita a profissionais de saúde (BRASIL, 1998, p.17, grifo nosso).

Os aspectos legais relacionados à abertura de farmácias são amplamente discutidos por Zubioli (1992). É lamentável que no Brasil muitas farmácias estejam descompromissadas com a saúde das pessoas a tal ponto de terem se tornado, exclusivamente, estabelecimentos que simplesmente comercializam os medicamentos. Parece que o compromisso social com a qualidade de vida da população praticamente inexiste. E, o usuário do medicamento nestas farmácias tornou-se só mais um consumidor, que para ser conquistado é atraído pelo olhar, propagandas, promoções, etc, além de vitrines maravilhosas com vidros e espelhos por todos os lados. A indústria farmacêutica tem grande interesse nessas farmácias, uma vez que elas acabam funcionando de intermediárias repassando os produtos farmacêuticos ao consumidor. Diante de todas estas considerações, se quisermos uma farmácia de interesse social e não somente um comércio com altos lucros, torna-se claro que o próprio farmacêutico tem uma grande tarefa devendo fazer parte de todo o processo de assistência à saúde.

O farmacêutico é o profissional capacitado para orientar educar e instruir o paciente sobre todos os aspectos relacionados ao medicamento (CARLINI,1996; RECH,1996a; PERETTA; CICCCIA, 1998). O papel do farmacêutico é importantíssimo no novo modelo assistencial onde a ênfase é atenção primária à saúde (MOTA et al., 2000). Na maioria das vezes, ele é o último profissional a ter contato direto com o paciente (ZUBIOLI, 1996a; RECH, 1996b) assistindo-o em todas as suas dúvidas antes de dar início ao tratamento. O diálogo com o paciente é necessário até para motivar o cumprimento do tratamento (FERRAES, 2001; 2002). Ferraes e Cordoni Jr (2001), mencionam que a orientação é um processo vital quando se visa a adesão do paciente ao tratamento.

Em locais onde não há assistência farmacêutica, só armazenamento e distribuição de medicamentos, os usuários não recebem o repasse das orientações esclarecedoras quanto aos cuidados na administração do medicamento (PAIVA FILHO, 1998, p.17). Cabe lembrar que a assistência farmacêutica é o termo utilizado na Política Nacional de Medicamentos para designar o grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade. Fala-se em ciclo de assistência farmacêutica, composta pelas fases: seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição, prescrição e dispensação do medicamento (BRASIL, 1999).

A condição essencial para o sucesso de qualquer tratamento depende da qualidade da orientação que é fornecida ao usuário sobre a utilização correta do medicamento. A ausência desta orientação, conforme Rech (1996b, p, 15), [...] tem sido uma das causas mais freqüentes de retorno de pacientes aos serviços de saúde, acarretando mais sofrimento à população e onerando ainda mais o sistema de saúde.
Provavelmente estas considerações sobre a ausência de uma orientação adequada no momento da dispensação do medicamento ao usuário, pode contribuir favorecendo a situação que Chammé (1999, p.9) descreve como “processo de metamorfose de simples usuário dos serviços públicos de saúde, à condição de poliqueixoso.” , referindo-se à figura típica do usuário que insistentemente se mantém “rotinizado e, de queixa em queixa, vá tentando encontrar resolutividade e eficiência para os males que o acometem.”

É importante destacar a importância do papel que o farmacêutico desempenha na dispensação, orientando o usuário sobre o uso correto do medicamento, esclarecendo dúvidas e favorecendo a adesão e sucesso do tratamento prescrito (RECH, 1996a; CARLINI, 1996; FERRAES, 2000; 2001; 2002; FERRAES; CORDONI, 2001; PERETTA; CICCIA, 1998). Mota et al. (2000) quando se referem ao “Farmacêutico na Saúde Pública” consideram o farmacêutico como o profissional de saúde com maiores responsabilidades na cadeia da automedicação, sendo importantíssimo o seu papel no novo modelo assistencial com ênfase à atenção primária de saúde.

O tipo de atendimento que o paciente recebe influi de forma decisiva na utilização ou não do medicamento, e, mesmo que o diagnóstico e prescrição estejam corretos, a adesão ou “compliance” do paciente ao tratamento dependem da orientação recebida, da aceitação, da disponibilidade e possibilidade de se adquirir o medicamento (ZANINI et al., 1985). Conforme Zanini et al. (1985, p. 690), compliance é o termo utilizado para definir o nível de aceitação, cooperação e cumprimento das instruções por parte do paciente em relação ao tratamento médico recebido. A tradução mais apropriada na língua portuguesa é “adesão” do paciente ao tratamento farmacológico.

Enfim, não adianta somente ter acesso ao médico e ao medicamento, sendo necessárias as orientações corretas quanto ao uso adequado do medicamento. Zanini et al. (1985, p.691) fazem um comentário bastante interessante neste aspecto e atualmente não consideram suficiente, para o paciente, apenas a prescrição e orientação médica, mesmo quando cuidadosa. Surgem dúvidas que tornam necessário repetir as instruções e, eventualmente complementá-las. Correia Junior (1997) também partilha desta idéia e comenta que o farmacêutico tem as condições necessárias para reforçar as informações sobre a terapêutica do paciente. Sem, contudo, afirmar que, a presença do farmacêutico seja o sinônimo de adesão.

A Política de Medicamentos proposta pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 1999, p.34) destaca alguns dos elementos importantes da dispensação. Estes elementos se referem a ênfase no cumprimento da dosagem, influência dos alimentos, a interação com outros medicamentos, o reconhecimento de reações adversas e as condições de conservação dos produtos.

Existem vários motivos para a não adesão do paciente ao tratamento. Conforme Hardon e Legrand apud Correia Junior (1997, p.11) encontram-se entre estes motivos: as características das drogas em si; a percepção do paciente; e a relação entre o paciente e os profissionais de saúde. Ressalta ainda um sério problema que pode induzir a uma não adesão e que se refere ao próprio paciente. O autor mencionado se refere a quebra de rotina do paciente, com supressão de hábitos (fumar, beber, etc), alteração de alguns (horários de refeições, dormir e acordar) e inclusão de outros (tomar remédios), como grande obstáculo à adesão ao tratamento medicamentoso. Contudo, na prática, percebe-se que estes aspectos podem ser corrigidos ou melhorados quando o profissional farmacêutico estiver inserido na equipe de saúde e quando houver as orientações adequadas sobre o uso racional do medicamento.

Infere-se a partir daí, a importância de um trabalho de equipe de saúde multiprofissional, onde o farmacêutico esteja inserido. Para desempenhar bem sua função, o farmacêutico deverá dispor de informações atualizadas, verdadeiras e embasadas cientificamente. Em relação às necessidades dos recursos humanos em saúde, um comitê de especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1985, citado por Correia Junior (1997) declarou que a procura da saúde para todos, com ênfase na atenção primária de saúde, exigirá a redefinição dos papéis e funções de todas as categorias de pessoal sanitário, incluindo médicos, enfermeiros, farmacêuticos, dentistas ,engenheiros sanitários,dentre outros profissionais.

O termo “Pharmaceutical Care” de Hepler e Strand (1990) é o que mais se aproxima do que conhecemos como atenção farmacêutica. Marín (1999, p. 126) se refere ao conceito como el processo a através del cual un farmacéutico coopera con un paciente y otros professionales en definir, implementar y monitorear un plan terapeutico que producitrá un resultado terapéutico para el paciente.

A partir destes conceitos de Hepler e Strand (1990), e tendo em vista destes novos enfoques na atenção primária e contemplando os profissionais farmacêuticos é elaborado um documento pela OMS em 1993, em Tókio, intitulado “El Papel del Farmacéutico en el Sistema de Atención de Salud” (ORGANIZACIÓN, 1993, p.1) no qual a Atenção Farmacêutica
é um conceito de prática profissional em que o paciente é o principal beneficiário.É o conjunto de atitudes, comportamentos, compromissos, valores éticos, funções, conhecimentos, responsabilidades e destrezas do farmacêutico na prestação da farmacoterapia, objetivando conseguir resultados terapêuticos definidos e qualidade de vida do paciente (ORGANIZACIÓN, 1993, p. 1, grifo nosso).

Atualmente temos relatos de experiências de alguns países que têm tido êxito no modelo de atenção farmacêutica adotada, podendo citar: EUA, Canadá e Espanha (ANTEZANA, 1998; PERETTA e CICCIA, 1998). Na Argentina também temos algumas experiências positivas na atenção farmacêutica (PERETTA; CICCIA, 1998). No Brasil, o conceito tem começado a fazer parte da vida tanto de profissionais, como de acadêmicos de farmácia. Temos, no país o relato de algumas experiências que têm tido êxito, podendo citar os trabalhos desenvolvidos por Alberton et al. (2000) e Marcon et al. (2000).

Romero (1996) destaca as diferenças existentes entre farmácia clínica e atenção farmacêutica. Conforme o autor citado, na farmácia clínica é exercido um ato profissional que consiste em entregar um medicamento ao paciente, com informações suficientes, assegurando que o medicamento é adequado, que a dose é correta, que não há riscos de incompatibilidades, nem interação com outros medicamentos que o paciente esteja tomando ou pretenda tomar. E, na atenção farmacêutica, além do já mencionado, fala-se mais em interação com o paciente e acrescentam-se ainda dois aspectos: estabelecimento de um acordo prévio com o paciente que receberá a prestação de serviço farmacêutico, e necessidade de acompanhamento do paciente para posterior comprovação de resultados. A atenção farmacêutica e sua implantação em farmácias são amplamente discutidas por Peretta e Ciccia (1998).

Em relação à formação dos novos profissionais farmacêuticos, percebe-se que existe a necessidade do tema ser abordado em toda a sua amplitude. Não obstante, docentes dos cursos de farmácia tem demonstrado preocupação em inserir alguma disciplina específica sobre atenção farmacêutica nos cursos de graduação em farmácia. Neste sentido, temos a experiência de Ivama e Petris (2002), Petris (2000) e o estudo desenvolvido por Lorandi (2000). Além disso, pode-se mencionar que a UEL (Universidade Estadual de Londrina/PR), tem ofertado aos alunos dos cursos de medicina, enfermagem e farmácia, uma disciplina especial, visando tanto uma maior integração ensino, serviço e comunidade, como uma experiência interdisciplinar e multiprofissional aos futuros profissionais.

Ao mesmo tempo em que no país amadurece a questão sobre a atenção farmacêutica, conceitos de qualidade, qualidade total, controle de qualidade também começam a fazer parte da vida de cada cidadão sendo almejados e discutidos nas mais diversas situações e cercando tanto profissionais, quanto prestação de serviços dos mais variados. Conforme Rattner (1996), existe atualmente um movimento social em busca de qualidade nos diversos ramos da atividade humana, sendo que neste contexto não é possível excluir a atividade médica nem os demais profissionais de saúde. O farmacêutico deve estar atento a todas estas transformações na busca de qualidade no seu dia - a - dia no seu local de trabalho. Sabe-se, contudo, que nos estabelecimentos de saúde, mais especificamente na Farmácia, nem sempre será possível aplicar integramente os conceitos de qualidade no que diz respeito à plena satisfação do usuário em relação aos medicamentos. Faz-se necessário uma orientação adequada sobre o uso correto dos medicamentos e de um estímulo à adesão ao tratamento proposto para posterior verificação de resultados.
Para obter a qualidade em prestação de serviços, faz-se necessário construir um ambiente especial no local de trabalho, onde a excelência do serviço seja uma missão de todos (RODRIGUES et al., 1996). É muito importante que seja criado um bom ambiente de trabalho, onde toda a equipe se sinta bem; certamente isto refletirá no serviço prestado. Rodrigues et al. (1996) se referem a um serviço de qualidade quando falam da plena satisfação do cliente, sendo que o segredo para que isto ocorra envolve concentração profunda nas necessidades e desejos do cliente, criando um serviço que exceda as suas expectativas. Os mesmos autores comentam ainda que para isto acontecer, o serviço deve ser bem feito e ter um preço justo, além disso, não deve dar lugar a desperdícios. Assim, o cliente, vai consumi-lo novamente e se tornar divulgador daquele serviço e de sua qualidade (RODRIGUES et al.,1996, p.16).

Em relação à implantação da atenção farmacêutica, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS), como nos demais estabelecimentos que dispensam medicamentos num município, considera-se importante que primeiro se estabeleça um perfil das necessidades da população. Além disso, conforme o exposto, é imprescindível, antes da implantação da atenção farmacêutica, a prática de uma dispensação adequada, onde usuários ou pacientes sejam realmente orientados sobre a utilização racional dos medicamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Neste novo milênio, quando praticamente o mundo inteiro se volta para a necessidade de qualidade, faz-se necessário que o profissional responsável pelo medicamento dentro do estabelecimento de saúde motive-se pelo grande desafio de atuar com qualidade no seu dia-a-dia.

As reflexões neste artigo sobre o medicamento, a farmácia, o farmacêutico e o usuário não esgotam os pontos importantes a serem discutidos sobre as possibilidades da atenção farmacêutica. Porém, oferecem alguns subsídios ao profissional farmacêutico antes de implantar a atenção farmacêutica.

O farmacêutico é um profissional comprometido com o bem estar dos que estão à sua volta, com grandes perspectivas de resgate do seu papel, função e valorização no sistema de saúde, através de ações concretas na promoção e prevenção. Considera-se também importante ampliar as discussões sobre a interação do farmacêutico com os demais profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS).

Acreditamos que qualquer mudança na atuação farmacêutica deva partir de uma reflexão de cada profissional a partir de sua realidade prática. É a partir desta conscientização que podem mudar os comportamentos dos profissionais, gerando ações com mais qualidade, inclusive, a possibilidade de implantar a atenção farmacêutica. Nesta conjuntura, é imprescindível orientar o paciente sobre o uso correto do medicamento. E, na interação com o paciente, numa visão holística, tratando-o de forma integral, há grandes possibilidades do paciente acabar sendo estimulando à adesão ao tratamento medicamentoso, e na seqüência implantar a atenção farmacêutica.

O artigo também aponta o resgate da farmácia como estabelecimento de saúde com enfoque na atenção básica; e do medicamento como insumo crítico, mas útil para promoção e recuperação da saúde. Destaca a atenção farmacêutica como possível tendência para uma maior aproximação com o usuário, com vistas à adesão ao tratamento farmacológico e alcance de resultados concretos de melhoria da qualidade de vida. O estudo sugere reflexão sobre a atenção farmacêutica, tanto na atual prática profissional, como durante a graduação como estratégia na formação do farmacêutico para as novas demandas.

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1 CHAMMÉ (1997) comenta que o “poder generalizado”, que é exercido sobre cada sujeito social, assume uma postura de autoridade que expressa a força repressora aos submetidos a esta relação.

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