Marcela Buscato
FICÇÃO POSSÍVEL
Menino posa com buquês de brócolis. Os pais gostariam de ver essa cena em casa, de verdade
Menino posa com buquês de brócolis. Os pais gostariam de ver essa cena em casa, de verdade
Só que o crescimento vertical dos brasileirinhos veio também acompanhado de um vertiginoso crescimento lateral. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que, nos últimos 30 anos, triplicou o número de crianças com idade entre 5 e 9 anos acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje, 33,5% pesam mais do que deveriam. Pelo menos 14% delas já são consideradas obesas.
Alarmados com estatísticas como essas, autoridades de saúde pública, médicos e nutricionistas de vários países passaram os últimos anos esquadrinhando o comportamento e os hábitos das famílias. Descobriram como os costumes alimentares – bons ou ruins – pesam na balança. Acabaram produzindo recomendações para pais que querem rechear o prato e a vida dos filhos de saúde. Nesta edição especial Corpo & Mente, ÉPOCA traz medidas simples e eficazes para melhorar a alimentação das crianças. Apresentamos as raízes psicológicas dos maus hábitos alimentares, descrevemos os cardápios adequados para as crianças e discutimos, por meio de exemplos, como é possível fazer uma boa educação do paladar.
Hoje, o cardápio da maior parte das crianças está desajustado. Elas comem pouco daquilo que deveriam: leite e derivados, frutas e verduras, arroz e feijão. E excessivamente daquilo que não deveriam. O refrigerante substituiu o leite, os lanches tomaram o lugar das refeições, doces e balas são ingeridos a toda hora... O resultado é uma nova forma de desnutrição na abundância. “É o que chamamos de fome oculta”, diz a nutricionista Fernanda Pisciolaro, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica. “As crianças estão carentes de micronutrientes, como vitaminas e minerais, e não de energia.” A sensação é de barriga cheia, mas o corpo sente a falta de nutrientes importantes.
A mudança dos hábitos alimentares está ligada ao aumento da renda das famílias nos últimos anos. O número de crianças obesas e acima do peso aumenta à medida que a renda das famílias cresce (leia o quadro abaixo). Os ponteiros da balança sugerem que, vencida a primeira batalha – pôr comida no prato de milhões de brasileiros –, é preciso atacar um novo problema: a qualidade da alimentação.
Ao se tornar acessíveis, os alimentos industrializados promoveram uma revolução negativa. “O consumo desses produtos virou sinônimo de status”, diz o pediatra Claudio Leone, da Universidade de São Paulo. As refeições ganharam o reforço de massas prontas, empanados de carne, hambúrgueres. Conquistaram as crianças pelo sabor e os pais pela praticidade. “Ficou mais fácil alimentar filhos lançando mão da oferta gritante de alimentos industrializados”, diz a nutricionista Cristina Pereira Gaglianone, da Universidade Federal de São Paulo, atualmente na Universidade Central da Flórida, nos Estados Unidos.
O empenho em aprimorar a alimentação infantil deriva de estudos científicos que mostram como a dieta equilibrada faz mais do que apenas garantir silhuetas esbeltas. Ela também influencia o desenvolvimento da inteligência. Neste mês, pesquisadores da Universidade de Bristol, na Inglaterra, publicaram um estudo que relaciona os hábitos alimentares à inteligência. Numa pesquisa com 4 mil crianças de 8 anos, concluíram que aquelas cuja alimentação era rica em açúcar e gordura tinham 2 pontos a menos no quociente de inteligência. O efeito foi preponderante nas crianças que tinham alimentação pior até os 3 anos, fase em que o desenvolvimento cognitivo é acelerado.
O padrão alimentar também pode favorecer a concentração e melhorar o desempenho escolar. Num estudo com 120 adolescentes, o psicólogo britânico David Benton, da Universidade Swansea, no País de Gales, concluiu que as meninas que consumiam mais junk food tinham deficiência de vitamina B1 e se mostravam irritadiças. Depois de dois meses recebendo 50 gramas diárias da vitamina (que atua no sistema nervoso), as meninas relataram mais disposição e facilidade para organizar as ideias.
Tornar o prato das crianças mais saudável pode ser a chave para prevenir o aparecimento de doenças no futuro. As generosas porções de açúcares e gorduras que fazem refrigerantes, biscoitos e salgadinhos irresistíveis ao paladar também alteram o funcionamento do organismo. Aumentam a quantidade de açúcar no sangue e favorecem o acúmulo de gordura nas artérias, fatores que podem levar a criança a desenvolver doenças como diabetes e hipertensão. “Muitas crianças não são obesas, mas estão com níveis de gordura elevados no sangue, por causa da dieta inadequada”, diz a pediatra Lilian Zaboto.
“A alimentação desregulada de hoje pode originar uma geração de adultos doentes no futuro”, diz a cardiologista Rosa Celia Barbosa, fundadora do projeto Pro Criança Cardíaca, no Rio de Janeiro. Ela nota nas crianças que chegam a seu consultório as consequências da alimentação inadequada. Dos 2 mil pacientes atendidos por sua equipe, pelo menos 50% apresentam nível de gordura no sangue superior ao recomendado. Nos Estados Unidos, o resultado de um estudo conduzido pela pediatra Geetha Raghuveer, pesquisadora da Universidade do Missouri-Kansas, causou surpresa. Geetha analisou a espessura interna das artérias que levam sangue do coração ao cérebro em 70 crianças com mais de 6 anos. Descobriu que, por causa do acúmulo de gordura, as paredes dos vasos tinham 0,45 milímetro, espessura compatível com a de adultos de 40 anos.
Tais estudos sugerem um futuro tenebroso, caso a obesidade infantil não seja contida. Trata-se, porém, de uma realidade que felizmente podemos mudar. A melhor receita para ensinar as crianças a comer direito é uma mistura de educação e informação. Um bom começo você encontra neste especial.
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