4.07.2011

Lesões medulares e a vida sexual

As funções sexuais nas lesões medulares


Introdução
A abordagem desse tema geralmente acontece com um profissional que o paciente sente mais afinidade. Tema este que deve ser conhecido pelo profissional da saúde para aconselhar e esclarecer o paciente da forma mais natural possível.

Profissionais da área da saúde precisam ter cuidado para que as pessoas com incapacidade física possam aprender mais sobre si mesmas, não se limitando a informações focais ou generalizadas, quando não errôneas, a respeito de suas incapacidades físicas. A falta de orientação do paciente, muitas vezes deve-se a falta de orientação profissional.

A trajetória da atividade sexual após lesão medular inclui um período de assexualidade, seguido por um período de redescoberta que ocorre durante o tempo de reabilitação. Apesar de ocorrer um período de “luto sexual” é recomendado um período espera e quando sentir-se pronto dar início à reabilitação da vida sexual.


A resposta sexual masculina
A resposta sexual está diretamente relacionada com o nível e a abrangência da lesão. Da mesma maneira que a função vesical e intestinal, as capacidades sexuais são divididas de modo amplo entre lesões de neurônio motor superior (NMS) e lesões de neurônio motor inferior (NMI).

Capacidade erétil
Há dois tipos de ereção: a reflexogênica e a psicogênica. As ereções reflexogênicas ocorrem em resposta a uma estimulação física externa dos genitais ou períneo. É necessário um arco reflexo intacto (mediado por S2, S3 e S4). As ereções psicogênicas ocorrem por meio de atividade cognitiva, como fantasias eróticas. Elas são mediadas pelo córtex cerebral através dos centros medulares toracolombar ou sacral.

Ejaculação
Há uma incidência mais alta de ejaculação em pacientes com lesões de NMI que em com lesões de NMS, entre lesões de nível baixo versus lesões de níveis mais altos, e lesões incompletas em comparação com completas.

Historicamente, poucos pacientes com lesão medular são capazes de gerar filhos. Esse baixo nível de fertilidade está associado com um comprometimento na espermatogênese e uma inabilidade de ejacular. Contudo, evidências recentes sugerem melhora da resposta ejaculatória e uma qualidade mais alta de sêmen por meio de estimulação vibratória. As amostras produzidas são usadas para inseminações intra-uterinas.

Orgasmo
O orgasmo e a ejaculação são dois eventos separados. O orgasmo é um evento cognitivo, psicogênico, enquanto a ejaculação é um evento físico. Existem problemas metodológicos pela falta de critérios para definir orgasmo, e diferenciar orgasmo de ejaculação e uma explicação fisiológica de como se chega ao orgasmo sendo um paciente com lesão medular completa. Atualmente não existem dados acurados disponíveis sobre os efeitos da lesão medular no orgasmo.

A resposta feminina
As respostas sexuais femininas também seguem um padrão relacionado com a localização da lesão. Em pacientes com lesões de NMS, o arco reflexo permanecerá intacto. Portanto, os componentes do despertar sexual (a lubrificação vaginal, engurgitamento dos lábios e ereção do clitóris) ocorrerão por meio de estimulação reflexogênica, porém a resposta psicogênica será perdida como no homem.

Menstruação
O ciclo menstrual é tipicamente interrompido por um período de mais ou menos de um a três meses após a lesão medular. Depois desse período, o fluxo menstrual retorna ao normal.

Fertilidade e gestação
O potencial para concepção permanece preservado. A gestação deve ser rigorosamente planejada pelo alto risco de comprometimento respiratório. Devido a alteração da sensibilidade, o trabalho de parto não será sentido, mas deverá ser percebido. O trabalho de parto pode precipitar o aparecimento da disreflexia autonômica. Tudo isso pode ser minimizado com um internamento hospitalar prematura antes do parto.

As contrações uterinas são controladas por ação hormonal e não são afetadas pela paralisia, mas a ação da musculatura abdominal estará paralisada, o que poderá aumentar o trabalho de parto em caso de parto natural.

Orientações para reabilitação
Nos casos de lesão medular, o intercurso sexual pode não se processar de modo espontâneo, faz-se necessária uma preparação, como esvaziamento da bexiga, adequação de posição, etc. O deficiente físico pode e deve procurar sua satisfação sexual. A ênfase no genitalismo como única forma de expressão e gratificação sexuais pode ser trabalhada na reabilitação, desde que haja interesse e o movimento seja adequado para o cliente, bem como se faz necessário ter profissionais aptos a trabalharem com as questões emergentes.

A importância de conhecer as zonas erógenas potencialmente causadoras de satisfação após a lesão é aconselhada por diversos autores. Estes autores referem que a sexualidade possui outras implicações, conectadas intimamente com especificidades emocionais, que deve ser explorada por uma atividade diversificada. A alteração da sensibilidade perineal pode ser substituída pela exploração e descoberta de novas zonas erógenas.

Não raramente, a dependência física é acompanhada por dependência emocional, levando o indivíduo a afastar-se do processo de busca de sua integridade psíquica que muitas vezes é abalada. Alguns apresentam atitude de negação da realidade, grandes expectativas, etc.

Alguns comportamentos são esperados, como por exemplo: negação da própria deficiência e depressão reativa conseqüente da perda da autoestima, mas podem, com o tempo e devido tratamento, ser substituídos pela aceitação da realidade.

Existem alguns aspectos que passam por um processo de adaptação e estão fortemente relacionados à sexualidade: imagem corporal, auto-estima e identidade sexual. O ajuste sexual desempenha papel importante, justamente por estar interligado com a auto-estima. Podem aparecer também sentimentos de vergonha, medo, considerando alguns que sua deformidade venha a ser motivo de rejeição social e sexual, podendo acarretar em isolamento por parte do portador de lesão medular, contribuindo para dificuldades no ajuste sexual.

Com a instalação da deficiência, muitas vezes se faz necessário ocorrerem novas adaptações no relacionamento sexual que, se não forem discutidas e experimentadas, poderão resultar numa inadequação sexual, o que pode significar um prejuízo para a reabilitação global da pessoa.

A falta de disposição de um paciente para falar sobre sexualidade não significa, necessariamente, falta de interesse, podendo estar ansioso ou temeroso sobre as implicações sexuais acarretadas pela incapacidade física, ou pode ainda não ser o momento adequado para se trabalhar esse aspecto.

Segundo Krusen, a sexualidade é uma questão que faz parte da saúde e bem-estar de um indivíduo. A reabilitação preocupa-se com o paciente integralmente e, portanto, a sexualidade, como função natural, faz parte desse todo. O processo de ajustamento sexual varia de acordo com cada paciente e depende de alguns fatores, incluindo ajustamento psicológico prévio, qualidade do sistema de apoio, idade, sexo, saúde física, sistema de crenças e tipo de lesão.

Conclusão
A obtenção da satisfação sexual por estimulação dos órgãos sexuais por si só não é determinante da satisfação sexual de forma geral, havendo outros fatores que podem interferir positiva ou negativamente nessa busca, compondo um complexo que pode envolver capacidade criativa, capacidade de imaginação, compreensão da parceira, etc.

A relação sexual da pessoa com lesão medular deve ser fundamentada numa visão ampla de sexualidade, não somente no ato sexual em si, mas em atitudes que englobam sensibilidade espiritual, não somente física, entre comportamentos, emoção e amor. Após uma lesão é necessário redescobrir-se, descobrir a si mesmo, a sua nova condição física e extrair a melhor função apesar das limitações impostas pela lesão.

Pessoalmente, aprendi mais sobre sensibilidade com meus pacientes do que jamais poderia ensinar a eles. Não estou me referindo sobre a sensibilidade que é óbvia, a física e que pode ser testada com um mapa dermatométrico. Falo de sensibilidade de verdade, o sentir o mundo com ternura e afeição. Talvez uma pessoa não possa sentir o toque, o abraço e a caricia como antes, mas certamente ela não perdeu o dom da sensibilidade. Existem outras formas de sentir.

Referências
ALVES, A. S. Um estudo sobre a satisfação sexual de pessoas portadoras de lesão medular. Acta Fisiátrica 6(1): 6-9, 1999.
GARRETT, A. Da actividade sexual à sexualidade após uma lesão medular adquirida. Rev. Da Faculdade de Ciências da Saúde. Porto: 2009.
O’ SULLIVAN, S. Avaliação e tratamento. São Paulo: Editora Manole.
FONTE: http://terapiadomovimento.blogspot.com/Gabriel Duarte de Freitas

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