6.11.2012

Mentes brilhantes


Legado. Lloyd Old e Renato Dulbecco publicaram diversos estudos que contribuíram na luta contra o câncer
Em três meses perdemos dois grandes cientistas: Lloyd Old (1933-2011) e Renato Dulbecco (1914-2012).
Em 1978 fiz uma palestra no Departamento de Imunologia do Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, na qual discuti uma pesquisa que fazíamos com BCG oral no tratamento do melanoma maligno, no Hospital do Câncer de São Paulo. Na primeira fileira, um médico de terno azul-marinho impecável, alto e jovial, parecido com Clint Eastwood, anotava tudo. No final, fez diversas perguntas e se apresentou.
Custei a acreditar: era Lloyd Old, um dos pais da imunologia do câncer e da imunoterapia com BCG nos tumores malignos. Old nasceu em São Francisco e se formou em Berkeley. Em seguida, foi para o Sloan-Kettering especializar-se num campo que se achava na infância: a imunologia do câncer. Nos anos 1960, ele, Edward Boyse e Elizabeth Stockert iniciaram estudos para avaliar a função das células linfoides (um dos tipos de glóbulos brancos) normais e malignas. Essas pesquisas levaram à descoberta de diversos receptores e antígenos existentes na superfície dessas células.


A identificação desses antígenos alimentou nele o desejo de entender de que forma o sistema imunológico poderia rejeitar tumores, ideia adormecida desde as primeiras décadas do século XX. Em seu laboratório foi descoberto o tumor necrosis factor (TNF), proteína produzida pelas células linfoides, dotada de inúmeras propriedades, inclusive a de destruir células tumorais.
Nos anos 1980, decidido a aplicar em seres humanos os conhecimentos adquiridos com camundongos, criou um banco de células de melanoma maligno, por meio do qual demonstrou que pacientes capazes de exibir determinadas respostas imunológicas contra as células tumorais evoluíam melhor. Visionário, entendeu a necessidade de considerar a clínica como um laboratório, em que fosse possível avaliar o funcionamento do sistema imunológico dos pacientes com câncer, com a finalidade de desenvolver vacinas contra a doença.
Em 2001, teve papel decisivo na formação do Cancer Vaccine Collaborative (CVC), criado para testar vacinas em ensaios clínicos de imunoterapia no câncer. Em novembro de 2011, Lloyd Old faleceu de câncer de próstata.
Renato Dulbecco nasceu em Catanzaro, no sul da Itália. Antes da Segunda Guerra Mundial, trabalhou no célebre laboratório de Giuseppe Levi, em Turim, com Rita Levi-Montalcino e Salvador Luria que, como ele, emigraram para os Estados Unidos, país onde os três ganhariam o Nobel de Medicina. Dulbecco começou estudando fisiologia das bactérias, mas, nos anos 1950, seu interesse tomou a direção das viroses dos animais. Em especial, procurou entender os mecanismos por meio dos quais os vírus transformavam células normais em malignas.
No Instituto Salk, na Califórnia, foi o primeiro a demonstrar que o DNA dos vírus conseguia integrar-se no DNA da célula normal, transformando-a em maligna, pesquisa que lhe deu o Nobel de 1975. Depois do prêmio, Dulbecco decidiu trabalhar câncer de mama, área na qual permaneceu até falecer em fevereiro deste ano. O último de seus trabalhos foi publicado em 2008, quando estava com 94 anos.
Sua contribuição maior, no entanto, foi um artigo na revista Science em 1986, com o título: “A turning point in cancer research: sequencing the human genome”. Nele, afirmava: “Temos duas opções: tentar descobrir os genes envolvidos nos processos malignos: encontrar um por um ou sequenciar o genoma inteiro”.
A segunda estratégia lhe parecia a melhor opção. Sua influência nos meios científicos foi decisiva para o esforço internacional que criou o Projeto Genoma iniciado em 1990 e terminado em 2003, dois anos antes do previsto. Dulbecco viu nascer a revolução provocada pela biologia molecular, campo do qual participou ativamente nas áreas de viroses animais, biologia celular dos mamíferos e formação de tumores malignos. Pouquíssimos pesquisadores que viveram esses dias publicaram tanto e tão intensamente como ele.
Por Drauzio Varella

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