8.14.2012

Você sofre de insônia?

 Saiba como é o diagnóstico e o tratamento de um dos distúrbios do sono mais comuns

A insônia é ardilosa, rouba anos de vida, deixa a memória lenta, ataca o coração e engorda. CLAUDIA acompanhou os exames de uma mulher que passou oito noites sem dormir e conta como ela se livrou do problema
Patrícia Zaidan em 14.08.2012

saude-insonia
Silvia Ruby é monitorada por eletrodos enquanto repousa( Foto: Filipe Redondo
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No pronto-socorro, transtornada, a gestora ambiental Silvia de Araújo Ruby, 36 anos, depositou a última esperança: “Não sei que especialidade médica pode me ajudar nem de que remédio eu preciso. Sinto que vou enlouquecer se não me apagarem agora”. Num fôlego, continuou o relato: “Estou há oito noites sem dormir; meu pensamento é confuso, não tenho memória”. A imagem que ela passava era de um misto de cansaço, aceleração e euforia. O plantonista “desligou” Silvia com um coquetel que ela, depois, descreveu como um sossega-leão. “Dormi pesado, acordei com uma sensação de ressaca, raciocínio lento e corpo imprestável.” O episódio pegou Silvia – casada, mãe de Leonardo, 9 anos, e Ana Beatriz, 7 – numa maratona profissional. Em 2010, empenhava dez, 11, 13 horas tentando soluções para os clientes. Para atendê-los, rodava São Paulo inteira ao volante. Seu negócio é criar projetos que envolvem acondicionar, transportar e depositar lixo contaminado ou perigoso antes que ele atinja o solo, os rios, as pessoas. Os contratos só cresciam. “Eu tinha que ter alternativas brilhantes. Sou capaz disso, mas a falta de concentração me impedia de pensar.” A empresa era ela mesma, não podia contar com ninguém. As coisas pioraram quando uma indústria, atolada em dívidas, deixou de pagá-la – a falta de dinheiro agrava a aflição dos insones, faz a ansiedade e a irritabilidade galoparem. Depois de rolar na cama, Silvia seguia para a sala; via três filmes. “Tomava um banho e ia para o escritório, que tinha em casa, lutar com as ideias.” A gestora frequentou sessões de reiki, bebeu chás naturais, pesquisou um serviço de hipnose e... nada.
Fisiologicamente, é impossível ficar oito noites sem dormir. No entanto, na crise que a levou ao pronto-socorro, a percepção de Silvia foi real. “Ela não descansou. Manteve a atividade mental de forma tão intensa que concluiu ter ficado acordada 100% do tempo. E, de fato, esteve alerta na maior parte dele”, explica a fisioterapeuta Carolina D’Aurea, que a acompanha até hoje. Por que uma fisioterapeuta? A gestora ambiental não se tratou com remédios, mas com alongamento, orientado por Carolina. Em geral, a insônia é atacada com drogas benzodiazepínicas ou com hipnóticos, como Stilnox Lioram e Imovane. Mas, como causam efeitos colaterais – e alguns, dependência –, os estudiosos tentam, quando possível, abordagens mais saudáveis. Para isso, desde fevereiro de 2011, Carolina estuda três grupos na Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (Afip), parceira da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde Silvia aportou. Uma turma faz alongamento; a outra, musculação; e a terceira é apenas observada. Dos 30 voluntários, só três são homens. “A insônia é mais frequente em mulheres, submetidas a todo tipo de stress e desafios da vida contemporânea”, diz a pneumologista Lia Rita Azeredo Bittencourt, diretora clínica do Instituto do Sono, da Afip. Na infância, elas já são mais alertas. Com tendência maior à ansiedade e depressão, acabam tendo sono pior. Se a insônia é fugaz, causada por algo pontual, tudo se normaliza em três dias. Mas a do tipo crônica primária, que ocorre por três meses seguidos, é uma doença preocupante. Esse é o diagnóstico de Silvia. No projeto de Carolina, ela passou por um checkup, que descartou todos os problemas físicos que poderiam impedi-la de dormir. Silvia, então, frequentou por quatro meses sessões de alongamento – que relaxa e libera serotonina, neurotransmissor ligado ao humor – e obteve melhora significativa. “Cheguei a adormecer às 23 horas, algo impossível desde a minha adolescência agitada.”
No dia 9 de maio, dez meses após o tratamento, Silvia voltou ao instituto para nova polissonografia, que avaliaria o seu sono, sem o alongamento. O exame não é invasivo: sensores no corpo registram as variáveis eletrofisiológicas. O técnico Bruno Pinheiro, 24 anos, a recebeu às 21h30 e a levou para um quarto confortável. Uma câmera estava pronta para captar as imagens e transmitilas a um monitor, na sala de controle. Silvia tomou banho, vestiu o pijama e esperou que Bruno afixasse dezenas de eletrodos, das pernas à cabeça.

Dormir no laboratório
Lia Bittencourt comandou duas pesquisas em 2007. Uma, por meio de questionário aplicado pelo Datafolha, em 150 cidades, concluiu: em 68% delas havia queixas de pelo menos um dos sintomas de sono ruim, que são ronco, dificuldade de iniciar e manter o repouso, pernas inquietas, ranger de dentes. O outro estudo levou 1 042 paulistanos ao instituto para a polissonografia. Dessa amostra, um retrato da capital paulista, um terço tinha apneia (parada respiratória momentânea, comum nos homens); 16% sofriam de insônia crônica (na maior parte, mulheres de 35 a 45 anos); e 10% de bruxismo (apertar as arcadas dentárias). Neste ano, o mesmo grupo voltará para reavaliação. Os estudiosos querem saber quem obteve melhora ou se os distúrbios acarretaram outras doenças. Por exemplo, diabetes. A privação de sono interfere na ação da insulina, que equilibra o nível de glicose, fato comprovado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ratos mantidos em alerta no laboratório gaúcho tiveram as taxas de açúcar no sangue elevadas. Os insones ainda são propensos a doenças cardiovasculares. Pesquisadores ingleses das universidades de Warnick e de Londres notaram, em 4,6 mil voluntários, que quanto menor o repouso, mais marcadores, no sangue, para cardiopatias – a adrenalina aumenta, acelera a frequência cardíaca e a pressão arterial.
Se dormimos mal, não atingimos a quarta etapa do sono, ou REM (sigla em inglês para movimento rápido dos olhos). “Demoramos uma hora e meia para alcançá-la. É quando sonhamos e também são restauradas as células, a capacidade cognitiva e a produção hormonal”, afirma o neurologista Fernando Morgadinho, da Unifesp. Segundo sua explicação, o corpo entende que noite é descanso. Aí, o núcleo supraquiasmático – centro nervoso que recebe da retina a informação de que escureceu – aciona a glândula pineal para produzir melatonina, indutora do sono. Ao clarear, ela diminui e aumenta o cortisol, substância que mobiliza o corpo para a rotina. Se a mulher não está em paz com a melatonina, surgem problemas. Cientistas americanos da Universidade de Saint Louis observaram que muita luz – incluindo a da TV e do computador – pode alterar o ciclo menstrual. A melatonina ajuda a liberar hormônios sexuais femininos.
Menos sono significa obesidade. O neurologista Walter Moraes, da Unifesp, adaptou balanças hipersensíveis em camas onde 16 voluntários dormiram. “A pessoa perde mais peso na fase N3 do sono, a de ondas lentas. Numa boa noite, um homem de 70 quilos emagrece até 700 gramas, e uma mulher de 50, quase 400 gramas”, diz. “Ao longo do dia, voltam a recuperar as medidas. É um ciclo de perda e ganho, que deve ser respeitado.”
A secretária Eliane de Lima, 33 anos, não vinha cumprindo esse ciclo. Com 1,55 metro, pesava 80 quilos. “Tenho três filhos elétricos, de 10, 7 e 4 anos. Um bebê nascia, trocava o dia pela noite; logo chegava outro, no mesmo ritmo. A casa passou a funcionar mais à noite; eu não descansava”, conta. Na insônia, deixamos de produzir leptina, o hormônio da saciedade, que avisa ao cérebro a quantidade de tecido adiposo – e a gordura vai acumulando. Outro fato: “O GH, hormônio que interfere na massa magra, se retrai”, diz Walter. Logo, sobra massa gorda. Soma-se a isso o mecanismo ligado ao apetite. “Os insones têm mais fome e tendem a comer na madrugada.” Eliane lembra que, irritada e nervosa, atacava a geladeira para compensar. “Entendido isso, disciplinei as crianças, que fazem mais atividades e chegam cansadas. Passei a me exercitar, a dormir e consegui fechar a boca. Perdi 10 quilos em um ano.”
A mulher que não elimina a insônia chega à menopausa com os sinais agravados. “A progesterona e o estrógeno, que a protegem e ajudam a ter sono melhor, diminuem. A testosterona aumenta e os sintomas ficam parecidos com os do homem. Aparecem, então, ronco e apneia”, afirma a médica Helena Hachul, do Departamento de Ginecologia da Unifesp. Ela orienta a tese de mestrado da enfermeira Denise Oliveira, que defende a aplicação de tui-ná, massagem chinesa com os princípios da acupuntura, no climatério e na pós-menopausa. Romilda Lourenço, 62 anos, professora, era acordada por ondas de calor terríveis. “Li no jornal que a equipe recrutava voluntárias e fui às sessões de tui-ná. Saía leve”, lembra. As manobras, segundo Denise, são de pressão, aquecimento e vibração nos canais de energia. “Melhoram a circulação e relaxam.”
Casamento em risco
O quadro de Helenice Martini, 55 anos, consultora imobiliária, requer mais do que terapias milenares. Há dois meses, ela usa o aparelho Continuous Positive Airway Pressure (CPAP) para dormir. Com a máscara nasal, ela aboliu a apneia e o ronco. Supostamente por causa deles, o marido a deixou. “Eu só chorava, fiquei magoada com a incompreensão.” No trabalho, outro sufoco: “Ao subir escadas para mostrar um imóvel, ficava cansada, não aguentava o peso do laptop”. O aparelho devolveu vitalidade a ela. “Quando arrumar um namorado, vou dizer que o CPAP dormirá entre nós”, diz. A fisioterapeuta Camila Rizzi explica que o equipamento leva ar aos pulmões na inspiração e expiração. Normaliza o oxigênio no sangue, que falta na pa rada respiratória (causadora do microdespertar), e acaba com o ruído das vias respiratórias obstruídas.
No quarto de Silvia, no instituto, o exame terminou às 6 horas do dia 10 de maio. A análise durou cinco horas e meia. Colheram o sangue, ela saiu de terninho e cabelo arrumado. O resultado do seu hipnograma: tudo nos parâmetros. Ela demorou 25 minutos para dormir; a eficiência do sono atingiu 91% (o ideal é 85%); ficou só seis minutos acordada e teve 37 microdespertares, que ela nem percebeu. A única alteração: o sono REM deveria estar entre 20% e 25%, mas ficou em 16,9%. “A redução justifica a queixa dela, de memória e concentração ainda menores”, diz a fisioterapeuta Carolina. “Considerando que está há meses sem se alongar, ela manteve a melhora.” Silvia Ruby ficou feliz – e cogitou retomar o hábito de se espichar.

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