Sistemas de saúde são estruturas
dinâmicas e hipercomplexas. Não é possível pensar a saúde em nosso país
sem considerar as profundas transformações estruturais pelas quais
nossa sociedade está passando em vários campos e dimensões, e que
impactam de modo complexo nosso sistema de saúde. Para fins didáticos
podemos chamar esses processos de transições no campo da saúde pública,
embora nem sempre se trate exatamente de passagem de um estado para
outro podendo ocorrer múltiplas expressões heterogêneas presentes em um
mesmo contexto determinado pela dinâmica econômica e social.
Neste primeiro artigo de uma série, vamos tratar da transição demográfica.
Nosso país ainda é predominantemente
composto por uma população de jovens, mas, com uma velocidade crescente,
estamos passando por um contínuo e sustentado processo de
envelhecimento. Para ficar em um bom exemplo, o que os países da Europa
levaram um Século para fazer, o Brasil está fazendo na metade do tempo.
Inúmeros fatores estão envolvidos nesse processo. A taxa de fecundidade
está caindo drasticamente. A mulher brasileira em idade fértiltinha em
média mais de seis filhos no começo dos anos 60 do século passado e
atualmente tem menos de dois. A taxa geral de mortalidade também
apresenta queda significativa, assim como aumenta de modo expressivo a
expectativa de vida ao nascer que era de 70,4 anos em 1990 e em 2010
aumentou para 73,5 anos.
Segundo o IBGE, em 1991, havia 21
indivíduos com mais 60 anos, para cada 100 menores de 15 anos. O efeito
combinado da diminuição da fecundidade e da mortalidade na composição
populacional foi tão extraordinário que fez com que em 2010, este índice
se elevasse para 44,8. Segundo a publicação da FIOCRUZ, “A saúde no
Brasil em 2030”, em 2030 teremos mais pessoas acima de 60 anos (40
milhões) do que jovens até 14 anos (36 milhões)!
De acordo com projeções do mesmo IBGE,
em 2050, a participação relativa da população de 80 anos e mais na
população brasileira ultrapassará aquela observada na França em 2010.
Essas mudanças provocarão um profundo
impacto sobre nosso sistema de saúde que, na prática, precisará ser
repensado em profundidade.
O modelo assistencial hegemônico
hojeestá organizado sob uma lógicaonde predomina o atendimento a quadros
de urgência eemergência. Ele não está preparado para atender a
crescente prevalência de doenças crônicas, de pacientes portadores de
múltiplas patologias, com síndrome metabólica, de idosos que necessitam
de cuidados diferenciados e muitas vezes complexos, distintos, não
necessariamente de cuidados médicos, mas também de apoiadores,
acompanhantes, de cuidados de enfermagem, de atenção domiciliar. Ou
seja, se as instituições de saúde são produto do trabalho humano, as
novas instituições que surgirão para atender a essa nova realidade
dependerão de uma nova geração de profissionais e especialistas com uma
nova visão e uma nova formação que ainda não está claramente concebida.
Sofreremos também de modo crescente o
impacto das demências senis, Alzheimer, depressões, quadros
neuropsíquicos entre outras patologias.As políticas de promoção e
prevenção deverão estar pautadas no esforço da sociedade para que esse
processo de envelhecimento se dê garantindo a autonomia dos idosos em um
contexto de envelhecimento saudável. Para isso abordagens
intersetoriais e transdisciplinares na formulação de políticas públicas
deverão predominar. E novamente se colocará a questão da equidade.
Porque teremos que falar de uma população de idosos demandando por
atenção em um país ainda injusto e desigual. E capacidade futura das
famílias em um país tão desigual, de prover cuidado e atenção para
nossos idosos, possivelmente ampliará a demanda por cuidados
extrafamiliares em um futuro próximo.
E, evidentemente, os custos para o
sistema de saúde sofrerão impacto considerável agudizando a vertente da
sustentabilidade econômico-financeira.
A estrutura conceitual, física,
organizacional e tecnológica necessária para atender a esse novo desafio
está longe de sequer ter iniciado seu processo de concepção.
Alguém consegue vislumbrar desafio maior?
Prof. José G. Temporão
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