Pesquisa: Metade dos que têm dores crônicas deixa doer e aceita as perdas que isso traz. Por que?
Pesquisa recente feita com 800 voluntários para traçar um mapa do impacto da dor nas nossas vidas mostra que a maioria sofre desnessariamente em vez de procurar ajuda. Cerca de 12% dos participantes desse estudo (96 pessoas) convivem
com dores contínuas há mais de seis semanas. Destes, 77% têm
consciência de que enfrentam algo que se torna crônico. Porém a informação de que a dor prolongada passa a ser crônica não interfere na forma de lidar com ela.
O levantamento revelou que apenas meta dos indivíduos com dores persistentes procurou ajuda especializada. E a maioria só bateu à porta do médico quando a dor se ficou constante.
Pior: 40% dos que foram atrás de ajuda especializada precisaram consultar mais de um médico. Além disso, 10% mudaram o tratamento indicado por conta própria.
Esse conjunto de dados expõe algumas mazelas. Para muita gente, é preferível aturar a dor por dias ou semanas a encarar uma consulta, seja ela particular ou pública.
Também se pode depreender que muitos médicos não estão capacitados a diagnosticar e não sabem como manejar os recursos disponíveis para aliviar as dores crônicas. Alguns não se atualizam e não valorizam o sintoma e suas consequências. Daí a necessidade de procurar outro especialista ou modificar o tratamento indicado.
O levantamento também evidencia o desconhecimento dos danos que a dor crônica produz em vários campos da vida.
O humor e a disposição são os aspectos mais atingidos pelos efeitos de uma dor crônica - 48% dos entrevistados relataram irritabilidade, cansaço, maior lentidão.
A queda no rendimento profissional por causa da dor foi assinalada por 36% dos entrevistados. Outras perdas relacionadas à dor: problemas de sono (34%), falta de disposição para o lazer (38%), para as práticas esportivas (41%), para o sexo (33%) e piora da autoestima (38%).
Da turma que não quer saber de médico, 18% se automedica. E há os que engendram uma fantasia maluca (14% dos entrevistados com dores crônicas) de que podem ignorar a dor, como se ela não minasse o bem-estar dia após dia.
Os dados mencionados acima foram gerados por estudos sobre dor encomendados pela farmacêutica Mundipharma à Cristina Panella Planejamento e Pesquisa. Diversas pesquisas irão compor um panorama da dor no País.
Negligenciar a dor pode ter consequências também para a saúde mental. Estudos feitos por pesquisadores de universidades ao redor do mundo mostram que sob estímulos dolorosos prolongados, a pessoa fica mais vulnerável a apresentar problemas cognitivos, ansiedade e até depressão e pode haver um aumento das perdas neuronais de partes do cérebro envolvidas no processamento desses estímulos.
Mas há uma questão profundamente incômoda e que se soma às conhecidas dificuldades e chatices de ir ao médico, das quais já falamos. Além dos problemas de acesso, fico me perguntando por que nos deixamos sofrer tanto, a exemplo daqueles que tentam ignorar o sintoma ou permitem que se agrave até ser incapacitante. Qual é a lógica que nos desloca do desejado bem-estar para o sacrifício? Há uma alienação do corpo nesse gesto.
De onde vem essa ideia? No passado, participei de um grupo de trabalho que procurava entender porque ocorriam tantos atropelamentos no cruzamento entre as Avenida Paulista e Brigadeiro Luis Antônio, em São Paulo. Os acidentes aconteciam especialmente nos horários de ida e volta do trabalho. Analisando os dados, um dos geógrafos que liderava esse estudo, um professor da Pontifícia Universidade Católica, comentou que as pessoas temiam tanto a possibilidade de atraso no trabalho que ignoravam riscos. Por isso viajavam dependuradas nos ônibus, atravessavam a rua no meio dos carros. A vida, nesse contexto, passava então a valer menos do que o salário recebido para custeá-la.
Essa lembrança me veio à mente por causa da nossa capacidade de negligenciar a dor. O ato de não procurar ajuda, de deixar doer também é uma alienação do corpo. Em nome do quê fazemos isso? Alguns, para não atrasar a vida. Outros porque dá para ir levando. Vai passar...dá para ir levando. Evidentemente, há muitos aspectos que reforçam esse pensamento, como a questão cultural. Mais forte é quem aguenta, machos-alfa e mulheres-maravilha são capazes de suportar mais a dor do que os outros, não são? E pode haver ainda influência de crenças religiosas. Pesquisando, vi que uma pesquisa feita na Austrália revelou que pessoas que se sentem culpadas tendem a suportar a dor por mais tempo como se fosse um tipo de punição e provação.
A compreensão e o cuidado -- e a falta dele -- com as dores envolvem muito mais do que remédios.
Mônica Tarantino
Repórter de saúde de ISTOÉ.
O levantamento revelou que apenas meta dos indivíduos com dores persistentes procurou ajuda especializada. E a maioria só bateu à porta do médico quando a dor se ficou constante.
Pior: 40% dos que foram atrás de ajuda especializada precisaram consultar mais de um médico. Além disso, 10% mudaram o tratamento indicado por conta própria.
Esse conjunto de dados expõe algumas mazelas. Para muita gente, é preferível aturar a dor por dias ou semanas a encarar uma consulta, seja ela particular ou pública.
Também se pode depreender que muitos médicos não estão capacitados a diagnosticar e não sabem como manejar os recursos disponíveis para aliviar as dores crônicas. Alguns não se atualizam e não valorizam o sintoma e suas consequências. Daí a necessidade de procurar outro especialista ou modificar o tratamento indicado.
O levantamento também evidencia o desconhecimento dos danos que a dor crônica produz em vários campos da vida.
O humor e a disposição são os aspectos mais atingidos pelos efeitos de uma dor crônica - 48% dos entrevistados relataram irritabilidade, cansaço, maior lentidão.
A queda no rendimento profissional por causa da dor foi assinalada por 36% dos entrevistados. Outras perdas relacionadas à dor: problemas de sono (34%), falta de disposição para o lazer (38%), para as práticas esportivas (41%), para o sexo (33%) e piora da autoestima (38%).
Da turma que não quer saber de médico, 18% se automedica. E há os que engendram uma fantasia maluca (14% dos entrevistados com dores crônicas) de que podem ignorar a dor, como se ela não minasse o bem-estar dia após dia.
Os dados mencionados acima foram gerados por estudos sobre dor encomendados pela farmacêutica Mundipharma à Cristina Panella Planejamento e Pesquisa. Diversas pesquisas irão compor um panorama da dor no País.
Negligenciar a dor pode ter consequências também para a saúde mental. Estudos feitos por pesquisadores de universidades ao redor do mundo mostram que sob estímulos dolorosos prolongados, a pessoa fica mais vulnerável a apresentar problemas cognitivos, ansiedade e até depressão e pode haver um aumento das perdas neuronais de partes do cérebro envolvidas no processamento desses estímulos.
Mas há uma questão profundamente incômoda e que se soma às conhecidas dificuldades e chatices de ir ao médico, das quais já falamos. Além dos problemas de acesso, fico me perguntando por que nos deixamos sofrer tanto, a exemplo daqueles que tentam ignorar o sintoma ou permitem que se agrave até ser incapacitante. Qual é a lógica que nos desloca do desejado bem-estar para o sacrifício? Há uma alienação do corpo nesse gesto.
De onde vem essa ideia? No passado, participei de um grupo de trabalho que procurava entender porque ocorriam tantos atropelamentos no cruzamento entre as Avenida Paulista e Brigadeiro Luis Antônio, em São Paulo. Os acidentes aconteciam especialmente nos horários de ida e volta do trabalho. Analisando os dados, um dos geógrafos que liderava esse estudo, um professor da Pontifícia Universidade Católica, comentou que as pessoas temiam tanto a possibilidade de atraso no trabalho que ignoravam riscos. Por isso viajavam dependuradas nos ônibus, atravessavam a rua no meio dos carros. A vida, nesse contexto, passava então a valer menos do que o salário recebido para custeá-la.
Essa lembrança me veio à mente por causa da nossa capacidade de negligenciar a dor. O ato de não procurar ajuda, de deixar doer também é uma alienação do corpo. Em nome do quê fazemos isso? Alguns, para não atrasar a vida. Outros porque dá para ir levando. Vai passar...dá para ir levando. Evidentemente, há muitos aspectos que reforçam esse pensamento, como a questão cultural. Mais forte é quem aguenta, machos-alfa e mulheres-maravilha são capazes de suportar mais a dor do que os outros, não são? E pode haver ainda influência de crenças religiosas. Pesquisando, vi que uma pesquisa feita na Austrália revelou que pessoas que se sentem culpadas tendem a suportar a dor por mais tempo como se fosse um tipo de punição e provação.
A compreensão e o cuidado -- e a falta dele -- com as dores envolvem muito mais do que remédios.
Mônica Tarantino
Repórter de saúde de ISTOÉ.
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