Olhando para dentro das empresas, percebemos que esta prática repressora se repete, sem nenhum constrangimento, porém certamente, com consequências tão nefastas quanto as que vemos ocorrer no macrocosmo que envolve as censuras desses tipos de governos.
Vamos retroceder um pouco no tempo e entender como se processa a disseminação de informações negativas, popularmente conhecidas como “fofocas”.
Fofocas parecem ser tão antigas quanto a própria humanidade, desde que ela passou a organizar-se dentro de um mínimo nível hierárquico de poder (político ou familiar). Os mexericos foram e são tão presentes na vida humana que até mesmo um Deus para ele foi instituído: Tutivillus, o deus que tinha como tarefa incentivar as mulheres a fofocarem!
Viajemos, por exemplo, para a Paris de Luís XIV, para a Lisboa do século XIX ou outra corte qualquer. Fofocar era o que mais se fazia nesses lugares que foram grandes centros mundiais do poder e dos mexericos institucionalizados. Você acha que isso mudou? O que me diria, então, sobre os colegas jornalistas que se veem obrigados a se infiltrarem nas entranhas dos chamados “corredores do poder” em busca de algum “rumor” que possa vir a se tornar um furo de reportagem?
Diminuindo ainda mais o nosso campo de visão chegamos a centros de fofocas mais restritos, como aqueles encontrados em uma academia, nos condomínios, padarias, salões de beleza, etc. Lembro aqui, com um exemplo bem cotidiano, os questionamentos feitos a toda vizinhança de um criminoso ou vítima de crime sobre “como fulano era no seu dia a dia” quando o caso é investigado. O que é isso se não a credibilidade de toda sociedade nas informações geradas pelos polos de fofoca? O “saber da vida do outro” e poder divulgar essas informações publicamente se torna uma moeda de grande valor. Dá visibilidade a quem as detém.
Sociólogos a antropólogos não poderiam deixar de teorizar sobre o tema e muitos produziram trabalhos interessantes com visões bastante singulares sobre as fofocas que assolam a humanidade. Alguns focaram os mexericos não mais nas comunidades (que viam como mito), mas nas redes de indivíduos que agiriam em favor de seus próprios interesses utilizando essa gestão de informação para causar boa impressão ou para competir com a concorrência. E é aí que as coisas começam a ganhar importância nesse século. No nosso século XXI, o advento da fofoca ganha novas oportunidades de disseminação: as redes sociais. Como se já não bastassem os estragos causados pelas fofocas “boca a boca”, hoje temos que lidar com uma fofoca que alcança uma visibilidade , diríamos, grotesca.
E é nessa hora que entramos com mais alguns agravantes: hoje todos podem ser agentes de produção de conteúdo e notícias e não só mais receptores das mesmas. Adicionemos a isso o fato de termos uma taxa muito significativa de analfabetos funcionais (pessoas que não entendem o que leem) com uma pitada de ânsia incontida de visibilidade a qualquer custo, (num mundo em que não aparecer significa praticamente não existir). Pronto! Temos a receita perfeita para fazer qualquer organização se desesperar frente à possibilidade de ser alvo de comentários nas mídias sociais.
O fato é que as empresas estão, cada vez mais, presentes nas redes sociais e disso não tem mais como fugirem. Mesmo algumas ainda tentando permanecer de fora, resistindo a uma presença on-line formal, haverá sempre alguém falando sobre elas nos ambientes digitais.
A internet pode ser utilizada de forma inteligente e útil ao estudo do comportamento entre as marcas e seus públicos de interesse ou de forma inversa, ignorando sua abrangência. Todo tipo de negócio são lembrados pelos consumidores de forma positiva, neutra ou negativa. É preciso que as organizações saibam enxergar-se através do olhar que vem de fora, do olhar do cliente, do consumidor que nem sempre é o seu ou é a forma pela qual gostariam de serem vistas.
Receber uma crítica via redes sociais é também uma possibilidade de crescimento. Nenhuma empresa agrada a todos. Isso é uma ilusão. Sempre haverá descontentes, expectativas exageradas que não foram alcançadas e é preciso saber lidar com eles de forma clara, rápida, consistente e, principalmente, humilde. É preciso agir com austeridade.
Assim como a presença nas mídias sociais abre a empresa para ser criticada publicamente, também abre porta para o inverso (elogios) e mais ainda, permite que também sejam defendidas publicamente. O que importa é mantermos esta balança pendendo para o lado positivo, para o lado das boas experiências, dos elogios, da recomendação. As marcas devem temer a indiferença do público alvo e não as suas críticas que, na verdade, vem para possibilitar melhorias na gestão.
O que são os comentários nas redes sociais sobre a marca e produtos se não fofocas que atingiram o plano digital? Considerando que tivemos um crescimento de nada menos do que 40 milhões de pessoas que ascenderam à classe média no Brasil nos últimos 10 anos, esse número incorporou um contingente significativo de consumidores, ávidos por acesso a bens e produtos antes distantes de sua realidade econômica, que contam agora com recursos tecnológicos para compartilharem suas experiências com eles, publicamente.
As marcas ainda ouvem pouco e por isso entendem pouco sobre o gosto, as necessidades e as preferências de seus consumidores, pois quem comanda as estratégias publicitárias, as empresas e as agências costumam ter gostos bem diferentes do gosto do consumidor médio.
Saber lidar de forma profissional, madura, inteligente com o que se divulga nos canais digitais sobre a organização, com as eventuais crises geradas por comentários negativos se tornam práticas fundamentais nos dias de hoje. Atrelar a identidade da organização à imagem que o público tem dela é condição si ne qua non para a sua sobrevivência.
A fofoca, hoje travestida de “comentários” nas redes sociais foi e é, portanto, vista como uma prática intrinsecamente humana e fundamental na construção, manutenção e também na destruição da honra, reputação de uma família ou indivíduo e hoje faz o mesmo com uma marca através do uso e abuso da tecnologia.
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