4.28.2010

A relação do Estado entre os Objetos e as Práticas em Vigilância Sanitária


Antonio Celso da Costa Brandão
Este trabalho procura explicitar a relação entre as tecnologias em Vigilância Sanitária e as funções do Estado em assegurar a garantia da aplicação destas tecnologias como direitos fundamentais do cidadão.
A complexidade das tecnologias requer do Estado um esforço em acompanhar as diversas tecnologias em Vigilância Sanitária, dente as quais destaca-se a legislação sanitária e o cumprimento das suas normas e regulamentos, a saúde coletiva, a circulação de mercadorias, o treinamento de gestores em saúde pública direcionada para qualidade, pesquisa, controle, produção de medicamentos, alimentos, saneantes, produtos para saúde, registro, licença de empresas e produtos, epidemiologia, vigilância em saúde, controle de doenças, controle de viajantes, vetores, patentes de medicamentos, propaganda, informação e educação em saúde.
Portanto, cabe, de forma constitucional ao Estado o cumprimento da função protetora da Saúde Pública, no papel de gerenciamento, coordenação e operacionalização de todas as ações de Vigilância Sanitária.
Com a ampliação e intensificação da produção e importação de bens de interesse da saúde, evidencia-se a necessidade de também de intensificar a ação reguladora por parte do Estado. Tratando-se de ação reguladora do Estado, agrega-se a esta, o conceito de poder, para a função da Vigilância Sanitária como um dever-poder do Estado na sua investidura de legitimidade destinada a assegurar os interesses sanitários em defesa da saúde da população.
O sistema regulatório deve ser efetivo e eficaz, significativo da garantia de segurança de produtos, antes que seja colocado no mercado e até mesmo quando já o esteja. Os direitos da população consumidora nas atuais circunstâncias caracterizadas pela livre circulação de produtos entre os países associados nas estratégias de regionalização e globalização da economia. Estes vastos mercados exigem a constante melhoria da qualidade de bens e serviços, já que a qualidade deficiente depõe contra os processos de integração e de acesso aos mercados.
A crescente conscientização da população, tanto nos países industrializados, como nos do terceiro mundo, quanto ao aspecto qualidade, como fator inerente a cada produto consumido, assim como o cenário econômico mundial, motiva à indústria a introduzir em sua cultura, o aspecto essencial da qualidade, com o objetivo de conquistar a confiabilidade, e também se tornar mais competitiva, frente a novos mercados globalizados, aumentando a produtividade e com preços que satisfaçam integralmente os consumidores.
Em 1906 nos Estados Unidos da América do Norte, foram promulgadas as primeiras normas sobre alimentos e medicamentos, por intermédio de Lei Federal.
Desde a aprovação da Emenda KEFAUVER-HARRIS - ACTA DRUG AND COSMETIC, nos EUA, em 1962, desencadeou em quase todos os países desenvolvidos o início da elaboração e oficialização de suas normas nacionais.
Organismos regionais, especialmente europeus, iniciaram processo de harmonização das normas nacionais para simplificar os planos de integração e livre comércio entre grupos e países.
Em 1969 a OMS recomenda a inclusão das GMP no Esquema de Certificação da Qualidade dos Produtos Farmacêuticos em circulação no Comércio Internacional através da Resolução WHA 22.50. Nesta época, a Assembléia Mundial de Saúde, aprovou ao mesmo tempo o texto das Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos tornando-a parte integrante do Esquema de Certificação.
Na década de 90, os acordos mundiais de comércio e principalmente, a criação do Mercado Comum do Cone Sul, O MERCOSUL, demandam intenso trabalho normativo, com o objetivo da adequação das normas aos acordos de unificação de mercados. As exigências de qualidade num mercado globalizado determinam a mobilização de esforços para colocar a produção brasileira em padrões internacionalmente aceitos, impondo aos produtores a introdução do enfoque da qualidade, novo paradigma que vem se formando desde a produção industrial para abarcar o setor de serviços. O cenário normativo dos anos 90 é sensivelmente marcado pela crescente influência das políticas voltadas para a concretização do MERCOSUL. A formação do MERCOSUL se dá no contexto do paradigma do "Controle da Qualidade Total" e a adoção pelas empresas das normas ISO.
Na área de controle sanitário esse Mercado Comum corresponde a esforços para que se tornem compatíveis às normas entre os países e para elevar a qualidade dos produtos sob Vigilância Sanitária, sendo considerada a "necessidade de instituir e implementar a fiscalização e a inspeção nos estabelecimentos para fins de avaliação da qualidade dos processos de produção, como nos instrumentos harmonizados no MERCOSUL". A harmonização tem início com os produtos farmacêuticos. As normas produzidas nesse contexto tentam aproximar-se do conceito de risco, destaque no discurso da Garantia da Qualidade e da proteção da saúde e do consumidor.
A intervenção do Estado nas relações sociais produção e consumo com o objetivo de proteger a saúde da população requerem rigorosas ações de Vigilância Sanitária.
O mundo em que vivemos, parece cada vez mais cheio de riscos e perigos que representam ameaças à saúde do homem, meio ambiente e das futuras gerações( Freitas & Gomes,1970), dando-se um alargamento cada vez maior do escopo da proteção da saúde, em face da configuração da ordem econômica mundial, os novos padrões na produção e circulação das mercadorias não estende a distribuição dos benefícios da acumulação de riquezas e do progresso da ciência a todos paises e grupos sociais. Isso só agrava a segurança sanitária de paises pobres e ricos.
A "mercantilização" da saúde com a produção e comercialização de uma variedade de produtos e serviços e informações aos consumidores em nome da preservação de doenças com estratégias de marketing para promover o consumo vem agravando os problemas que requerem intervenção da saúde e ações urgentes de Vigilância Sanitária.
É dever do Estado intervir, quando estão em jogo deficiências, adversidades e riscos que afetam pessoas. O Estado tem que ter a capacidade de planejar e de coordenar as medidas preventivas de proteção à saúde.A produção de bens e serviços são valores impossíveis de serem produzidos /gerenciados espontaneamente de forma privada, ou exclusiva pelo mercado, sendo a Vigilância Sanitária mediadora das relações entre produtores e consumidores, assegurando proteção aos cidadãos nos seus direitos fundamentais de vida e sobrevivência.
O Estado contemporâneo estabelece, e procura fortalecer, um largo aparato burocrático e jurídico, para equacionar conflitos que, inevitavelmente, surgem no enfrentamento das questões e assuntos que, em dado momento, aparecem como disfuncionais ou de risco e, portanto, de interesse público.
Diante da complexidade das sociedades contemporâneas, o Estado passa, assim a gerenciar e controlar um considerável contingente de questões ligadas à pobreza, ao crescimento populacional, ao meio ambiente, à sexualidade, ao adoecer, à morte, à intensificação do processo de urbanização, de produção de bens e serviços etc. E acaba por criar sistemas nacionais de previdência e de assistência social, enfim, de tratamento dos doentes, dos loucos, dos deficientes, das crianças, das gestantes, de vigilância da saúde etc.
Cabendo a ele, portanto, coordenar e operacionalizar questões que uma determinada coletividade identificada como públicas, ou coletivas, e cujas externalidades, quando não são enfrentadas e representam um custo social bastante elevado.
Nesse contexto de atividades sociais próprias do Estado e que inclui de forma ampla a Saúde Pública, destacam-se às de Vigilância Sanitária, com suas funções protetoras da saúde e com suas especificidades que a distinguem dentro da Saúde Publica propriamente dita.
A especificidade da Vigilância Sanitária por sua natureza jurídica insere-se no direito administrativo e, por outro lado, como ação de saúde, a Vigilância Sanitária não se encerra nos limites da polícia administrativa - aspecto essencial e intransferível da função de Estado que lhe é inerente - mas também insuficiente para dar conta das complexidades do seu campo.
Para a execução de tão complexa atividade serão necessários, além dos instrumentos legais e da fiscalização sanitária, o monitoramento da qualidade de produtos e serviços, a vigilância epidemiológica de eventos adversos à saúde relacionados com atividades profissionais, riscos ambientais, consumo de tecnologias médicas, água e alimentos.
São também de fundamental importância como instrumentos em vigilância sanitária, a pesquisa epidemiológica e de laboratório, a educação e informação sanitária, a comunicação social, e até mesmo a utilização do marketing social.
Com a intensa circulação das mercadorias os riscos à saúde relativos ao consumo ocorrem em escala ampliada, os riscos decorrentes de produto defeituoso colocado no mercado podem afetar a saúde de milhões de consumidores, extrapolando as dimensões de um país.
A legislação sanitária de proteção da saúde contém tanto normas de proteção coletiva quanto normas de proteção individual. Além da legislação especifica de Vigilância Sanitária, os Códigos Civil e Penal também incluem normas de proteção da saúde.
A fiscalização sanitária visa identificar, no caso dos produtos, possíveis fraudes ou falhas técnicas no processo de produção que poderiam alterar as características do produto e modificar os efeitos benéficos esperados. Alem da responsabilidade técnica e do produto em si, a fiscalização inclui também, outros elementos, como as embalagens, condições de conservação, rotulagem, informação e propaganda, e condições gerais, de produção, armazenagem, transporte, comercialização e consumo, dispondo de poder para aplicar medidas necessárias, sejam preventivas ou repressivas como a imposição de sanções pelo descumprimento das normas.
A fiscalização tem por base normas técnicas e jurídicas, apoiando-se no laboratório, que verifica a conformidade dos produtos com normas, por meio das análises fiscais e de controle, também de análises prévias que podem ser requisito para o registro de um produto.
A Vigilância Sanitária necessita treinar de forma contínua gestores em vigilância sanitária na prática profissional no âmbito de suas competências, consolidar sistemas de informação, elaborar indicadores e rotinas de análise para o monitoramento e avaliação de ações aplicadas ao controle de riscos e agravos sanitários. Estas tecnologias têm ação direta ou indireta sobre bens de consumo, que se relacionam com a saúde, compreende todas as etapas e processos da produção ao consumo, passando pela prestação de serviços.
É extremamente importante dar ênfase a temas de interesse da saúde coletiva, com aprofundamento técnico das tecnologias de inspeção, controle da qualidade, vetores, sistema de informações, registros de produtos, sistemas de tratamento de água, resíduos sólidos, produção de conhecimentos ligados à saúde dos viajantes, transporte de cargas e passageiros nas fronteiras, ações regulatórias, de saneantes, de cosméticos, de pesticidas, de medicamentos e de produtos de interesse para saúde, ainda fundamentar aspectos epidemiológicos de ações de controle de doenças transmissíveis, sistemas de informação para o controle destas doenças e ainda monitorar aspectos de ligados a indicadores de saúde.
É necessário, sem dúvida, aliar uma maior capacidade técnico-gerencial à vontade política, ao compromisso social e o respeito ao poder público. O conhecimento cientifico e o desenvolvimento tecnológico, funcionam como instrumentos fundamentais para o estabelecimento das normas técnicas de Vigilância Sanitária e sua permanente atualização, juntamente com as normas jurídicas, constituem os fundamentos das ações, apoio e legitimação da atuação do Estado nesse campo, sempre ao lado da ética como um instrumento de cidadania.
Num mundo que se torna cada vez mais globalizado e competitivo os mecanismos de ações regulatórias do Estado deverão acompanhar às novas tecnologias e a rapidez que estas informações se dão no campo da saúde coletiva.

Bibliografia consultada:
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Costa, E.A., 1988. Vigilância Sanitária e Proteção da Saúde. São Paulo ( Tese de Doutoramento- Faculdade de São Paulo da USP.Pg 327.
Bermudez JAZ. Indústria Farmacêutica, Estado e Sociedade. São Paulo : Hucitec-Sobravime?, 1995.
Laporte JR, Tognoni G, Rozenfeld S. Epidemiologia do medicamento: Princípios gerais. São Paulo: Hucitec-Abrasco?, 1989.

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