7.27.2012

Sexo desprotegido e adolescência: fatores de risco e de proteção

Psicologia: teoria e prática


Unprotected sex and adolescents: risk and protection factors

Sexo desprotegido y adolescencia: factores de riesgo y protección



RESUMO
A gravidez é a primeira causa de internações (66%) em moças com idade de 10 a 19 anos no Sistema Único de Saúde (SUS), e a aids tem sido responsável pelos anos potenciais de vida perdidos entre jovens. Neste estudo, buscou-se identificar a percepção dos adolescentes quanto à contaminação de HIV e aos fatores de risco relacionados à prática de sexo sem proteção. Para isso, selecionaram-se 32 adolescentes, distribuídos em dois grupos pertencentes à classe A e dois à classe D, conforme especificações da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). O método utilizado para coleta e análise dos dados foi o Grupo Focal. Os resultados apontados como causa dessa prática foram: os adolescentes têm pouca oportunidade de ter relações sexuais e não fazem uso das informações que possuem para se proteger. As conseqüências da prática de sexo desprotegido relatadas foram HIV/doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gravidez precoce. Os fatores de proteção apresentados envolviam evitar o sexo e selecionar parceiros.
Palavras-chave: Adolescência, Sexo desprotegido, Fatores de risco e proteção.

ABSTRACT
The pregnancy is the first cause of internments (66%) in young women with age of 10 the 19 years in net SUS and the AIDS has been responsible for the potential years of lost life between young. In this study, one searched to identify the perception of this risk between adolescents in relation to AIDS and the risk factors related to sexual practice without protection. For this, one selected 32 adolescents, distributed in two pertaining groups to the classroom and the two to Classroom D, as specifications of the Abep. The method used for collection and analysis of data was the Focal Group. The pointed results as cause of this practical demonstrated little chance for this practice and restricted use of the protection information that had. The told consequences had been HIV/DST and precocious pregnancy. The presented factors of protection involved to prevent the sex and to select partners.
Keywords: Adolescence, Unprotected sex, Risk and protection factors.

RESUMEN
El embarazo es la principal causa de hospitalizaciones (66%) niñas en edades comprendidas entre 10 a 19 años en la red del SUS, y el SIDA se ha encargado de años potenciales de vida perdidos entre los jóvenes. En este estudio se buscó identificar la percepción de los adolescentes en relación a la contaminación de SIDA y los factores de riesgo asociados a la práctica sexual sin protección. Para ello, recogió 32 adolescentes, distribuidos en dos grupos pertenecientes a la clase A y dos de clase D, según especificaciones de Abep. El método utilizado para la recolección y análisis de datos fue la Coordinadora de Grupo. Los resultados de relieve como una de las causas de esta práctica mostró pocas oportunidades de tener relaciones sexuales y el uso de la información restringido exclusivamente a proteger la bodega. Las consecuencias fueron notificados de VIH/ETS y los embarazos precoces. Los factores de protección para evitar la participación de los profesionales del sexo y seleccionar socios.
Palabras clave: Adolescencia, Sexo desprotegido, Factores de riesgo y protección.



Introdução
Durante a adolescência, emergem vários conflitos relacionados à sexualidade. A preocupação com a prática sexual dos adolescentes iniciou-se mais intensivamente a partir do conhecimento da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), embora já se constatasse iniciação sexual precoce e crescente incidência de gravidez nessa faixa etária (YAZLLE; DUARTE; GIR ELUCIR, 1999; KIELBER, 2006).
Os partos e os abortos provocados ou espontâneos entre adolescentes aumentaram entre 1993 e 1995 (opondo-se ao índice das demais idades), enquanto o crescimento da população nessa faixa etária não chegou a 0,5% no mesmo período. O aumento do número de casos de gravidez na adolescência mostra que as campanhas para prevenção de aids não têm conseguido atingir os jovens quanto ao uso do preservativo (OLIVEIRA, 1998).
A gravidez é a primeira causa de internações (66%) em moças com idade de 10 a 19 anos no Sintema Único de Saúde (SUS). Aproximadamente um quarto do total de partos é realizado em adolescentes de 10 a 19 anos (FREITAS; VAZ; BOTEGA, 2002). Quanto mais cedo na vida ocorre a gravidez, maior é o risco de morte. Em 1990, o risco de morte de meninas de 10 a 14 anos foi cinco vezes maior do que o de meninas de 15 a 19 anos. O risco das meninas de 15 a 19 anos foi duas vezes maior do que o das adultas (OLIVEIRA, 1998).
Por esses motivos, gravidez na adolescência tem se destacado como um problema de saúde pública em vários países do mundo (BROWN; BROWN, 2006; DUFORT et al., 2006). Nos Estados Unidos, a cada ano, quase um milhão de adolescentes engravidam, e, destas, 85% não são gestações planejadas. No Brasil, em 1980, o número de mães com até 15 anos no Estado de São Paulo aumentou 30%, quando comparado ao ano de 1970 (SOUZA et al., 1999).
As complicações maternas médico-obstétricas da gravidez na adolescência freqüentemente incluem aborto espontâneo ou provocado, anemia, distocias de parto e hipertensão gestacional. Destas, sem dúvida, a complicação que mais se associa a danos físicos e psicológicos é o aborto. As complicações de gravidez, parto e puerpério constituem a décima causa de óbitos entre adolescentes brasileiras (SOUZA et al., 1999). Além disso, a gravidez na adolescência associa-se a um risco suicida elevado, tanto durante a gestação quanto no pós-parto, paralelamente a uma maior incidência de depressão e uma percepção negativa da rede social de apoio, apesar de haver poucos estudos epidemiológicos que forneçam dados sobre ansiedade, depressão e ideação suicida em adolescentes grávidas (FREITAS; VAZ; BOTEGA, 2002). Os filhos de mães adolescentes têm maior probabilidade de apresentar baixo peso ao nascer e, conseqüentemente, maior probabilidade de morte do que os filhos de mães com 20 anos ou mais. A taxa de prematuridade também é mais alta nesse grupo, aumentando o risco de mortalidade perinatal (OLIVEIRA, 1998).
Nos países onde as indicações de aborto legal são restritas, incluindo o Brasil, tem sido muito difícil estimar a mortalidade materna por essa causa. No entanto, em países onde o aborto é praticado de forma legal e segura, a morte materna é incomum e, quando ocorre, está relacionada a complicações anestésicas. A taxa de mortalidade materna entre adolescentes norte-americanas com menos de 15 anos é cerca de duas vezes e meia maior do que a encontrada em mulheres de 20 a 24 anos. No Brasil, o número é 30% maior para as adolescentes, quando comparado aos mesmos grupos (SOUZA et al., 1999). Olukoya et al. (2001) afirmam que a mortalidade entre adolescentes que realizaram aborto é maior do que a de adultos. Isso ocorre porque as adolescentes demoram para realizar o procedimento e usam métodos perigosos. Além disso, há maior incidência de complicações durante a gestação, durante e após o procedimento.
A estimativa do número total de abortos em adolescentes é de 2 milhões a 4,4 milhões anualmente no mundo (OLUKOYA et al., 2001). A estimativa para o Brasil (realizada pelo Ministério da Saúde) aponta que, a cada 100 abortos, 25 são de adolescentes atendidos na rede pública de saúde, ou seja, 130 mil abortos de adolescentes provocados ou espontâneos por ano (OLIVEIRA, 1998).
Outra questão relevante a ser mencionada é a epidemia de aids que, em 1990, consistia em um número de 8.859 casos no Brasil. Metade desses casos era infectada pela via de transmissão sexual, sendo 85% de homens. No final de 2000, o número de casos de aids era de 191.000, na proporção de dois homens para cada mulher, e havia uma estimativa de aproximadamente 500.000 pessoas contaminadas. O aumento do número de casos vem sendo observado predominantemente entre mulheres, grupo de baixa escolaridade em cidades com menos de 50 mil habitantes. Apesar da distribuição universal e gratuita do chamado coquetel anti-HIV, a aids era a quarta causa de morte no grupo de 20 a 49 anos. “Os jovens são sempre um grupo vulnerável em todas as sociedades do mundo. Se continuarmos fazendo apenas o que temos feito, o HIV infectará cerca de 8.500 crianças e jovens por dia, seis por minuto em todo o mundo” (PAIVA; PERES; BLESSA, 2002, p. 59). Um terço das pessoas vivendo com HIV no final de 1998 referia-se a jovens entre 15 e 24 anos, e metade das novas infecções, em todo o mundo, ocorre nessa faixa etária. No Brasil, 70% dos casos concentram-se na faixa de 20 a 39 anos, o que indica que novas infecções (que levam anos para evoluir para aids) acontecem principalmente entre os mais jovens (PAIVA; PERES, BLESSA, 2002; TAQUETTE et al., 2003).
Este artigo é um recorte de uma pesquisa mais ampla intitulada “Percepção de riscos e fatores de proteção à vida e à saúde entre adolescentes”. Os objetivos do presente estudo foram: investigar, entre adolescentes, a percepção sobre os riscos que envolvem a prática de sexo desprotegido, verificar as informações q ue possuem sobre o tema e identificar fatores de proteção que utilizam para lidar com esses riscos.

Método
Sujeitos
Pelo critério de conveniência, três escolas de Ensinos Médio e Fundamental foram selecionadas em duas cidades da Região Sudeste do Brasil. Duas escolas estão localizadas na cidade de São Paulo e uma escola em uma cidade de tamanho médio do interior de Santa Catarina. A inclusão de distintas regiões geográficas objetivou contemplar diferenciações sociodemográficas na formação da amostra. As localizadas na região metropolitana de São Paulo foram: uma escola particular, de um bairro nobre da cidade, que disponibilizou sujeitos de classe A; outra pública, localizada na periferia da cidade, que disponibilizou os sujeitos de classe D. A terceira escola, localizada no interior do Estado de Santa Catarina, disponibilizou dois grupos: indivíduos de classe A que estudavam pela manhã e indivíduos de classe D que estudavam à noite. As determinações de classes A e D dos participantes dos grupos foram delineadas segundo as normas da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) (2002).
Foram selecionados 32 adolescentes entre 14 e 18 anos incompletos, sendo 16 do sexo feminino e 16 do sexo masculino. Para selecionar esses adolescentes, inicialmente aplicouse o questionário Abep (2002) de classes econômicas, encontrando os sujeitos das classes A e D, determinadas para este estudo. Fez-se o convite a todos aqueles que contemplavam essa classificação. Em todos os grupos, houve um número de candidatos maior que oito. A seleção final ocorreu em razão da disponibilidade de horário para participar das atividades propostas pela pesquisadora, mantendo-se o número de quatro adolescentes do sexo feminino e quatro do sexo masculino em cada grupo. Metade da amostra pertencia à classe social A e metade à classe D. Os grupos foram considerados: grupo 1 (G1), pertencente à classe social A de Santa Catarina; grupo 2 (G2), classe social A de São Paulo; grupo 3 (G3), classe social D de São Paulo; e grupo 4, classe social D de Santa Catarina. O número de participantes foi definido pelo critério de oito participantes por grupo focal, sugerido por Osório e Zimerman (1997). A opção pelas classes sociais A e D deveu-se ao interesse por identificar a percepção desse risco nas duas classes sociais extremas, excluindo-se a classe E, porque esta faixa etária está freqüentemente ausente das escolas.
Instrumento
Foi um estudo exploratório e de natureza qualitativa, empregando-se o Grupo Focal para coleta e análise dos dados. Carlini-Contrim (1996, p. 286) descreve o Grupo Focal como “um método de pesquisa qualitativa que pode ser utilizado no entendimento de como se formam as diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviço”. Acrescenta que “a essência do grupo focal consiste em se apoiar na interação entre seus participantes para colher dados, a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (moderador do grupo)”. O material obtido, segundo essa autora, é a “transcrição de uma discussão em grupo, focada em um tópico específico”.
Procedimentos
O roteiro adotado para investigar o tema incluiu as seguintes questões:


  • Vocês acham que a prática de sexo desprotegido é um risco na adolescência?
  • Como o adolescente se expõe a esse risco?
  • Por que essa exposição?
  • Como é possível se proteger desse risco?
  • Antes do início da atividade, definiram-se as regras de participação: a) falar uma pessoa de cada vez; b) evitar discussões paralelas para que todos participem; c) ninguém pode dominar a discussão; d) todos têm o direito de dizer o que pensam; e) todos se comprometeram com o respeito e o sigilo sobre os diversos pontos de vista manifestados na atividade.
    Foram realizadas três sessões de 90 minutos com cada grupo, e o papel do coordenador foi facilitar e incentivar as discussões sobre o tema. Todas as sessões foram filmadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. Os participantes e seus responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo.
    Análise de dados
    A análise dos dados iniciou-se com uma codificação dos dados, extraindo-se três categorias: I. fatores de risco para acidente de trânsito; II. conseqüências desse risco e III. fatores de proteção para esse risco. Com base nessas categorias, estabeleceram-se subcategorias que foram organizadas com citações literais dos participantes dos grupos. Essas subcategorias foram determinadas por estarem presentes nos quatro grupos estudados e terem sido objeto de discussão entre os integrantes de cada grupo. Elaborou-se, então, uma apresentação de material que contemplasse as percepções dos adolescentes.

    Resultados
    Inicialmente, serão apresentadas as categorias e subcategorias que envolvem o fenômeno prática de sexo desprotegido estabelecidas neste estudo. Essas categorias são: fatores de risco, conseqüências e fatores de proteção. Posteriormente, as subcategorias serão exemplificadas com citações que ilustram os principais dados da análise, apresentados em todos os grupos estudados. No final de cada citação, será indicado o grupo ao qual pertence o relato.
    Fatores de risco
      a) Características desse período de desenvolvimento como: inconseqüência e imediatismo


  • “Ah, como a gente disse, na hora tá gostoso e não dá pra pensar em parar, nem dá pra pensar” (G1).
  • “Na hora você pensa assim: ai, vai dar merda! Mas faz do mesmo jeito para não perder o momento” (G2).
  • “Se a mina é difícil, demora pra você deixar passar a mão nela e transar com ela, e na hora se você for parar pra colocar a camisinha, é capaz    dela querer parar. Nessa hora você não pode parar nada, senão tem chance dela desistir” (G3).
  • “É porque na hora você nem pensa se esta pessoa pode ter alguma doença” (G4).
  • Esse fator de risco foi encontrado em todos os grupos, e todos os adolescentes afirmaram que, nesse período da vida, é comum pensar e agir de forma inconseqüente. No entanto, apenas 37,5% dos sujeitos assumiram agir assim, sendo dez sujeitos do gênero masculino e dois do gênero feminino.
      b) Falta de oportunidade para praticar sexo


  • “[...] Mesmo porque a gente não tem carro e não tem pra onde ir nem como ir quando a coisa tá esquentando. Quando dá pra rolar, que é      difícil, não é por falta de camisinha que não vai rolar [...]” (G1).
  • “Por isso que essa coisa de camisinha é complicada. É tão difícil rolar uma transa” (G2).
  • “É tão difícil conseguir transar com alguém que você nem pensa nisso. Só depois fica com aquele medão de dar alguma coisa errada, e você    ser pai antes da hora” (G3).
  • “As pessoas da nossa idade não têm muita relação. Não tem muito como ter. Só se os pais deixarem dormir em casa, o que é impossível” (G4).
  • Todos os sujeitos do gênero masculino afirmaram sentir dificuldade em interromper a relação pela falta de preservativo. Justificaram essa dificuldade pela baixa freqüência de oportunidade para praticar sexo. Apenas uma adolescente do gênero feminino afirmou sentir a mesma dificuldade.
      c) Idéia de administração das conseqüências ou imunidade


  • “E sempre dá um jeito depois” (G1).
  • “Também não é fácil assim engravidar. Tem que estar no dia certo, na hora certa [...]” (G2).
  • “Além disso, também não é muito fácil engravidar nem pegar aids. Se fosse fácil, a gente via mais gente com aids. Não conheço ninguém”    (G3).
  • “Mas você tem que ser muito azarado pra engravidar. Só um dia e faz gol” (G4).
  • A afirmação de que é possível administrar as conseqüências da prática de sexo desprotegido foi confirmada por 70% da amostra, havendo homogeneidade entre os gêneros.
      d) Informações dissociadas das ações


  •   “[...] Você tava falando do risco, né? Tá, na hora nem tem. Ah, vai sem mesmo! Às vezes nem lembra que tem camisinha” (G1).
  •   “É, a gente sabe de tudo isso, mas quem se segura na hora? Ninguém se segura. Na hora do vamos ver, todo mundo se arrisca porque sabe      que é um momento que não volta mais” (G2).
  •   “A verdade é que a gente sabe o que deve fazer pra se prevenir, mas, na hora, a gente não faz” (G3).
  •   “É, tem coisas que a gente sabe e nem se preocupa porque não acontece por aqui” (G4).
  • Todos os adolescentes da classe A confirmaram ter informações suficientes sobre prevenção às doenças sexualmente transmissíveis (DST) e à gravidez precoce. Dentre os sujeitos da classe D, apenas dois do gênero feminino e um do gênero masculino afirmaram ter poucas informações. Apesar de a grande maioria demonstrar conhecimento sobre as formas de contágio e prevenção, foi possível identificar que, muitas vezes, as informações são incorretas ou inconsistentes.
    Conseqüências
      a) HIV e DST


  • “Sem camisinha você pode engravidar, mas também pode pegar doença. Pode morrer” (G1).
  • “Isso é um problema mesmo. A gente sabe que pode engravidar e que pode pegar doenças sérias, mas não é fácil assim pegar, né?” (G2).
  • “Não é só aids, tem várias doenças que a gente nem sabe. Mas como só aids mata, depois é só tratar” (G3).
  • “Pra pegar, é só fazer sexo sem camisinha com alguém que tenha aids. E sofrer até morrer” (G4).
  •   b) Gravidez precoce


  • “A maioria das pessoas da nossa idade não fica grávida querendo, sei lá, acontece mesmo não querendo. Tem que parar de estudar, mas não    é um problema tão grande assim” (G1).
  • “Transar sem camisinha pode transmitir doença, mas também pode trazer uma gravidez antes da hora. É a menina que sofre, tem que mudar    tudo, o menino paga pensão” (G2).
  • “Se a gente engravida, vira um problema, mais para a mulher, com a família” (G3).
  • “Pode ficar grávida sem querer, mas tudo bem, um dia vai fi car mesmo” (G4).
  •     c) Gravidez precoce e aborto


  • “É, por exemplo, se acontecesse comigo de fi car grávido, não dá porque eu não sou mulher, mas se acontecesse, tiraria na mesma hora” (G1).
  • “Acho que é uma alternativa dolorosa, mas uma alternativa. Eu, por exemplo, não tenho condições de ser mãe” (G2).
  • “É só abortar e tudo fi ca como estava, mas eu preferiria ter o fi lho” (G3).
  • “Se eu deixar alguém grávida nessa idade e ela concordar, eu sugiro abortar, mas, se não concordar, temos e pronto” (G4).
  • Todos os sujeitos demonstraram conhecer possíveis conseqüências da prática de sexo desprotegido (DST, HIV, gravidez precoce e aborto). No entanto, apesar de usarem freqüentemente a sigla DST, os adolescentes da classe D não conheciam nenhuma além da aids. Os da classe A citaram “gonorréia” e “chato”, demonstrando possuir informações corretas apenas sobre o chato. Considerando a idéia de contaminação pelo vírus HIV, oscilaram entre três posturas: indiferença, medo do sofrimento e da morte, e sentimento de imunidade. Quanto ao aborto, 50% dos adolescentes do gênero masculino e 20% do gênero feminino se apresentaram favoráveis.
    Fatores de proteção
      a) Evitar o sexo


  • “É, você tem que pensar bem antes, porque depois pode ser tarde” (G1).
  • “Além disso, na hora que tá esquentando não dá pra parar, é melhor nem começar”(G2).
  • “O problema é que não dá pra transar com todo mundo desencanado. Tem que evitar e ficar ligado que essas coisas podem acontecer” (G3).
  • “Eu nunca fiz. Mas quero fazer só com uma pessoa. A que eu vou casar” (G4).
  •   b) Seleção de parceiros


  • “Eu acho que não vai acontecer isso comigo porque eu não transo sem camisinha com qualquer uma. Se for transar com qualquer uma, eu uso    camisinha” (G1).
  • “[...] Mesmo porque a gente escolhe com quem vai fazer sexo” (G2).
  • “Arriscado é você ir para a balada e sair com uma pessoa que conheceu ali. Uma coisa é ficar, beijar, outra coisa é transar” (G3).
  • “[...] Mas também ninguém vai fazer sexo com uma pessoa que não conhece. Aqui todo mundo conhece todo mundo” (G4).
  •   c) Usar preservativo


  • “Sem camisinha, duas coisas ruins para a nossa idade podem acontecer: pegar aids e ficar grávida” (G1).
  • “Você tem que se proteger com camisinha. [...] Você tem que ser egoísta, tem que se proteger” (G2).
  • “Acho que com camisinha você protege também as pessoas que gostam de você. Quem te ama não quer te ver doente” (G3).
  • “Se quiser transar com todo mundo, tudo bem. Desde que use camisinha” (G4).
  •   d) Alguém confiável para conversar


  • “Acho que o melhor jeito pra lidar com as nossas dúvidas é falando, tendo alguém pra conversar sobre o que você pensa” (G1).
  • “Às vezes você tem que desabafar com alguém. A melhor coisa é você procurar um amigo de verdade que te ouça. Que te dê conselhos” (G2).
  • “Quando você tem uma amiga confi ável, você se abre e ela te entende porque vive coisas parecidas com as suas. Sabe do que você tá    falando, seja lá o que for” (G3).
  • “Mas o melhor mesmo é conversar com alguém mais velho. Não muito mais velho, mas um pouco mais velho. Te escutam” (G4).
  • Nas discussões anteriores ao tema fatores de proteção, os adolescentes manifestaram a pouca oportunidade para praticar sexo e a tendência ao imediatismo e à inconseqüência, confirmadas pela maioria da amostra. Dessa forma, “evitar o sexo” é, na prática, para esses adolescentes, uma proposta inconsistente e contraditória. O mesmo ocorre com “usar preservativo”. Até então, durante as discussões, todos os sujeitos demonstraram conhecer a importância do uso do preservativo, mas, freqüentemente, negligenciaram esse conhecimento. O fator de proteção “alguém confiável para conversar” foi unânime entre os sujeitos pesquisados. Na discussão sobre os fatores de proteção, não foi relevante a diferença entre os gêneros.

    Discussão
    Não foram apresentadas diferenças relevantes entre as classes sociais A e D quanto ao fenômeno prática de sexo desprotegido. Verificou-se, no entanto, que a maioria dos estudos encontrados sobre gravidez precoce ou HIV na adolescência tinha como sujeitos adolescentes de classe baixa. Embora os resultados tenham apresentado poucas divergências quanto à classe social dos sujeitos, identificaram-se, como peculiaridade da classe A, informações de que o uso de álcool pode conduzir a comportamentos sexuais de risco e a incapacidade de assumir a paternidade ou maternidade em função da idade. A preocupação com a imagem ante uma gravidez precoce ou adoecimento (DST ou HIV) também foi considerada um fator de proteção apenas pela classe mais privilegiada.
    Quanto às categorias comuns a todos os sujeitos sobre a “prática de sexo desprotegido”, encontramos como “fatores de risco”: “características do próprio período do desenvolvimento, como inconseqüência e imediatismo”, “falta de oportunidade para praticar o sexo”, “idéia de administração das conseqüências ou imunidade” e “informações dissociadas das ações”.
    Yazlle, Duarte e Gir Elucir (1999) apontam que a idéia de praticar sexo, entre os adolescentes, envolve sentimentos de imunidade relacionados a doenças e gravidez, e, por esse motivo, não se preocupam com prevenção. Esses dados são confirmados nos relatos dos sujeitos nas subcategorias de fatores de risco: “características do período de desenvolvimento, como inconseqüência e imediatismo”, “idéia de administração das conseqüências e imunidade” e “informações dissociadas das ações”. Nessas subcategorias, a idéia de gravidez precoce e DST surge como uma possibilidade remota entre os sujeitos. Além de considerarem esses riscos pequenos, o controle durante a relação sexual é quase inatingível para a maioria dos sujeitos pesquisados, o que certamente intensifica os riscos. Santos Junior (1999), ao comentar sobre o sexo desprotegido nesse período do desenvolvimento, afirma que o pensamento mágico é próprio do desenvolvimento psicológico do adolescente. Relaciona-se à idéia preconcebida de que nada de ruim poderá lhe acontecer, independentemente das ações praticadas. Trata-se de uma exposição ao risco, partindo do pressuposto de que o dano não possa acontecer.
    Os participantes deste estudo apresentaram também a “falta de oportunidade para praticar sexo” como outro fator de risco para a prática de sexo desprotegido. Referiram-se ao sexo como um fenômeno inusitado e imprevisível, e, por esse motivo, freqüentemente, os métodos contraceptivos não estão ao alcance dos sujeitos. Paiva, Peres e Blessa (2002) relatam que o sexo parece estar associado, freqüentemente, às situações inesperadas e não-planejadas. Nessas situações, há impossibilidade de ter a camisinha na hora em que a relação sexual acontece.
    As conseqüências da prática de sexo desprotegido apresentadas pelos adolescentes foram: gravidez precoce, aborto e DST/aids. No entanto, houve diferenças regionais sobre algumas opiniões. Os grupos de Santa Catarina consideraram que a gravidez precoce, embora temida, tem também características positivas. Os grupos de São Paulo sugerem um maior prejuízo para a mulher quando se referem a esse fenômeno, sendo este um dado que não apareceu nos grupos de Santa Catarina.
    O temor de uma gravidez precoce esteve presente em todos os grupos, confirmando os dados obtidos por Paiva, Peres e Blessa (2002) e Dotta et al. (2000). Esse temor foi menos evidente no G4, embora também tenha sido manifestado. A gravidez precoce foi vista como positiva, embora temida, apenas entre os adolescentes residentes em Santa Catarina. Esse dado também é apresentado por Paiva, Peres e Blessa (2002) em estudo realizado com adolescentes. Esses autores encontraram a oportunidade de virar adulta, mudar-se da casa dos pais e ter independência como conseqüências positivas comuns entre esses adolescentes. Essas informações também são verificadas em Dias e Gomes (1999) e Dufort et. al. (2006).
    Os adolescentes pesquisados, principalmente os de São Paulo, demonstraram certa preocupação com a mudança da rotina: ter de lidar com a família, parar de estudar etc. Dias e Gomes (1999) afirmam que a gravidez pode significar uma reformulação dos planos de vida da adolescente e a necessidade de assumir o papel de mãe para o qual ainda não está preparada. As mesmas autoras acrescentam que, para os pais precoces, essa experiência é marcada por vários sentimentos, como surpresa, decepção, raiva, indiferença – confirmando os dados sobre maior responsabilidade da mulher – e pagar pensão.
    Quanto às DST e ao HIV, os adolescentes demonstraram basicamente três posturas perante o assunto: indiferença, medo do sofrimento e da morte, e sentimento de imunidade. Paiva, Peres e Blessa (2002) demonstram constar no relato dos jovens a aids relacionada ao medo, à morte inevitável e à doença sem cura. Larguía (1999) considera que há umaumento da vulnerabilidade pela característica de onipotência própria da idade. Para Taquette et al. (2003), esse período do desenvolvimento se caracteriza, entre outras coisas, por instabilidade e suscetibilidade às influências grupais, e o pensamento abstrato, ainda em surgimento entre os adolescentes, faz que se sintam invulneráveis, expondo-se a riscos sem prever suas conseqüências. Miranda, Gadelha, Szwarcwald (2005) também constataram esse sentimento de imunidade nos adolescentes que estudaram, afirmando que estes ainda não identificam uma situação de risco e não compreendem a sua vulnerabilidade.
    Os sujeitos da classe A consideraram que o aborto pode ser uma prática acessível, uma alternativa viável. Comumente relataram que se sentiam incapazes de ser mãe ou pai nessa idade e que, por esse motivo, poderiam recorrer ao aborto. As adolescentes do gênero feminino ficaram mais receosas em dar essa opinião. Os sujeitos do gênero feminino da classe D tiveram maior tendência a não recorrer ao aborto e assumir a maternidade. Olukoya et al. (2001) apontam que a adolescente grávida demonstra medo do estigma social. Essa afirmação corresponde aos dados apresentados pelos adolescentes da classe A deste estudo. A maior motivação para o aborto, entre os adolescentes de classe A, foi o sentimento de incapacidade para a maternidade ou paternidade. Esse sentimento também se apresenta no estudo de Souza et al. (1999).
    Os “fatores de proteção” eleitos por todos os grupos pesquisados foram: “evitar o sexo”, “seleção de parceiros”, “alguém confiável para conversar” e “usar camisinha”.
    Quanto a “evitar o sexo”, os adolescentes apresentaram como alternativa a escolha por relacionamentos estáveis em detrimento de relacionamentos ocasionais. Miranda, Gadelha e Szwarcwald (2005) acreditam que a prevenção da infecção pelo HIV e de outras DST, quando baseada no desenvolvimento de estratégias de redução de parceiros e no incentivo a relacionamentos estáveis, tem se mostrado eficaz para os adolescentes.
    Apesar de demonstrarem conhecimento sobre métodos contraceptivos, o utilizado com mais freqüência é o preservativo. No entanto, seu uso está freqüentemente associado à “seleção de parceiros”, e a camisinha é imprescindível apenas no início da relação, podendo ser eliminada assim que aumentar a intimidade entre o casal. Para Paiva, Peres e Blessa (2002), os adolescentes afirmam que a contaminação é difícil por conhecerem seus parceiros e confiarem neles, pois estes não fazem uso de drogas injetáveis e não mantêm relações sexuais sem prévia seleção de parceiros. Quando o parceiro ainda é desconhecido, tendem a lembrar-se de usar mais o preservativo. A camisinha tem se tornado mais conhecida, embora seu uso esteja restrito ao início das relações. Envolver-se afetivamente é um indicativo para deixar de usar. Santos Junior (1999) confirma esse padrão de uso do preservativo relatando que, mesmo conhecendo os benefícios do uso de métodos contraceptivos, deixam de usá-lo, expondo-se ao risco de uma gravidez precoce.
    Yazlle, Duarte e Gir Elucir (1999) informam que a “seleção de parceiros” para a prevenção de HIV é um fator de proteção. No entanto, essa prevenção, segundo esses autores, seria feita pela seleção de um único parceiro para manter relações sexuais e que este não apresente fator de risco para HIV como: uso de drogas injetáveis, bissexualidade, homossexualidade e variação de parceiros. Os sujeitos do presente estudo confirmam a necessidade de selecionar os parceiros, no entanto não se restringem necessariamente à seleção de um único parceiro, apesar de avaliarem a presença dos fatores de risco para HIV e identificarem a necessidade de relações mais estáveis.
    Os estudos demonstram a necessidade de oferecer maiores informações a respeito de DST/aids e manejo de métodos contraceptivos para essas doenças e para a gravidez precoce (DOTTA et al., 2000; CAMARGO; BÁRBARA, 2004; DIAS; GOMES, 1999; BROWN; BROWN, 2006; KIELBER, 2006). Os sujeitos pesquisados, em sua maioria, afirmaram ter conhecimentos suficientes sobre contaminação, manejo de contraceptivos e métodos de prevenção. No entanto, foi possível identificar que, freqüentemente, as informações que possuem são inconsistentes e ineficazes para preveni-los. Taquette et al. (2004) encontraram resultados semelhantes afirmando que os adolescentes, de maneira geral, sabem que o preservativo evita doenças e gravidez, mas, mesmo assim, deixam de usar. Existe uma lacuna entre o conhecimento que possuem e o uso efetivo da camisinha. Os jovens apontam numerosas justificativas para não usá-la, como esquecimento, custo e desprazer na relação sexual. Miranda, Gadelha e Szwarcwald (2005) também obtiveram resultados que comprovam que, apesar de os adolescentes conhecerem as formas de transmissão do HIV, essas informações não são suficientes para evitar o comportamento de risco.
    Camargo e Bárbara (2004) também indicam que apenas aumentar o nível de informação sobre a transmissão do HIV e sobre a necessidade de usar o preservativo parece não ser suficiente para garantir um efetivo comportamento de proteção. Seria preciso, além de disponibilizar informações, oferecer programas de educação sexual que possam aumentar a capacidade de tomada de decisão e desenvolver práticas mais seguras. Medidas como essas apresentadas pelos autores não foram abordadas nas discussões. No entanto, a necessidade de campanhas mais eficazes foi citada pelo G1, e a necessidade de um espaço de escuta foi apresentada nas discussões sobre o fator de proteção “alguém confiável para conversar”. Sobre esta subcategoria, Alfonso e Dias (2003) identificaram que o adolescente se queixa da falta de um espaço para falar sobre suas contradições e dúvidas. Dotta et al. (2000) demonstram que essa falta de espaço para discutir sobre suas ansiedades e debater sobre seus valores e conflitos contribui para que o adolescente não viva sua sexualidade sem medo ou culpa, expondo-se a comportamentos de risco.

    Considerações gerais
    A atividade sexual precoce e sem proteção não causa, em geral, morbidade e mortalidade durante o período da adolescência. Seus efeitos e custos se evidenciam mais tarde na vida e podem ter importantes repercussões no desenvolvimento biológico, social e psicológico da jovem geração. A dificuldade com a maternidade ou paternidade precoce vai ficar evidente nos cuidados e na educação do filho, durante seu desenvolvimento. As doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a aids, irão se manifestar no futuro, necessitando de cuidados já na vida adulta.
    Identificaram-se, em todos os sujeitos pesquisados, o predomínio do pensamento mágico e da crença de que, dificilmente, algo de ruim poderia acontecer e um sentimento de certa imunidade perante os riscos oferecidos pela prática de sexo desprotegido. Conclui-se que a presença do desejo de afastar acontecimentos negativos é o maior fator de proteção para esses adolescentes.
    Os comportamentos de risco anteriormente citados mostram a necessidade de desenvolvimento de estratégias de mudanças por meio de programas de promoção de saúde ou educação para a saúde junto a educadores e pais de adolescentes.
    Observou-se ainda, entre os adolescentes, a falta de oportunidade para refletirem sobre todos os riscos aos quais estão expostos diariamente, o que certamente os impede de reformular suas opiniões e pensar sobre seus hábitos e sobre possíveis soluções protetoras para tais riscos. Segundo os participantes deste estudo, os adultos se aproximam com discursos previamente elaborados e não permitem a elaboração espontânea de conceitos a respeito deste e de outros temas. Embora já tenham ouvido sobre os danos provocados pela prática de sexo desprotegido, relataram que nunca pensaram sobre como suas atitudes os deixam expostos.
    Faz-se necessário desenvolver programas de educação para a vida sexual, bem como a preparação de profissionais para desenvolver tais programas. Nestes, as informações devem ser corretas e claras, envolvendo aspectos relacionados a desenvolvimento sexual, resposta sexual, comportamento sexual, tipos de práticas sexuais, prevenção da gravidez e noções sobre as principais doenças sexualmente transmissíveis (DST), especialmente a aids. Deve-se abordar, particularmente, como promover a redução do risco e da contração e transmissão do vírus. É fundamental também considerar a necessidade de orientar sobre a responsabilidade de assumir uma prática sexual segura. É preciso trabalhar mitos e tabus relativos à sexualidade, desmitificando os estereótipos do sexo. Além disso, é imprescindível estabelecer uma relação de troca com os adolescentes, deixá-los expor seus conflitos, ouvi-los, trabalhar a auto-estima, o relacionamento interpessoal, a imagem corporal e a afetividade, considerando-se o contexto social e cultural.
    Essa atividade promoveu nos adolescentes a oportunidade de refletir sobre seus próprios comportamentos de risco. O objetivo deste estudo não envolvia alterar tais comportamentos, apenas discuti-los caso fossem percebidos. Não foi possível, por meio deste estudo, avaliar se houve mudança de comportamento ou utilização dos fatores apontados como protetores. No entanto, foi oferecida a oportunidade de escolherem estar expostos ou se protegerem do risco da prática de sexo desprotegido.

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    Miria Benincasa
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