Eles deixaram de ser os esquisitos das salas de aula, conquistaram público fiel e anunciantes de peso. Saíram de trás dos computadores, têm séries de TV e até literatura própria. E o que parecia brincadeira se transformou em negócio milionário
Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
Tudo começou
com uma diversão. Em 2009, o estudante Bruno Aiub, 23 anos, conhecido
como Monark, criou um canal no YouTube a fim de ensinar as melhores
estratégias para jogar Minecraft – game que possibilita aos usuários
construírem um mundo formado por blocos. Em novembro de 2010, o espaço
batizado RandonsPlays atingiu 32 mil visualizações. Hoje, três anos
depois, a audiência saltou para dez milhões de views mensais. E o que
começou como um hobby se tornou um negócio lucrativo. “Sempre que via
algum jogo novo fazia comentários, sátiras ou piadas e o público começou
a gostar”, diz. Aiub faz parte de uma geração de nerds que ultrapassou
as barreiras do preconceito no ambiente escolar e encontrou na
tecnologia um aliado para ganhar o mundo. “A sociedade precisa de
profissionais com conhecimento tecnológico. São essas pessoas que
movimentam a economia e fazem tantas outras estarem empregadas”, afirma
David Anderegg, psicólogo americano e autor do livro “Nerds: Quem São e
Por Que Precisamos Deles”. Um dos protagonistas da revolução pela qual
passa a cultura nerd atual é o ultra bem-sucedido Mark Zuckerberg,
criador da rede social Facebook. Segundo um relatório da consultoria GMI
Ratings, ele é o empresário mais bem pago dos Estados Unidos, com
salário mensal superior a US$ 1 milhão. Além disso, o jovem de 29 anos é
o símbolo do nerd que soube transformar sua inteligência em
respeitáveis cifrões.
MADE IN USA
Pierre Mantovani, criador do portal Omelete, vai trazer ao Brasil em dezembro
a Comic Con Experience, versão brasileira da maior feira nerd dos Estados Unidos
Pierre Mantovani, criador do portal Omelete, vai trazer ao Brasil em dezembro
a Comic Con Experience, versão brasileira da maior feira nerd dos Estados Unidos
Inspirada na trajetória de outro exemplo
bem-sucedido do universo geek, o fundador da Apple, Steve Jobs, a Rede
Globo lançou, na segunda-feira 5, a novela Geração Brasil, que aborda o
mundo da tecnologia. A trama gira em torno da história de sucesso do
jovem Jonas Marra, interpretado por Murilo Benício, que desenvolve um
computador pessoal de baixo custo. Na década de 1990, o personagem viaja
aos Estados Unidos e, tempos depois, torna-se CEO de uma das maiores
empresas de tecnologia e ídolo de milhares de jovens que se encantam com
o mundo da informática. Quando decide voltar ao Brasil em 2014, ano de
Copa do Mundo, o milionário atrai milhares de jovens que se identificam
com a indústria nerd. Fora da ficção, a realidade não é muito diferente.
Exemplo mais modesto, o brasileiro Leon
Oliveira Martins, 30 anos, começou sua carreira nesse universo
produzindo vídeos durante uma viagem pela Alemanha, em 2008. Quatro anos
depois, havia criado o próprio canal no YouTube, “Coisa de Nerd”,
voltado a comentários sobre jogos não convencionais. “Na época, não
tinha tantas informações sobre games em português, então misturava uma
série de informações para divertir e informar quem buscava estratégias
de jogo”, afirma Martins. Hoje chamados de “influenciadores”, Monark e
Leon têm um alto índice de audiência e contam com agências próprias para
trazer mais anunciantes para seus canais. “São jovens sem histórico na
televisão, mas com um nível de interatividade com o público que gera
convencimento e identificação”, diz Gustavo Teles, sócio-diretor da
agência Influencers.
Uma pesquisa realizada pelo portal Omelete,
direcionado a esse público, detectou que 32% dos nerds e geeks no
Brasil possuem seu próprio canal no YouTube. “Eles começaram a gerar
audiência na internet e a ser remunerados pelo Google e por outros
anunciantes”, diz Teles. “Jovens como esses estão alcançando um
faturamento mensal que varia de R$ 10 mil a R$ 40 mil e anunciantes de
peso nos setores de tecnologia, eletrônica e telefonia.” A produção de
conteúdo e os apresentadores nerds fizeram a agência Influencers
triplicar sua projeção de faturamento neste ano, para R$ 1,5 milhão.
“Escolhemos ter essa abordagem nerd porque eram os canais na internet
com mais regularidade e onde os apresentadores tinham mais compromisso
com seu público”, diz. O estudo revelou ainda que 90% dos nerds e geeks
costumam ficar online mais tempo que a maioria dos brasileiros. A média
do País, segundo o Ibope Mídia, é de 60 horas por mês, enquanto eles
costumam gastar 84 horas. Se hoje o passatempo preferido desse público é
jogar videogame, o que mais cresce, porém, é o hábito de consumir
filmes e séries pela internet.
Ser nerd, no entanto, nem sempre foi algo
aceito e bem-visto. Muito pelo contrário. Essa turma teve de enfrentar
barreiras ao longo de décadas em colégios e universidades até conseguir
mostrar que, com sua inteligência – e, por que não, simpatia peculiar –,
poderia ser popular e útil à sociedade. “Quando eu estava no colégio,
nosso grupo era formado por pessoas excluídas. Hoje as crianças optam
por ser nerds”, afirma Benjamin Nugent, autor do livro “Nerd Americano: A
História do Meu Povo”. Segundo o autor, nerd virou uma identidade
subcultural, assim como hippies, punks e skatistas. Os primeiros eram
estudiosos que gostavam de temas relacionados a cultura, ciência e
tecnologia. Pouco populares, eram arredios aos esportes. “Hoje, a
questão cultural se associou à indústria do entretenimento, que passou a
produzir cada vez mais coisas destinadas a eles”, diz a professora de
educação e tecnologia do Instituto Federal de Pelotas (RS) Angela
Dillmann Nunes Bicca, que coordena o projeto de pesquisa “Aprendendo a
Ser Jovem Nerd/Geek: Um Estudo Sobre a Pedagogia Cultural da Internet”.
“É um dos mercados que mais crescem no mundo”, diz ela.
No Brasil, o crescimento no número de sites
para esse público ocorreu mais intensamente nos últimos dez anos. Outro
projeto nerd que se profissionalizou exatamente nesse período é o site
Jovem Nerd. A ideia nasceu em 2002 como um blog de humor. Na época, os
sócios-fundadores, Alexandre Ottoni e Deive Pazos, trabalhavam como
designer e administrador, respectivamente, e dedicavam apenas algumas
horas ao projeto. A grande estreia veio, porém, em 2006, quando a dupla
conhecida como Jovem Nerd e Azaghal passou a comandar o Nerdcast –
podcast que trata de temas que vão de eventos históricos a filmes de
super-heróis e histórias em quadrinhos. “Foi um ponto de virada,
passamos a acreditar que o Jovem Nerd poderia se transformar em um
negócio de fato”, diz Ottoni. Hoje, o programa é um dos mais populares
da internet, com uma audiência de 300 mil ouvintes por semana e prêmios
nacionais e internacionais, como o de “Melhor Podcast do Mundo”. Na
esteira do sucesso, outras ideias começaram a surgir. Depois de
negociações com fornecedores e parceiros, nascia a Nerdstore, loja
virtual de camisetas. Assim, em pouco tempo, esse público altamente
segmentado começou a chamar a atenção das agências de publicidade
digital, que viram no projeto uma oportunidade de se relacionar com
esses consumidores fiéis. “Os anunciantes enxergaram em nossos veículos a
possibilidade de fazer publicidade com mais proximidade”, afirma Guga
Mafra, diretor da FTPI Digital, empresa parceira do Jovem Nerd. “Uma
característica interessante do nerd é que ele influencia seus amigos e
familiares”, diz. “Geralmente, é ele o especialista da família em games,
tecnologia, viagens e é a pessoa disposta a conhecer e testar um novo
produto.”
A percepção de que o mercado nerd vem se
consolidando no País ganhou força também pela facilidade de acesso ao
conteúdo de internet nos últimos anos. “A rede igualou todo mundo”, diz
Mafra. “Hoje é possível obter um produto em segundos pela web, tudo
ficou muito mais fácil”, diz o empresário. Esse é um dos aspectos
apontados pela pesquisa do portal Omelete. No levantamento, a
conectividade desse público aparece diretamente relacionada aos seus
hábitos. No ano passado, 57% dos entrevistados revelaram fazer compras
pela internet frequentemente, 24% o fazem algumas vezes por ano e apenas
10% utilizam o e-commerce raramente. Na onda do crescimento desse
mercado, o portal anunciou um aumento de 50% em seu faturamento e 31
novos contratos para este ano – um deles com uma montadora de veículos
francesa que tem fábrica no Brasil.
Inspirado no potencial do mercado
americano, o diretor Pierre Mantovani, do Portal Omelete, tem planos de
trazer ao Brasil em dezembro a Comic Con Experience. A feira será uma
adaptação dos eventos que ocorrem em Nova York e San Diego, que reúnem
criadores e admiradores de quadrinhos, cinema, televisão, literatura e
afins. “Estamos adaptando tudo o que há de mais legal da realidade dos
americanos para a nossa”, afirma Mantovani. A versão brasileira contará
com uma área específica para quadrinistas do País divulgarem seu
trabalho. Para ele, há uma enorme demanda de pessoas interessadas em
temas geeks, mas pouca coisa boa está sendo feita em território
nacional. Além disso, houve uma mudança de comportamento que fez com que
os nerds conquistassem o próprio espaço. “Se minha mãe me visse com uma
camiseta do Batman, me perguntaria se eu não cresci. Mas, atualmente,
esses gostos passaram a ficar no DNA de algumas pessoas.”
As empresas brasileiras, segundo Mantovani,
não estavam preparadas para lidar com a liberdade de expressão que
existe hoje. “A internet possibilitou que muitos jovens com boas ideias
se autossustentassem”, diz. Pessoas com um perfil criativo começaram a
levar a cultura e os hábitos nerds para todo o mundo. Prova disso é que
algumas empresas brasileiras começaram a enxergar esse potencial. Em
abril de 2012, a Livraria Cultura anunciou o lançamento do Projeto Geek,
um espaço destinado aos entusiastas de quadrinhos, filmes, séries,
objetos colecionáveis e games. “O ponto de partida foi o crescimento do
mercado de games no Brasil, a partir daí tivemos a ideia de desenhar
outros produtos e serviços para essas pessoas”, afirma o idealizador
Igor Oliveira. Até então, as boas iniciativas estavam nas mãos de
pequenos empresários, dentro de nichos que compunham esse universo. Com
um investimento inicial de R$ 1 milhão, a Livraria Cultura criou cinco
espaços geeks dentro de lojas que já existiam e abriu dois
estabelecimentos independentes em São Paulo e no Recife. “Vimos a
oportunidade de unir a modernidade do mundo dos games com o caráter
retrô dos quadrinhos”, diz ele.
Nos Estados Unidos, meca dos nerds, tanto
grandes lojas varejistas quanto estabelecimentos menores e tradicionais
abastecem esse mercado. Para Oliveira, a tendência é que as grandes
livrarias acompanhem cada vez mais a segmentação também no mercado
editorial. “Trouxemos de volta um hábito que já estava esquecido, de
encontrar um lugar, ler e trocar ideias aos sábados de manhã e depois do
expediente.” Outra mudança é que as grandes editoras começaram a
investir na chamada literatura fantástica, a preferida da turma. O
escritor Eduardo Spohr, 39 anos, foi um dos primeiros a se aventurar
nesse estilo no Brasil. Com dificuldades para emplacar sua obra “A
Batalha do Apocalipse” nas grandes editoras, Spohr fez uma parceria com
os fundadores do programa “Jovem Nerd” para lançar o livro no site. As
quatro mil cópias se esgotaram em dois meses. “Somente depois do
programa e da parceria grandes editoras se interessaram pelo livro”,
diz.
Atualmente, o escritor possui quatro obras,
sendo uma delas o livro “Protocolo Bluehand: Alienígenas”, lançadoem
2011 pela editora Nerdbook, de Alexandre Ottoni e Deive Pazos. “Nesse
processo percebi que os leitores ficavam cada vez mais exigentes e
queriam conversar diretamente comigo para saber o que estava por vir”,
diz Sphor, que planeja lançar o próximo livro em 2015. “O nerd detém
muito conhecimento sobre quase tudo, tem a mente mais lúdica e está
sempre querendo aprender”, diz. Essa sede de aprendizado coloca hoje
esse grupo, que tem muito para ensinar, em uma posição de prestígio na
sociedade. São pessoas que, como dizem os filmes de ficção que elas
tanto cultuam, voltaram para se vingar e ganhar o mundo.
Fotos: Kelsen Fernandes/Ag. Istoé, Guilherme Pupo; Eduardo Zappia; Masao Goto Filho/Ag. Istoé
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