7.14.2014

Futebol brasileiro e a Globo "tudo haver"

S.O.S. em campo


Ao contrário do que pretendiam a mídia e a oposição, a Copa provou que os maiores problemas do Brasil ficam no gramado. Por Mino Carta

por Mino Carta — 

The Asahi Shimbun/Getty Images

Torcida
Quando trila o apito, a nação demonstra toda a sua puerilidade

Uma criança que chora por culpa do pai dá pena. Com o pai, como haveria de ser, não aprendeu que o futebol é apenas um jogo e que a pátria não calça chuteiras, além de ser o derradeiro refúgio dos covardes, conforme o doutor Johnson. Pela lição paterna, deveria entender a justa dimensão do ludopédio, e hierarquizar a sua importância na relação com outras questões propostas pela vida, embora esteja longe de ser pecado perceber graça e arte no trato da bola.
Há situações que não se dão por ocaso. As crianças choram na arquibancada, mas a nação em peso habilita-se à puerilidade. Sou de um tempo em que Pedro Luís Paoliello e Mario Moraes formavam, desde o imediato Pós-Guerra até meados dos anos 60, a mais ouvida e celebrada dupla radiofônica das transmissões futebolísticas. Pedro Luís, locutor insuperável, conheci, já sessentão, cavalheiro impecável. Moraes, comentarista de voz pastosa, pensador do esporte bretão, não conheci. Lembro ambos, com saudade.
Ao cabo da partida, Moraes analisava os jogadores por duas lentes: tecnicamente e taticamente. Hoje a ele perguntaria, meu comentarista preferido, sucinto e certeiro nas apreciações, que diria a respeito do desempenho da Seleção Canarinho na fatídica semifinal de 8 de julho de 2014, contra o time teutônico. Muito teutônico, ao som de Wagner, a bem da verdade factual. Ouço-o sentenciar: tecnicamente abaixo de medíocre, taticamente um desastre. Deste específico ponto de vista, me seduz enxergar nos jogadores a criança mal ensinada pelo pai. E penso em Felipe Scolari, a encarar a tragédia entre atônito e perplexo.
Haverá quem evoque, a favor dele, Scolari campeão em 2002. Pois naquela seleção os craques autênticos sobravam, e o time jogou como sabia, a dispensar técnicos. O mesmo aconteceu em 1958, quando os jogadores impuseram a Vicente Feola a escalação e inventaram por conta própria um esquema, o 4-3-3 que poderia tornar-se 4-2-4, destinado a revolucionar o futebol mundial. O qual, nos últimos 56 anos, mudou muito. Mudou demais.
Dinheiro em proporções exorbitantes adentrou o gramado e uma quadrilha passou a comandar a Fifa, instruída a contento por um brasileiro, João Havelange. Jules Rimet, aquele frágil senhor que entregou a taça em 1950, tadim, não tinha a mais remota possibilidade de imaginar seu atual sucessor, Joseph Blatter. Totò Riina não se sairia melhor do que Blatter. Só que Riina está na cadeia.
Sobe à memória, do longínquo passado, uma foto de Djalma Santos, campeão em 58 e 62, a carregar as chuteiras embrulhadas em papel jornal, e logo sobrevém de chofre a imagem de David Luiz em lágrimas ao sair de campo. No microfone que prorrompe debaixo de sua boca trêmula, soluça: “Eu queria apenas a felicidade do meu povo, a alegria de todos”. Mario Moraes afirmaria dele: tecnicamente razoável, taticamente nota zero. E no mais, que dizer do zagueiro recém-adquirido pelo PSG por 50 milhões de libras: hipócrita ou parvo? Ou reuniria em um único ser humano as duas características?
Moraes e Pedro Luís não se permitiam concessões e aí está outra comparação: raríssimos, ao longo desta Copa, os comentários sensatos. Em contrapartida, a enchente impetuosa das informações dispensáveis a tomar inexoravelmente todos os espaços disponíveis, como se nada mais houvesse a ser noticiado além do festival da bola, e os comentários amiúde equivocados, como se o objetivo fosse levar a plateia a acreditar no impossível e a estimular-lhe a imbecilização. A campanha da Seleção foi pífia e a semifinal imerecida. Em dois jogos, contra Croácia e Colômbia, os canarinhos gozaram da colaboração decisiva dos juízes. No jogo contra o Chile, os fados haviam acordado de excelente humor. O outro encontro foi o empate com o México. Neymar mostrou seus limites de criança mimada. Esporádicas as avaliações isentas, responsáveis, de sorte a preparar a plateia para o desenlace melancólico.
Enredado pelas recordações, enveredei por reflexões pretensamente técnicas. Cabem outras mais significativas, e são políticas, e também sociológicas, se quiserem, sem a mais pálida intenção de escrever um tratado. A Copa teve o condão de deixar claro que o problema do Brasil não estava fora dos estádios, e sim no próprio gramado. Este Campeonato Mundial exibiu um país bem diferente daquele anunciado. A assistência global viu uma boa organização em um recanto civilizado, deste ângulo digno da melhor contemporaneidade, na contramão das circunstâncias previstas alhures e, mais ainda, por aqui.
A quem aproveita? Ao País. A todos nós. Não falta, entretanto, quem queira tirar vantagem no bem e no mal. Ouvimos nos últimos meses contraditórias versões a respeito de quem se valeria da situação para favorecer seus interesses, proclamadas em ambientes diversos e sustentadas pela mídia nativa. A Copa sela o enterro de Dilma. Nada disso, Dilma pretende usar a Copa em seu benefício. Perdão, perdão, boi na linha: o desfecho da Copa trabalha contra Dilma. Há mesmo alguns, desvairados, a afirmar que a derrota, acachapante, diria Mario Moraes, sofrida contra a Alemanha, é culpa da Dilma.
CartaCapital esforçou-se para sustentar, amparada nas aulas que a história costuma ministrar aos menos desavisados, que resultados futebolísticos e eleitorais seguem por caminhos próprios e não se cruzam. Mesmo assim, preparemos nossos corações para assistir a mais uma quermesse de sandices a respeito. Registre-se que, de fato, o Brasil oferece uma prova de sua contingente decadência futebolística e outra, muito mais importante, de um inesperado grau de maturidade, embora misturado com a puerilidade nacional quando trila o apito.

A novela da derrota da Copa na mídia brasileira

Tão surpreendente quanto o resultado de 7 X 1 entre Alemanha e Brasil foi a rápida mudança de posição de dezenas de emissoras de rádio e TV, sites, jornais e revistas
por Intervozes — publicado 10/07/2014 12:41, última modificação 10/07/2014 16:14
Por Ana Carolina Westrup*
Bastou um pouco mais de 90 minutos de jogo - e, claro, o resultado atípico em termos históricos - para que assistíssemos a algo que, se bem analisado, pode se tornar tão intrigante quanto o resultado da semi-final que Brasil e Alemanha protagonizaram. A derrota da seleção brasileira, com o fatídico 7x1 em favor da Alemanha, trouxe à tona mais um episódio de incoerência e superficialidade na cobertura da maioria da imprensa brasileira.
Ninguém questiona a surpresa gerada pelo placar. Mas tão surpreendente quanto foi a rápida mudança na linha editorial de dezenas de emissoras de rádio e TV, sites, jornais e revistas. Do patriotismo exacerbado, com direito a aterrissagem de helicóptero global nos treinos da seleção, ao quase que linchamento público de alguns jogadores e da comissão técnica, salvo raras e honrosas exceções.
Editoriais e opiniões que antes denotavam a seleção alegre, feliz, o grupo unido do menino “Ney’ e de Felipão rapidamente mudaram o tom e elevaram as críticas àquela que já chamam como a pior seleção brasileira dos últimos tempos. Uma situação que beira, inclusive, a esquizofrenia, quando o peso recai sobre os próprios privilégios.
O aspecto mais emblemático é a critica acerca da exagerada exposição da seleção, com a abertura dos treinos e da concentração à imprensa, quando, na realidade, são as grandes emissoras, principalmente a Rede Globo, que se beneficiaram com links diretos, entregas de carta das mães para os respectivos filhos/jogadores e até participação ao vivo em programas de TV.
Já no que diz respeito à exposição dos jogadores, não é exagero falar no circo de horrores ao qual os jogadores da seleção brasileira, de forma quase que punitiva, foram expostos em entrevistas e imagens nos minutos seguintes ao final do jogo.
As desculpas de David Luiz para o público que lotava o Mineirão, acompanhadas pelas câmeras do “plim-plim”; o choro desconsolado de Thiago Silva, filmado quase que na íntegra; e as perguntas ácidas dirigidas aos jogadores dão a esse enredo um contorno sádico e sensacionalista, como se a exposição da imagem sofrida dos jogadores fosse um castigo justificado pelo resultado apresentado, ou uma das melhores formas de consolar a população brasileira e tangenciar o verdadeiro debate a ser feito: os problemas estruturais que enfrenta o futebol brasileiro.
De heróis a vilões, meninos, em sua grande maioria, foram taxados como culpados no julgo midiático, a ponto, inclusive, de serem  comparados a um outro “algoz” do Brasil da Copa de 50. Em entrevista concedida e reproduzida pelos mais diversos canais de televisão, rádios e sites de notícia, a filha de Barbosa - goleiro que tomou um gol do Uruguai no Maracanã - chegou a dizer que, agora, seu pai poderia descansar em paz. Para ela, Barbosa finalmente havia sido libertado de uma maldição de mais de 50 anos e quem deveria carregar esse peso a partir de então seriam os jogadores da atual seleção. Quase um pecado original.
Trata-se de um viés que esconde a última característica dos elementos que foram destacados na cobertura da grande mídia: a superficialidade do debate feito pelos analistas esportivos. Quase em uníssono, as maiores emissoras do país, de forma consciente, definiram um ângulo onde a exposição dos jogadores e da comissão técnica acabaram desviando do foco o debate central e invisibilizado por tanto tempo que pode ter levado a este resultado: o modus operandi do futebol brasileiro, com seus cartolas, privilégios e muitas cifras, sobretudo.
Com poucas exceções, como o programa Linha de Passe na ESPN e o comentário de Kennedy Alencar na CBN, na noite trágica do dia 8 de julho não se discutiu a atual formatação do futebol brasileiro, não foram problematizadas as questões que envolvem a CBF e os seus dirigentes e, tampouco, foi levada à tona uma análise sobre a organização dos campeonatos de futebol no Brasil e o montante financeiro que isso envolve.
Nada disso é à toa. Os números revelam, por exemplo, o lucro que a mais concentrada empresa de comunicação do país angariou nesses últimos dias de Copa. Somente a Rede Globo de Televisão faturou mais de 1,4 bilhão de reais com cotas de patrocínios, apesar da insistência em  Galvão Bueno(o maior mala da TV) , Ronaldo (medida certa) e Casa Grande (um eterno cara de porre). Segundo a própria emissora, este seria um dos maiores pacotes de patrocínio em uma Copa do Mundo e os patrocinadores engoliram esta cerveja quente e amarga.
Em uma entrevista ao Portal Lance Net, Alex, o meio campo do Coritiba e membro do Bom Senso Futebol Clube, traduziu o que se passa no futebol brasileiro e a verdade entre a Rede Globo e o CBF:  “A CBF cuida apenas da Seleção Brasileira. Quem realmente cuida do futebol brasileiro é a Globo”, afirmou.


Em uma situação de vacas tão gordas, democratizar a discussão sobre o cenário atual do futebol brasileiro seria extremamente arriscado. Melhor, portanto, criar uma novela da derrota da seleção, onde nenhum capítulo, até agora, retratou ou problematizou a reforma estrutural tão necessária para a nossa dita paixão nacional.

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