2.25.2014

“A depressão ainda é um dos maiores segredos do cérebro humano”

  • Neurocientista aponta que o problema não tem origem apenas psicológica, mas também orgânica
FREDERICO GOULART
Gitte Moos Knudsen é pesquisadora-chefe da Unidade de Pesquisa em Neurobiologia do Hospital da Universidade de Copenhagen (Dinamarca)
Foto: Divulgação/Lundbeck
Gitte Moos Knudsen é pesquisadora-chefe da Unidade de Pesquisa em Neurobiologia do Hospital da Universidade de Copenhagen (Dinamarca) Divulgação/Lundbeck
RIO - Mesmo com todos os avanços da ciência, um problema tão antigo quanto comum permanece sendo um dos maiores desafios da ciência: a depressão. Desvendar esse complexo mistério é um dos trabalhos de Gitte Moos Knudsen, neurologista dinamarquesa e pesquisadora-chefe da Unidade de Pesquisa em Neurobiologia do Hospital da Universidade de Copenhagen (Dinamarca). Ela esteve no Rio de Janeiro no começo do mês em visita à filial brasileira do laboratório Lundbeck - centro responsável por financiar pesquisas na área. Gitte alcançou destaque ao identificar padrões de atividade cerebral que apontam funcionamentos cognitivos relacionados à depressão. Veja o que mais ela fala sobre o assunto.
Quais são os principais desafios da neurociência hoje, e como os especialistas no assunto vem tentando superá-los?
Penso que o maior desafio é entender como o cérebro humano funciona. Quanto as questões clínicas, as doenças que mais incomodam são a depressão, a doença de Alzheimer e outros danos que afetam uma grande quantidade de pessoas. É importante entender que essas doenças chamadas mentais são, na verdade, cerebrais.
O cérebro humano ainda é um órgão misterioso, cheio de segredos?
O cérebro humano ainda esconde diversos segredos, e a razão para isso é o fato dele ser um órgão extremamente complexo. Entender seu funcionamento é mais complexo ainda. Nossos cérebros possuem bilhões de neurônios que atuam em conjunto de uma forma dinâmica para modular nossas respostas às demandas do ambiente. Também existem diversos neurotransmissores e hormônios. A interação ente o genoma e os fatores epigenéticos, que pode ser definida de maneira simplificada como a maneira pela qual o ambiente modela o nosso sistema nervoso, é uma questão extremamente complexa e desafiadora. Portanto, existem diversas questões ainda a serem descobertas, mas penso que já avançamos consideravelmente rumo ao entendimento de como o cérebro humano funciona
Quais as principais ameaças que nós humanos oferecemos a nosso cérebros?
As maiores ameaças se relacionam às drogas e lesões traumáticas, mesmo aquelas aparentemente leves. Essa questão tem sido cada vez mais debatida. As lesões que os jogadores de futebol americano sofrem são um exemplo, mas existem diversos outros tipo de concussões e contusões repetidas que passam despercebidas. A adoção de um estilo de vida pouco saudável, o estresse crônico e a presença de doenças clínicas não tratadas, como a hipertensão e o diabetes, também constituem em ameaças relevantes. Estamos progressivamente mais conscientes desses riscos e necessitamos ensinar à população em geral como evitá-los.
E que drogas são as mais danosas ao sistema nervoso?
Essa é uma questão complexa, já que devemos considerar fatores como os efeitos agudos e crônicos das drogas e o quão difundida é sua utilização. Se analisarmos quais drogas causam dano a um número maior de pessoas, no topo dessa lista de efeitos estão o álcool e o hábito de fumar. Não apenas por seus efeitos diretos sobre o cérebro e o corpo, mas também por sua utilização amplamente difundida. As legislações não abordam os perigos potenciais e a toxicidade dessas chamadas “drogas lícitas”. Talvez seja a hora de repensarmos nossa posição sobre isso não apenas como indivíduos, mas também como sociedade.
A depressão é uma doença do cérebro? Não é apenas uma doença psicológica, mas também orgânica?
A depressão é uma doença cerebral, que pode ser tratada de diversas maneiras. O fato da psicoterapia ser uma dessas maneiras não significa que a depressão seja um fenômeno de origem psicológica. Essa forma equivocada de pensar leva algumas pessoas a considerar que poderia ser possível aos pacientes superar a doença apenas com a vontade de mudar, e esse definitivamente não é o caso. Essas pessoas possuem uma doença cerebral e simplesmente não podem fazê-la desaparecer.
Qual a reação que a depressão causa no cérebro?
Essa reação pode ser descrita como o surgimento de padrões de atividade cerebral relacionados a um predomínio, em termos de valorização, dos aspectos negativos das experiências derivadas da exposição ao ambiente. Isso leva a uma sobrevalorização das emoções negativas, que acabam por anular as emoções positivas. Dessa forma, uma visão negativa prevalece sobre a visão neutra ou positiva dos fatos. Esse é o problema cognitivo básico relacionado à depressão.
Os antidepressivos tem sido prescritos de maneira exagerada? Eles são ruins para o cérebro?
Estou convencida de que os antidepressivos podem ser prescritos de forma exagerada em certas circunstâncias, e esse fato talvez esteja relacionado ao surgimento de uma percepção negativa desses medicamentos em certos meios. Como qualquer tratamento médico, os antidepressivos devem ser utilizados de forma cautelosa, e somente quando prescritos por médicos qualificados. Da mesma forma, também estou certa de que esses medicamentos são um dos melhores recursos que podemos utilizar para ajudar as pessoas que sofrem de condições incapacitantes como a depressão e algumas outras doenças mentais.
A depressão é uma doença crônica, ou seja, uma vez alvo do problema, a chance dele voltar é sempre maior?
O estudo dos fatores de risco ao cérebro humano pode nos levar a identificar alguns dos mecanismos básicos da depressão. A análise desses fatores pode nos proporcionar uma compreensão da doença sem fatores geradores de confusão que possam enviesar nossa percepção. É o que acontece, por exemplo, quando observamos o cérebro de uma pessoa deprimida que possua graves problemas sentimentais associados à depressão. Nesses casos, a doença é também mais difícil de ser tratada. É verdade que a depressão é um problema que tem uma tendência a reaparecer ao longo da vida, mas eu não a classificaria como uma doença crônica. Episódios depressivos não são uma condição crônica, e talvez seja mais adequado considerar a depressão como uma doença caracterizada por exacerbações, cujas crises podem ser desencadeadas pela exposição a fatores ambientais, embora também ocorram na ausência de qualquer fator desencadeante identificado.

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