Campanhas como a da imagem, feitas pelo governo dos EUA, tentam aplacar a rejeição de parte da população às vacina
De Nova York
Jeremiah mitchell vive em Tulsa, a segunda maior
cidade de Oklahoma. A criança de 10 anos acaba de aparecer na primeira
página do segundo jornal de maior circulação nos Estados Unidos,
debruçado sobre seu iPad, que controla com os cotovelos. Em uma segunda
imagem, a mãe o ajuda a colocar suas próteses. As pernas também foram
amputadas depois de ele ser diagnosticado com meningite, aos 6 anos,
quando cursava o jardim de infância. Outras cinco crianças de sua escola
foram infectadas e duas morreram. O caso de Mitchell tornou-se
emblemático na denúncia, pelo governo Barack Obama, do crescimento do
movimento antivacina no país, estimulado por grupos religiosos e
conservadores. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, a
decisão de não vacinar crianças em idade escolar é fator crucial para o
reaparecimento de doenças até poucos anos restritas aos arquivos
médicos, entre elas a própria meningite, o sarampo e a coqueluche.
Há 14 anos o sarampo foi oficialmente erradicado nos EUA.
De acordo com o CDC, neste ano crianças serão, porém, infectadas três
vezes mais pela doença do que em 2009. Quase 5% dos alunos de jardins de
infância de Idaho, Illinois, Michigan, Oregon e Vermont não foram
vacinados no ano passado, sob alegação de “razões de crença pessoal” dos
pais. Um surto de sarampo nos últimos dois anos no Texas, na Califórnia
e em Nova York deveu-se, afirma Washington, ao número expressivo de
crianças não vacinadas aptas a viajar pelo país.
Diretora de imunização
do CDC, Anne Schuchat veio a público lembrar que a decisão de não
vacinar crianças, cara à noção de direito individual do cidadão
americano, afeta invariavelmente o bem-estar de toda a população. “Não
queremos que crianças nos dias de hoje morram de sarampo nos EUA. Mas
nesse cenário diria ser quase inevitável isso não acontecer.” O país
teve 189 casos registrados de sarampo em 2013 (ante 55 no ano anterior),
24.231 de coqueluche (com 91 casos fatais) e 480 de meningite (com 75
mortes). Até abril, 115 casos de sarampo foram confirmados neste ano.
O movimento antivacina, estimulado pela
crença de que as inoculações obrigatórias seriam responsáveis pelo
crescimento exponencial de casos de autismo nos Estados Unidos, não se
restringe aos grotões em estados sulistas do chamado Cinturão da Bíblia.
Em 2008, uma explosão de sarampo em San Diego surpreendeu as
autoridades: em vários bairros da cidade de pouco mais de 1 milhão de
habitantes, 20% das crianças em idade escolar simplesmente não foram
vacinadas contra a doença. O mesmo se repetiu em 2014 no distrito de
Orange, localizado ao sul de Los Angeles, a maior metrópole da
Califórnia. No ano passado, um jovem judeu ortodoxo de 17 anos, não
vacinado por razões religiosas, foi apontado como a primeira peça do
quebra-cabeça montado pelos médicos do Brooklyn, distrito mais populoso
de Nova York, para entender o aumento impressionante de casos de sarampo
na cidade.
Em um país profundamente dividido
ideologicamente, o combate duro aos alarmes dados pelo CDC preocupam,
mas não surpreendem. Presidente do Centro de Informação Nacional para a
Vacinação, ONG sem fins lucrativos, Barbara Loe Fisher é das mais
arraigadas defensoras do direito de os pais decidirem se querem vacinar
os filhos. “Os questionamentos em relação à vacinação obrigatória são
legítimos, especialmente quando sabemos que 10% das crianças vacinadas
no jardim de infância tornam-se asmáticas e uma em cada 50 são
diagnosticadas com autismo. Por que é que nos EUA os cidadãos devem ser
coagidos a tomar todas as vacinas recomendadas pelo governo quando no
Canadá, no Japão e na Comunidade Europeia eles são livres para escolher o
que acham ser o melhor para suas famílias?”
Desde 1986, quando o Congresso passou,
durante o governo Reagan, o Ato Nacional de Proteção à Vacinação para
Crianças, os grandes laboratórios e os médicos contam com uma rede de
proteção legal contra processos centrados em possíveis malefícios
causados por vacinas.
No Brasil, também neste mês, seis adolescentes tiveram
reações – como dor muscular, cefaleia e náusea – à primeira dose da
vacina contra o HPV no Rio Grande do Sul. A reação levantou dúvidas
sobre a qualidade dos lotes de vacina produzidos no País. Nas redes
sociais, o estudo realizado em 1998 por um médico britânico, com 12
pacientes, a ligar o autismo à vacinação obrigatória, reapareceu com
destaque em fóruns de discussão. Tal estudo foi considerado fraudulento
pelas autoridades médicas do Reino Unido poucos anos depois de publicado
e seu autor, Andrew Wakefield, perdeu o registro médico. Nos EUA, desde
então e apesar da comprovada fraude acadêmica, 17 estados modificaram
sua legislação e permitiram aos pais “isenção por motivos filosóficos
e/ou religiosos” da obrigatoriedade da vacinação.
Do outro lado da conversa, Michaela
Mitchell, a mãe de Jeremiah, conta que em 12 horas ele deixou de ser um
menino obcecado por andar de bicicleta pelas ruas de Tulsa para retornar
à sua casa, depois de ficar em coma, “tal qual uma múmia”. Ela
tornou-se uma das faces mais visíveis nos EUA da luta contra a
possibilidade de jardins de infância como os frequentados por seu filho
optarem pela não exigência de comprovação da vacina, comum em Oklahoma:
“Eu disse que ele tinha todo o direito de ter raiva pelo que aconteceu. E
que, a partir de agora, teríamos de fazer tudo de modo diferente”.
No debate em torno da obrigatoriedade da vacinação, os
dois lados parecem concordar em ao menos um aspecto: as crianças pagam o
maior preço na oposição entre a liberdade individual e a proteção da
saúde pública.
por Eduardo Graça —
Carta Capital
por Eduardo Graça —
Carta Capital
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