As pesquisas conduzidas na Universidade Johns Hopkins começam a abrir caminhos para a compreensão de todos esses efeitos. Desde 2006, estudos conduzidos no local tentam entender como a droga propicia as experiências místicas. No ano passado, a pesquisadora Katherine MacLean realizou uma revisão dos estudos anteriores e descobriu que a psilocibina altera a personalidade de seus usuários para sempre – ela os deixa mais abertos a novas experiências. A GALILEU conversou com a cientista sobre essas e outras pesquisas conduzidas na universidade. Veja a entrevista completa:
Como você se envolveu com esse estudo?
Eu cheguei na Universidade Johns Hopkins para estudar psicofarmacologia há 3 anos, quando eles já vinham fazendo esse tipo de experiência. Só dois estudos haviam sido publicados. O primeiro é de 2006, mas eles eram muito similares. Um deles comparava os efeitos de uma alta dose de psilocibina com uma dose de ritalina. O segundo comparava diferentes doses de psilocibina e placebos. Eu quis estudar a mudança de personalidade nos voluntários desses dois estudos, onde tivemos 64 voluntários.
E o que você percebeu?
Descobri que 30 dos indivíduos relataram ter tido uma experiência mística completa. As principais características dessa experiência são uma sensação de unidade e conexão, a ideia de que tudo é uma coisa só, que você está conectado a tudo no mundo, inclusive à sua ideia de deus. A sensação de unidade é o componente principal, onde as pessoas não sentem mais a separação entre elas e o resto do universo. Há o sentimento de sacralidade, uma experiência do divino, de fora desse mundo. Esses voluntários relataram sensações de felicidade, de paz
E essa experiência mudou suas vidas para sempre?
Nessa parte tivemos que confiar na palavra dos voluntários: 30% relataram que foi a experiência mais significativa de suas vidas. Quase todo mundo que tomou a alta dose disse que estava entre suas 10 experiências mais importantes. E nós também vimos que as mudanças de personalidade foram maiores em quem teve as experiências mais pessoais.
Segundo seu estudo, essa mudança de personalidade deixou as pessoas mais abertas. Como isso aconteceu?
Existem 5 domínios de personalidade [abertura, neuroticismo, extroversão, amabilidade e meticulosidade]. A abertura é uma categoria relacionada à criatividade, imaginação, aos interesses em artes, em musica, na expressão. Mais recentemente a abertura foi caracterizada como a motivação de buscar novas idéias e experiências. Não há como dizer se o aumento na abertura é necessariamente bom, mas nós temos visto isto que ele traz benefícios em domínios como criatividade e solução de problemas.
Esse tipo de mudança é comum?
Não, ela é rara em adultos. Os mais velhos tendem a ter uma abertura menor do que os mais jovens. A mesma pessoa tende a dizer que é menos aberta conforme envelhece. É possível como adulto ter uma mudança de personalidade, mas o mais comum é ver isso em casos clínicos, como em pessoas que são viciadas em drogas ou se recuperam de doenças.
Porque essa mudança aconteceu? Foi por causa de uma reação química no cérebro ou por conta da experiência vivida?
Eu sou muito interessada na parte bioquímica da equação. A psilocibina age diretamente na serotonina, possivelmente também no glutamato. Os dois podem estar relacionados à neuroplasticidade, o que pode significar que a estrutura e função do cérebro podem mudar em um adulto. Mas há pouca evidência para a gente falar que o cérebro muda permanentemente. De outro lado, o efeito pode ser psicológico. Ao ter uma experiência completamente diferente de qualquer coisa em sua rotina, isso pode abrir suas perspectivas para o que você pensa ser possível na vida comum. A mudança pode também ser relacionada às coisas que você vê durante a experiência, ou ao modo como você pensa, que é diferente do modo normal. Pode ser por causa das emoções diferentes, que você nunca sentiu – nós podemos levar pessoas que nunca riem ou choram a fazer essas coisas, a sentir essas emoções. Pode ser que, ao praticar um novo repertório de emoções e sentimentos, você mude sua personalidade.
Como vocês conseguem a droga para as experiências?
Você tem que conseguir uma nova aprovação toda vez que vai fazer um estudo. Quando o professor Roland Griffiths começou a fazer esses estudos, ele tinha que conseguir várias aprovações e preencher vários formulários, para várias agências do governo. Agora, como ele já fez essas pesquisas, ele só precisa fazer uma emenda se formos fazer novos estudos. A psilocibina é sintetizada por David Nichols, [professor de farmacologia na Univesidade de Purdue]. Ele tem uma licença governamental para produzir a substância.
Como administrar essa droga de modo seguro?
Nós desenvolvemos um jeito efetivo de aumentar as experiências positivas e reduzir experiências negativas na aplicação da droga. Muitos dos estudos com psilocibina foram feitos nos anos 50 e 60, e alguns cientistas davam as substâncias para as pessoas sem dizer do que se tratava. Mas logo ficou claro que isso não trazia bons resultados. Alguns pesquisadores viram que se você passasse mais tempo com as pessoas antes de sua experiência com a droga, se aprendesse mais sobre sua vida, se os pacientes dividissem com você seus medos, tudo seria mais tranquilo. Também temos que ter uma ou duas pessoas sóbrias presentes durante a seção.
Mas quais são os perigos?
Há um cientista na Inglaterra [David Nutt] que categorizou todas as drogas quanto à sua segurança e toxicidade, e a psilocibina e o LSD foram consideradas entre as mais seguras. Mesmo assim, se houver algum risco vindo da experiência, ele é psicológico. O maior efeito negativo de seu uso pode ser a ansiedade, medo e clássica paranóia característica da “bad trip”. Em nossos testes, nós vimos esse medo e ansiedade, mas lidamos com isso sem remédios ou sedação, só oferecendo nossa mão para segurar e ajudando os voluntários a saírem disso. Em alguns casos vimos mudanças de temperamento ou demora em lidar com questões existenciais. Alguns estudos mostram que os efeitos podem durar mais tempo em alguns voluntários. Esses casos são aparecem em pesquisas antigas, então não vimos nada desse tipo. Seria maravilhoso fazer testes clínicos maiores para ver qual a freqüência desses casos. Só houve algumas centenas de sessões nos anos recentes.
É importante destacar que o modo como damos a psilocibina é muito diferente do uso recreativo. Nós a aplicamos num modo médico-terapêutico, controlamos todas as preocupações médicas e de segurança. É até possível que pessoas sozinhas tenham uma experiência boa com a psilocibina, mas nós desencorajamos as pessoas acharem que nossos resultados podem ser repetidos em casa.
Você pode falar sobre os outros estudos em execução?
Eu estou envolvida em um estudo com voluntários saudáveis, que não tenham experiências com psicodélicos ou meditação. Eles aprendem a meditar e tem 2 ou 3 sessões de psilocibina. Queremos estudar o desenvolvimento da meditação ao mesmo tempo em que se consome a droga. Também temos um estudo com pacientes com câncer, para analisar seu efeito em pessoas que têm ansiedade e depressão relacionados ao seu diagnóstico. O terceiro é um estudo piloto menor, para ver se a psilocibina ajudaria as pessoas a pararem de fumar.
Há um aumento nesse tipo de estudo?
Eu diria que há um aumento no interesse de pesquisadores jovens nesse tipo de estudo. O problema é o pouco numero de universidades e departamentos que queiram apoiar essas pesquisas, principalmente porque é uma área nova. Além disso, mesmo com as pequenas doações de pequenas instituições privadas, não há nenhum financiamento governamental desse tipo de estudo.
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