Lembranças de dois momentos vividos como jornalista e como cidadão, a mostrar um Brasil muito complicado
Deplorável memória
Nunca esquecerei aquele dia
de 2008, em que o ministro da Justiça, Tarso Genro, me telefonou em
estado de graça. “Viu, viu – disse no tom do entusiasmo –, acabamos de
prender Daniel Dantas.” Em ótima fé, premiava CartaCapital,
que nunca esmoreceu na denúncia das façanhas ilegais do banqueiro do
Opportunity. A Operação Satiagraha atingira o alvo. Em vão, como todos
sabem.
Com a colaboração inicial de Gilmar
Mendes, que ao longo do episódio chegou a “chamar às falas” o presidente
Lula e, secundado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, pediu a cabeça
do então diretor da Abin Paulo Lacerda, Dantas foi solto e vive até
hoje livre como um passarinho feliz. Melhor, como um pássaro graúdo e de
rapina a sobrevoar o País. Lacerda sofreu o ostracismo e foi exilado
para a embaixada em Lisboa, enquanto Gilmar Mendes afirmava ter sido
grampeado pela Abin juntamente com o então senador Demóstenes Torres, de
deplorável memória.
Mais tarde verificou-se que a Abin não
tinha condições técnicas para grampear quem quer que seja, nem por isso
houve algum gênero de desagravo a Lacerda, honrado delegado de límpida
carreira, tampouco para Protógenes Queiroz, que comandara a Satiagraha e
de quem pretendeu-se alegar a incompetência.
Também não consigo esquecer um dia do
final de 2005, quando Paulo Lacerda, então diretor da própria Polícia
Federal, me iluminou, e espantou notavelmente, a respeito do destino do
disco rígido do Opportunity, apreendido pela Operação Chacal. Entregue o
disco ao Supremo, esperava-se que fosse aberto. Cabia a decisão final à
ministra Ellen Gracie, mas o tempo passava e o nihil obstat não vinha.
Perguntei a Lacerda qual seria a razão da
demora. Respondeu, rápida e textualmente: “Se abrirem, acaba a
República”. A mesma frase eu ouviria mais tarde de outras bocas. O
enterro da Chacal e da Satiagraha é um excelente exemplo de quanto move a
reportagem de capa desta edição.
Aqui e acolá aparecem na mídia nativa
referências à possibilidade de que Lula assuma o lugar de Dilma no
próximo embate eleitoral. Pergunto aos meus intrigados botões: por que
será? Hoje estão loquazes, começam de longe, só faltaria evocarem os
sumérios. Felizmente, não é bem assim, mas verdade factual é que do
assunto fala-se há tempo, assim como havia gente de boa-fé entre quem
aventava a hipótese.
Sim, sim, digo eu, mas por que agora? Sem
contar que a boa-fé não é própria da mídia nativa. Ora, dizem os
botões, o propósito é claro e óbvio: trata-se de inquietar o ambiente
petista e tentar criar fricções entre Dilma e Lula. Semear a cizânia,
diria um evangelista. O jornalismo pátrio não prima pela sutileza. Isto é
da tradição: afirma isenção, equidistância, pluralidade, enquanto toma
partido sempre e sempre a favor da casa-grande. Normal, não é mesmo? Os
patrões da mídia nativa são inquilinos estáveis da mansão, além de
hipócritas natos e hereditários.
Volto à carga: mas por que Lula haveria
de arrancar a candidatura da sua criatura? Pois é, dizem os botões, não
há razão alguma, conveniência política que seja. Sim, caiu um pouco a
popularidade da presidenta, as pesquisas, entretanto, teimam em apontar
sua vitória no primeiro turno. E se ganha Dilma, o PT fica no poder por
16 anos e, quem sabe, Lula venha a ser o candidato, isto sim, em 2018. A
tigrada, observam os botões, ficou animada com a entrevista do
ex-presidente aos blogueiros confiáveis porque ali não deixou de chamar a
atenção da criatura quanto a algo evidente: cabe a ela, em primeiro
lugar, expor as razões de sua reeleição.
De fato, os papéis de cada qual mudaram.
Em 2010, era dever de Lula expor os motivos de sua escolha. Agora, o
dever de defender o governo, o seu governo, fica para Dilma. A qual não
errou ao dizer que a campanha desencadeada pelo affair Pasadena (mau e
nebuloso negócio) visa à destruição da Petrobrás. Trata-se, parece-me,
de uma visão a médio, ou longo, prazo, caso se encerre o reinado
petista. A presidenta poderia ter lembrado que, com o tucanato no poder,
cogitou-se da privatização da estatal com o apoio dos jornalões, em
delírio. Em outros tempos, a isto se chamava de entreguismopor Mino Carta —
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