A história da educadora social Rosana Boaventura, que desde 2001 trabalha como educadora social na ONG Ação Comunitária, em São Paulo
Lígia Menezes
"Percebo o mundo como ausente de bons sentimentos, de palavras doces, de pequenos 'nadas', de gentilezas miúdas", afirma Rosana Boaventura
Além de desenvolver projetos com jovens de 16 a 21 anos, capacitando-os para o mercado de trabalho, a educadora social Rosana Boaventura, que desde 2001 trabalha como educadora social na ONG Ação Comunitária, planta uma sementinha de gentileza, por meio da chamada Cultura de Paz. Vida Simples conversou Rosana para saber como é possível mudar uma realidade através de pequenas gentilezas.
Como você pratica as pequenas gentilezas em seu dia a dia?
Em minhas aulas trago dois exemplos sugestivos de ações eficazes para a paz: primeiro, a distribuição gratuita de "pequenos nadas". Distribuo aos educandos abraços, sorrisos, bom dia, boa tarde, boa noite, empresto o ouvido, o ombro amigo, o caminhar juntos... Outra coisa é difundir o exemplo de um jovem australiano, que resolveu colocar uma placa em si mesmo escrita 'abraços grátis', e saiu pelas ruas abraçando as pessoas. Digo aos meus alunos que a Cultura de Paz quem faz somos nós, quando ouvimos e não discutimos, quando expomos nossa opinião e respeitamos a opinião do outro, quando não discriminamos ou tratamos com preconceito as pessoas que pensam diferente de nós. Então, todos os dias, ao final das aulas, nos abraçamos. Com o tempo, eles começaram a querer no início das aulas também. Penso assim: para uma pessoa sobreviver ela deve receber quatro abraços por dia; para sobreviver com saúde, são necessários oito; para manter-se gente, gostar mais de si, relacionar-se melhor com todos, estar de bem com a vida e ser ainda mais feliz, são necessários 12 abraços por dia! Pequenas gentilezas são aguardar a sua vez, mesmo que tenha chegado antes para pedir um café na cafeteria; abrir a porta do carro quando entra ou sai alguém; dar a passagem no trânsito... Enfim, são tantos "pequenos nadas" que deveríamos exercitar mais.
E como isso muda a rotina dos jovens?
Percebo jovens transformados, mais atentos, curiosos, com sede de aprendizado e de carinho. São pessoas que estão entrando no mundo de adultos, mas que ainda são adolescentes, carentes e ansiosos por representar algo ou alguém na vida de outros. Eles têm sede de tudo. Acredito que se todos parassem um pouco, deixassem a pressa de lado ou apenas colocasse sua cadeira na calçada e observasse o que se passa à sua volta seriam pessoas melhores. As pessoas têm pressa de tudo. A pressa vem com a falta de gentilezas. Hoje, os homens já não dão seus lugares nos coletivos para as mulheres (nem para as idosas, nem grávidas), ninguém segura o elevador para o próximo...
Rosana Boaventura trabalha como educadora social na ONG Ação Comunitária, em São Paulo
Ultimamente tenho me controlado muito para não xingar ninguém. As pessoas não sabem dar atenção ao outro - e tento passar isso aos meus alunos. Vou dar um exemplo: tenho noção do meu tamanho, pois peso 114 quilos e tenho 1,68 metro. Logo, sou baixinha e gordinha. Quando entro em uma loja para comprar roupas (que necessariamente não precisam ser para mim), muitas vendedoras já avisam que não têm o meu tamanho. Isso me irrita profundamente.
Como uma pequena gentileza de alguém já mudou seu dia?
Uma manhã, fui ao Centro de São Paulo resolver umas questões burocráticas na prefeitura e me deparei com pessoas sem educação. Do nada, em meu celular, veio uma mensagem de uma amiga que não vejo há algum tempo, me escrevendo coisas tão lindas, tão serenas, tão de paz, que me senti bem o resto do dia. Para mim, aquilo valeu mais que qualquer gesto ou palavra que aquele funcionário público me fez.
Quem são as pessoas mais afetadas pelas pequenas gentilezas praticadas no dia a dia?
Acredito que as gentilezas têm peso na vida de qualquer pessoa, não importando sua classe social, sexo ou etnia. Os jovens da periferia têm mais problemas, diferentes do que os de outras classes sociais. Mas eles podem reverter qualquer situação quando são amados, são ouvidos, quando podem manifestar suas ideias, seja cantando, escrevendo ou lendo. Acredito no poder transformador de vidas, sejam as pessoas jovens ou não, a partir de uma gentileza. Afinal, quantas pessoas não seriam mais felizes se tivessem alguém que as escutasse simplesmente, sem críticas, ou conselhos?
O que falta para as pessoas conseguirem ser mais gentis umas com as outras?
Falta conscientização, vontade de olhar para o outro, discernimento para entender o que se passa à sua volta, acreditar mais em si e no outro. Quando se para e pensa um pouco, se observa mais as coisas à sua volta, e tudo o que acontece. Falta também voltarmos mais pra dentro de nós mesmos, preencher alguns vazios, ocupar nossa vida com aquilo que queremos: respeito, olhares, carinho e a gentileza do outro.
Como você enxerga o mundo hoje?
Percebo o mundo como ausente de bons sentimentos, de palavras doces, de pequenos 'nadas', de gentilezas miúdas. Um mundo com sede de tecnologia, de informação, de inovação, mas que se esquece do lado humano. Acredito que se disseminarmos mais a Cultura de Paz, aonde quer que estejamos, faremos um mundo melhor, onde a valorização da pessoa será bem maior que a da máquina.
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