Novos tratamentos conseguem impedir que os sonhos ruins aconteçam ou até mudar seu conteúdo
Rachel CostaDurante décadas, os sonhos ruins estiveram sob a égide da psicanálise. Os últimos estudos científicos, porém, mostram que não apenas fatores psicológicos explicam sua existência. Freud não morreu para a medicina do sono, mas agora divide espaço com conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro e do aparelho respiratório. Com isso, o divã ganhou aliados como pílulas, eletrodos e máscaras de ar. “Vários pacientes veem seus pesadelos desaparecer após o tratamento para apneia”, disse à ISTOÉ o cientista Barry Krakow, referência mundial em medicina do sono, hoje à frente de um centro particular para o tratamento de pesadelos nos Estados Unidos. A razão, acredita-se, é que nesses casos as imagens aterradoras não passam de uma estratégia do organismo para nos despertar, cessando a interrupção no envio de oxigênio para o cérebro – principal característica da apneia. Quando o problema respiratório é tratado, junto com ele se vão os pesadelos.
TREINO
Para se livrar dos pesadelos constantes, Lilo Faria
aprendeu a técnica dos sonhos lúcidos
A guinada que deu condições para essas
mudanças foi dada pelo psiquiatra Allan Hobson, na década de 70, que
mostrou que o cérebro está ativo e consciente enquanto dormimos. Hobson
inspirou a busca de outros métodos para entender os pesadelos. Uma
consequência da mudança foi a criação de técnicas focadas no controle
direto desses sonhos. A principal foi a terapia de ensaio da imagem,
descrita em 2001 por Krakow e uma equipe de outros 15 cientistas.
Durante seis meses, eles acompanharam 114 voluntários que haviam
desenvolvido estresse pós-traumático em decorrência de violência sexual
e, consequentemente, pesadelos. Foi proposto à metade dos participantes
que, antes de dormir ou durante o dia, imaginassem o que gostariam de
sonhar à noite. O conteúdo não deveria ser necessariamente feliz, mas
obrigatoriamente distinto das imagens aterrorizantes de seus pesadelos.
Quem fez o exercício reduziu os sonhos ruins no período em mais da
metade. “Dez anos depois, esse ainda é o principal tratamento para
pesadelos”, opina o criador do método. A pesquisadora Anne Germain, da
Universidade de Pittsburgh e integrante da equipe de Krakow em 2001,
concorda com o antigo tutor, mas acrescenta uma opção à lista. “Existe
um fármaco, a prazosina, que não pode ser descartado”,
O remédio foi parar na lista de terapias para o sono por acaso. Quando começaram as pesquisas, o objetivo era buscar uma nova droga contra hipertensão. Durante os testes, viu-se que as pessoas medicadas dormiam melhor e seus sonhos negativos se tornaram raros. Daí os cientistas tiveram a ideia de testar a droga em pacientes com transtorno do estresse pós-traumático. “O pesadelo é um dos sintomas do transtorno e é raro um paciente não sofrer com ele”, diz a psiquiatra Adriana Mozzambane, do Programa de Atendimento a Vítimas de Violência da Unifesp.
O remédio foi parar na lista de terapias para o sono por acaso. Quando começaram as pesquisas, o objetivo era buscar uma nova droga contra hipertensão. Durante os testes, viu-se que as pessoas medicadas dormiam melhor e seus sonhos negativos se tornaram raros. Daí os cientistas tiveram a ideia de testar a droga em pacientes com transtorno do estresse pós-traumático. “O pesadelo é um dos sintomas do transtorno e é raro um paciente não sofrer com ele”, diz a psiquiatra Adriana Mozzambane, do Programa de Atendimento a Vítimas de Violência da Unifesp.
HÁBITOS
Comida demais antes de se deitar e sono de menos vinham contribuindo
para atrapalhar o descanso diário de Rogério Barbacena
Outro desejo antigo de quem sofre de pesadelos é mudar seus enredos apavorantes. “Na última semana, sonhei várias vezes na mesma noite com a mesma coisa”, diz o compositor Cauê Procópio, 39 anos. “Quando começava de novo, já sabia o que aconteceria, mas não conseguia sair do sonho.” Foi o mesmo problema que fez o fotógrafo Lilo Faria, 30 anos, descobrir os estudos do cientista Stephen LaBerge, criador da teoria dos sonhos lúcidos. LaBerge gastou os últimos anos pesquisando técnicas para tornar possível mudar o enredo onírico. O resultado foram três livros – o último, “Sonhos Lúcidos: Um Guia para Acordar em seus Sonhos e em sua Vida” (2004) – e uma engenhoca formada por uma máscara para dormir e um sistema de luzes, chamado NovaDream.
TEMOR
A promotora de Justiça Ana Marta sofreu em silêncio
com os sonhos ruins vários anos
Mas nem só de teorias mirabolantes e novos tratamentos vive a medicina do sono. Os velhos conselhos das avós – dormir cedo e não comer muito à noite – seguem válidos para evitar a desagradável surpresa de ser surpreendido na madrugada. “Hábitos de sono e alimentares não são a causa dos pesadelos, mas ajudam a perpetuá-los”, fala o neurologista Leonardo Goulart, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
REPETIÇÃO
Cauê Procópio costuma ter, por diversas vezes na mesma noite,
o mesmo pesadelo. No dia seguinte, acorda exausto
O gerente de contas Rogério Barbacena, 33
anos, sabe disso. Vítima dos pesadelos, ele costumava perder duas ou
três noites por semana. Exausto, buscou ajuda. Primeiro, foi a uma
nutricionista, que montou um cardápio noturno mais leve e o proibiu de
exagerar na dose de comida antes de ir para a cama. “Só com isso
melhorou em 80%”, afirma. O segundo passo, em andamento, é marcar o
exame de polissonografia para descobrir se existe alguma doença causando
os pesadelos. Outro hábito incorreto, ele já sabe que tem: dorme tarde e
pouco.
Hábitos noturnos, de acordo com estudo realizado com 3.978 pessoas no Canadá, são combustível para os sonhos ruins. “Notívagos geralmente são mais ansiosos, depressivos, fumam mais e possuem uma espécie de ‘jetlag’ social quando dormem em horários não usuais do ciclo circadiano”, disse à ISTOÉ o líder do estudo, o psiquiatra Tore Nielsen, da Universidade de Montreal. O ciclo circadiano corresponde aos horários biológicos do corpo. Quando há uma discrepância entre o horário em que se deveria dormir e o momento em que ocorre o sono REM, acredita Nielsen, fica-se mais suscetível ao pesadelo.
Hábitos noturnos, de acordo com estudo realizado com 3.978 pessoas no Canadá, são combustível para os sonhos ruins. “Notívagos geralmente são mais ansiosos, depressivos, fumam mais e possuem uma espécie de ‘jetlag’ social quando dormem em horários não usuais do ciclo circadiano”, disse à ISTOÉ o líder do estudo, o psiquiatra Tore Nielsen, da Universidade de Montreal. O ciclo circadiano corresponde aos horários biológicos do corpo. Quando há uma discrepância entre o horário em que se deveria dormir e o momento em que ocorre o sono REM, acredita Nielsen, fica-se mais suscetível ao pesadelo.
SOZINHA
Enquanto se tratava, Daniela recorreu a uma tática antiga: corria
para o quarto da mãe sempre que os sonhos começavam
Por ser tão incômodo, é difícil crer na utilidade dos sonhos negativos, mas, para muitos cientistas, quando ocasionais, eles podem fazer bem. Um dos nomes mais conhecidos é o psicólogo finlandês Antti Revonsuo, autor da teoria dos sonhos simulatórios, segundo a qual, do mesmo modo como os jogos de realidade virtual, sonhos e pesadelos serviriam para nos preparar para situações que podem acontecer no mundo real. O temor à morte de alguém querido, por exemplo, quando vivido com muita intensidade, é um sentimento paralisador. Sonhar com isso não deixa de ser desagradável, mas é útil. “Funcionaria como um elemento de simulação das consequências de algo que a princípio é impensável, mas que pode ocorrer”, defende o neurocientista Sidarta Ribeiro, um dos expoentes nos estudos dos sonhos no Brasil. Não ter mais pesadelos, compara Sidarta, seria como perder o radar para coisas perigosas.
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