A natureza é fonte inesgotável de
moléculas com propriedades funcionais para as indústrias farmacêutica,
alimentícia, têxtil e cosmética e muitas outras. Mas, na maioria dos
casos, essas moléculas precisam ser recriadas em laboratório por meio de
processos químicos para que seja possível aperfeiçoá-las ou produzi-las
em quantidades suficientes de modo a atender a demanda do mercado sem
comprometer sua fonte natural.
Os avanços nessa área da química, conhecida como síntese orgânica, foram destaque durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) em Química Bio-orgânica, evento apoiado pela FAPESP que terminou no dia 05/07, em Araraquara.
“Praticamente todos os materiais que
usamos hoje – pigmentos, perfumes, aditivos alimentícios, fertilizantes,
inseticidas, papeis e polímeros – envolvem elementos de síntese. Não há
uma parte da sociedade moderna sem o toque da química sintética”, disse
à Agência FAPESP Steven Ley, professor do Departamento
de Química da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e um dos
principais destaques do evento.
Com o auxílio de colaboradores, Ley
realizou a síntese total de mais de 140 produtos naturais com
propriedades químicas importantes. Um dos mais recentes foi a
rapamicina, composto com efeitos antifúngicos e imunossupressores
descoberto no solo da Ilha de Páscoa na década de 1970.
Mas a contribuição mais original de Ley
para a área de síntese orgânica tem sido o desenvolvimento de
ferramentas capazes de revolucionar a forma como as moléculas são
construídas em laboratório.
Mais do que propor novos métodos de
síntese, ou seja, o uso de diferentes reagentes, catalisadores,
solventes ou rotas, Ley quer substituir os clássicos frascos de vidro
com fundo redondo usados desde os tempos da alquimia por máquinas
capazes de fazer a síntese de moléculas complexas – que exige várias
etapas de transformação – de forma automatizada. Dessa forma, ele
pretende reduzir o desperdício de tempo, energia, insumos, efluentes e
recursos humanos.
“Para produzir 1 quilo de uma
determinada droga, uma indústria farmacêutica gera, em média, 25 quilos
de lixo. Para cada quilo de computador produzido são gerados 50 quilos
de lixo. Essa sobra é, na maioria dos casos, queimada. Isso não é
aceitável. A química feita até agora não é sustentável, não é ecológica.
Se não mudarmos nossas práticas, o legado deixado pelo modo como
fazemos moléculas vai se tornar um problema”, afirmou Ley.
De modo geral, quanto maior e mais
complexa é a molécula que se deseja recriar em laboratório, maior é o
número de etapas e produtos necessários para fazer a transformação
química, explicou Ronaldo Pilli, professor do Instituto de Química da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos palestrantes da
Escola em Araraquara.
“Não existe uma única abordagem, mas,
normalmente, parte-se de uma matéria-prima comercial, barata e possível
de ser modificada quimicamente. O químico monta então o quebra-cabeça”,
disse.
Pelos métodos tradicionais, em cada
etapa do processo os reagentes precisam ser misturados em um reator.
Após a reação química, o produto resultante é isolado e purificado para,
em seguida, ser colocado em outro reator, com um novo reagente. O
processo se repete até chegar à molécula desejada. Os solventes,
catalisadores, restos de reagentes e demais insumos que sobram em cada
etapa são descartados.
“A parte mais trabalhosa da química de
síntese é a purificação e o isolamento das moléculas. Retirar o que você
precisa daquele meio que contém subprodutos, solventes, restos de
reagentes, catalisadores é uma tarefa que toma tempo e é entediante. Há
séculos são usados métodos como destilação, cristalização e, mais
recentemente, cromatografia. Ley é um dos poucos que estão tentando
fazer de forma realmente diferente”, explicou Pilli.
Uma das primeiras e mais importantes
contribuições do pesquisador britânico foi desenvolver estratégias para
imobilizar os reagentes em uma resina, de forma que pudessem ser
reaproveitados. Nos últimos 13 anos, Ley tem se dedicado a inventar
instrumentos capazes de realizar as diversas etapas de transformação,
isolamento e purificação de forma contínua e automatizada – 24 horas por
dia, sete dias por semana – reciclando reagentes, catalisadores e
demais insumos e minimizando a formação de subprodutos. É a chamada
química em fluxo, tema de sua apresentação na Escola de Química
Bio-orgânica.
“Isso nos permite fazer a mesma química
gastando menos. É tão importante poupar o trabalho humano em tarefas
triviais como poupar materiais ou energia. Sofisticamos muito o que
somos capazes de fazer na área de síntese orgânica e agora precisamos
pensar em trabalhar em linha de produção. É assim que se produzem carros
e aviões. Por que não fazer moléculas dessa forma?”, defendeu Ley.
Mas alguns obstáculos precisam ser
vencidos antes que a química em fluxo se torne a praxe na área. O alto
investimento inicial é um dos principais problemas.
“É preciso inventar essas máquinas e
para isso são necessários estudantes. O custo de um pós-doutorando é
alto. Além disso, os materiais usados têm de ser sofisticados, pois o
equipamento tem de ser robusto. Não pode ficar quebrando toda hora.
Nossas máquinas são capazes de nos enviar mensagens de texto via
internet ou celular para avisar quando há um vazamento ou alguma outra
coisa dá errado”, contou o pesquisador.
Não há um único equipamento capaz de
atender a todos os trabalhos de síntese. É preciso adaptar os materiais
usados de acordo com o tipo de reação química a ser feita, temperatura,
pressão e outras questões técnicas.
“Praticamente toda a indústria
petrolífera trabalha em fluxo contínuo. Toda a grande farmacêutica hoje
está considerando usar métodos de processamento contínuo. Para a
indústria esse conceito é muito familiar, mas para nós cientistas nem
tanto, pois tudo o que fazemos é novo. É uma mudança grande de paradigma
e mesmo professores do ensino médio terão de se adequar. Não se trata
apenas de uma nova tecnologia que está alcançando resultados
interessantes e sim de uma mudança fundamental de atitude. Vai levar
tempo para ser adotada, mas acredito que a necessidade de uma química
mais verde vai impulsionar a mudança”, avaliou Ley.
Expandindo colaborações
Outro destaque da área de síntese
orgânica durante a Escola foi a palestra de Paul Wender, professor da
Universidade de Stanford, Estados Unidos. O pesquisador coordenou a
equipe que concluiu, em 1997, a síntese do taxol – substância usada no
tratamento de alguns tipos de câncer e isolada originalmente da casca do
teixo-do-pacífico, uma das árvores que crescem mais lentamente no mundo
e sob ameaça de extinção.
Durante o evento, Wender falou sobre estudos com moléculas análogas à briostatina, produto natural isolado do organismo marinho Bugula neritina e que vem apresentando resultados muito promissores contra Aids, Alzheimer e câncer.
John Vederas, do Departamento de Química
da Universidade de Alberta, no Canadá, apresentou pesquisas
relacionadas à síntese de análogos da lovastatina – substância
originalmente isolada em fungos da espécie Aspergillus terreus capaz de reduzir o colesterol.
O evento realizado no âmbito da Escola
São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) – modalidade de apoio da FAPESP
que financia cursos de curta duração em pesquisa avançada nas diferentes
áreas do conhecimento – reuniu 22 palestrantes de diversos países e
cerca de 170 estudantes brasileiros e estrangeiros. A coordenação foi da
professora da Unesp Vanderlan Bolzani, que também é membro da
coordenação do Programa BIOTA/FAPESP.
“Esperamos que a ESPCA contribua para a
criação de um poderoso ambiente de ciência e tecnologia no Estado de São
Paulo e no país. Com essa iniciativa, a FAPESP espera estabelecer um
polo globalmente competitivo para pesquisadores talentosos e expandir as
colaborações internacionais de nossas universidades”, destacou Bolzani
durante a abertura do evento.
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