Esforço de Joaquim Barbosa para impedir Dirceu de exercer um direito saiu do plano racional -- e isso é mais perigoso do que parece
É inacreditável que, no Brasil
de 2014, se tente levar a sério – por um minuto – o pedido de investigar
todas ligações telefônicas entre o Planalto, o Supremo, o Congresso e a
Papuda entre 6 e 16 de janeiro.
A rigor, o pedido de investigação telefônica tem um aspecto terrorista, como já disse aqui.
Implica
em invadir poderes -- monitorar ligações telefônicas é saber quem
conversou com quem mesmo sem acessar o conteúdo da conversa -- e isso o
ministério público não tem condições de fazer antes que o STF autorize
a abertura de um processo contra a presidente da República.
O que queremos? Brincar de golpe?
Criar o clima para uma afronta aos poderes que emanam do povo?
Quem
leva a sério o pedido de monitorar telefones do Planalto, com base numa
denúncia anonima, sem data, nem hora nem lugar conhecido -- o que
permite perguntar até se tenha ocorrido -- nos ajuda a pensar numa
hipótese de ficção cientica. Estão querendo um atalho atingir a
presidente? Assim, com a desculpa de que é preciso apurar um depoimento
secreto?
Nem é possível fingir que é possível levar a sério um pedido desses.
Por isso não é tão preocupante
que uma procuradora do DF tenha feito tenha assinado um pedido desses. É
folclórico, digno dos anais da anti-democracia e da judicialização.
O preocupante é a demora de
Joaquim Barbosa em repelir o pedido. Rodrigo Janot, o PGR, já descartou a
solicitação. Mas Joaquim permanece mudo.
O que ele pretende?
O que acha que falta esclarecer?
Honestamente, cabe perguntar: qual é a dúvida?
Indo para o terreno prático.
Estamos falando de uma área por onde circulam milhares de pessoas, que
mantém conversas telefônicas longas, curtas, instantâneas ou
intermináveis com chefes, assessores, amigos, maridos, motoristas,
namoradas, amantes...sem falar na frota de taxi, no entregador de pizza e
no passeador de cachorro...
Monitorar quem ligou para quem?
Imagine. Num dia qualquer entre
6 e 16 de janeiro de 2016 uma jovem assessora do Senado, que trabalha
de minissaia e namora um musculoso agente penitenciário na Papuda,
resolve encontrá-lo para tomar um sorvete. Mas o rapaz não aparece. Ela
liga para o celular do amor de sua vida. O namorado atende dentro de um
ônibus que, naquele momento, se encontra parado no sinal vermelho em
frente ao Planalto.
Três meses depois, aparece o grampo:
-- Alô, Zé Dirceu na linha?
Onde você está? Aqui é a Maça Dourada. Aquela, de 68. Lembra, na Maria
Antônia....A gente não tinha marcado um encontro, 50 anos depois? Nossa
turma tinha essa mania, lembra?
Está na cara que
nada se pretende descobrir com uma investigação desse tipo. O que se
pretende é ganhar tempo, como se faz desde 16 de novembro, quando Dirceu
e outros prisioneiros chegaram a Papuda. Com ajuda dos meios de
comunicação mais reacionários, os comentaristas mais inescrupulosos,
pretende-se criar uma ambiente de reação contra o exercício de um
direito típico dos regimes democráticos. Aguarda-se por uma comoção que
impeça a saída de Dirceu. Você entendeu, né...
No plano essencial, temos o
seguinte: Dirceu nunca deveria ter passado um único dia em regime
fechado, pois jamais recebeu uma sentença que implicasse em pena desse
porte após o trânsito em julgado.
Suas condições de
detenção na Papuda se tornaram inaceitáveis a partir do momento em que
ele – cumprindo as determinações legais à risca – conseguiu uma oferta
de emprego para trabalhar em Brasília, obtendo a aprovação do Ministério
Público e da área psicossocial.
No plano da investigação
policial, temos o seguinte: nenhuma das possíveis alegações para impedir
o exercício desse direito foi provada. Nenhuma.
O que mantém Dirceu na prisão?
Apenas a vontade
política de negar um direito que a lei assegura a todos. Um pedido de
monitoramento de milhares (ou centenas de milhares? Milhões?) de
telefonemas expressa o tamanho dessa vontade delirante de castigar, de
punir. Já se ultrapassou qualquer limite civilizado. E aqui entramos em
nova área de risco.
Depois de passar
por um campo de concentração do nazismo, e, mais tarde, conduzido a um
campo soviético porque fazia oposição política a Josef Stalin, o
militante David Roussett fez uma afirmação essencial:
“As pessoas normais não sabem que tudo é possível.
Ele se referia à câmara de gás,
aos trens infectos, ao gelo, a fome, o frio – a todo sofrimento imposto
a seres humanos em nome do preconceito de raça, de classe, da
insanidade política, do ódio, da insanidade que dispõe de armas
poderosas para cumprir suas vontades.
Não temos câmaras de gás no
Brasil de 2014. Mas temos anormalidade selvagem. Já tivemos um
julgamento onde os réus não tiveram direito a presunção da inocência.
Quem não tinha foro privilegiado não teve direito a um segundo grau de
jurisdição. As penas foram agravadas artificialmente.
Dirceu está sendo desumanizado,
como se fosse uma cobaia de laboratório, mantida sob vigilância num
cubo de vidro, 24 horas por dia.
Foi transformado num caso-teste.
O direito que hoje se nega a Dirceu amanhã poderá ser negado a todos.
Será tão difícil captar a mensagem? Por Paulo Moreira leite
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