Antes preferidos por mais velhos e por profissionais em final de carreira, hoje os concursos são disputados, em sua maioria, por jovens de até 35 anos, com boa formação acadêmica, que buscam estabilidade e bons salários
Camila Brandalise (camila@istoe.com.br)
Salários
competitivos, estabilidade, plano de carreira, ótimos benefícios e
aposentadoria garantida. Não é de hoje que o serviço público atrai
profissionais graduados, seduzidos por todos esses atrativos e cansados
da insegurança do mercado de trabalho. A novidade é que o setor deixou
de ser apenas o plano B de homens e mulheres próximos da meia-idade,
ávidos por garantir uma velhice sem sobressaltos, para se tornar a
primeira opção de jovens de até 35 anos, muitos ainda cursando a
universidade. Eles formam um grupo grande entre os 12 milhões de
brasileiros que estão se preparando neste momento para conseguir uma das
130 mil vagas previstas para 2014 – em 2015 serão mais 180 mil. Destes,
90% vêm da classe média, segundo Francisco Fontenele, especialista em
concursos públicos. Para aquecer ainda mais essa indústria, que
movimenta R$ 30 bilhões por ano, 2014 está recheado de boas
oportunidades na área, com salários que podem ultrapassar R$ 20 mil. No
topo da lista de desejos dos concurseiros estão as provas para agente da
Polícia Federal, técnico e analista do Banco Central e técnico e
analista do Ministério Público da União. Para se ter uma ideia, esse
último exame registrou 69 mil inscritos, que concorreram a 263 vagas na
última edição, em 2013, com uma relação candidato/vaga de 260.
Dayana Alves Silva Lopes, 25 anos, é um
exemplo do novo perfil de candidato. Formada em administração de
empresas, ela trabalhou quatro anos na área. Mas demissões, promoções
que não aconteceram e outras frustrações fizeram a jovem mudar
completamente o rumo de sua trajetória profissional. Desde setembro de
2013, a administradora acorda cedo e dedica oito horas do seu dia para
estudar para concursos públicos. Seu plano já está traçado. Dayana vai
prestar as próximas provas para escrevente e oficial de Justiça do
Tribunal de Justiça de São Paulo, que exigem nível médio e pagam,
respectivamente, R$ 4.190,37 e R$ 4.921. “Vou estudar até passar”,
afirma. Mas a administradora não quer parar na primeira aprovação.
Empossada, ela deve começar a estudar para outra prova, repetindo um
hábito comum entre aqueles que entram no setor público. “Tentarei um
concurso para nível superior, mais difícil ainda, por causa da
concorrência.”
A indústria dos concursos é um mercado bilionário,
que movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano
que movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano
O serviço público se torna ainda mais
atraente em tempos de vulnerabilidade econômica. “Como vivemos momentos
de altos e baixos, se o lucro e a produção caem no setor privado, as
vagas fecham e os salários diminuem. Isso não acontece no setor
público”, diz Ernani Pimentel, um dos fundadores da Associação Nacional
de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). “Por isso acredito que a
procura tem aumentado tanto.” A mesma percepção permeou a decisão de
Dayana de entrar no setor. “Não quero chegar a uma certa idade em um
cargo alto e ser demitida para que no meu lugar coloquem alguém mais
novo e com um salário menor do que o meu. E é isso o que vejo acontecer
ao meu redor”, diz.
LEIS
Especialista em concursos, Francisco Fontenele apoia
a Lei Geral dos Concursos, em discussão na Câmara,
para que todos os candidatos tenham direitos iguais
Especialista em concursos, Francisco Fontenele apoia
a Lei Geral dos Concursos, em discussão na Câmara,
para que todos os candidatos tenham direitos iguais
Os valores dos salários, claro, também
atraem. A remuneração pode ir desde o salário mínimo até uma média de R$
15 mil, como é o caso da vaga para fiscal da Receita Federal, e chegar a
R$ 23 mil, nos cargos do Poder Judiciário. Mas há um grande número de
candidatos que também têm interesse pela função em si, contrariando o
estereótipo do servidor público que quer um salário razoável para ocupar
um cargo que não lhe exija muito esforço. O advogado Maurício de Farias
Castro, 25 anos, está nesse time. Formado desde 2011, ele estuda para
entrar no Ministério Público. “Desde a faculdade tenho esse objetivo,
pois é uma instituição que admiro muito”, diz. A rotina de Castro é
muito rígida. “Trabalho no meu escritório das 7h45 às 17h30. Até 18h40,
estudo antes de ir para o curso preparatório. Tenho aula por quatro
horas e, quando volto para casa, estudo de novo até a 1h.” O advogado
teve ainda mais certeza do que queria quando sofreu um baque na família.
Sua mãe foi assassinada e até hoje não se sabe quem foi o autor do
crime nem há qualquer resposta sobre o caso, que foi arquivado pela
polícia.
PREPARAÇÃO
Aline Dias vai se formar em direito em 2015, mas já
está estudando para prestar concurso público.
"A concorrência é muito grande"
Aline Dias vai se formar em direito em 2015, mas já
está estudando para prestar concurso público.
"A concorrência é muito grande"
Apesar de a mentalidade em relação ao
servidor público estar começando a mudar, ainda há um longo caminho a
ser percorrido para padronizar legalmente a execução das provas.
Estima-se que, anualmente, cerca de 20% delas apresentem problemas, que
vão desde questões sem resposta a inconstitucionalidades nos editais. “É
fundamental que existam regras claras”, afirma o senador Rodrigo
Rollemberg (PSB-DF), relator do substitutivo ao Projeto de Lei 74/2010,
aprovado em julho de 2013 no Senado, que prevê a regulamentação de
algumas normas para aplicação de concursos em âmbito federal. Entre
outras mudanças, está previsto o fim dos exames feitos somente para o
chamado cadastro de reserva, aqueles em que existe a possibilidade de
ninguém ser convocado. “Essa prática parece ter virado uma máquina de
fazer dinheiro”, diz Rollemberg. O texto também prevê que os editais
sejam lançados com antecedência mínima de 90 dias, as inscrições estejam
disponíveis na internet, a taxa de inscrição seja, no máximo, de 3% do
valor da remuneração inicial do cargo e que todos os resultados das
provas sejam objetiva e tecnicamente fundamentados, entre outras
mudanças. Na Câmara dos Deputados, para onde seguiu o projeto, o relator
da Lei Geral dos Concursos é o deputado Paes Landim (PTB-PI). A
expectativa é que a matéria seja aprovada na Casa no começo do segundo
semestre para depois retornar ao Senado.
DIREITOS
Apesar de aprovado em primeiro lugar em um concurso,
Paulo Victor Pereira não foi convocado e agora
briga na Justiça para ocupar a vaga
Apesar de aprovado em primeiro lugar em um concurso,
Paulo Victor Pereira não foi convocado e agora
briga na Justiça para ocupar a vaga
A legislação é um passo fundamental para
firmar a credibilidade de alguns concursos, questionada justamente pela
falta de transparência. “Já vi situações em que a banca abre um período
de inscrição muito curto; assim, aqueles que já teriam sido escolhidos
para a vaga saberiam dos concursos antes e poderiam se preparar”, diz
Ernani Pimentel, da Anpac. Há também denúncias de bancas que incluem
novos conteúdos a poucos dias do exame, fazendo com que muitos cheguem
despreparados, enquanto outros recebem a informação antes da divulgação
da mudança. Espera-se que, após aprovada, a Lei Geral dos Concursos
possa nortear nova legislação também nos Estados e municípios
brasileiros. “Para dotarmos a máquina pública com bons servidores é
preciso seguir o princípio da isonomia, possibilitando oferta igual para
todos”, afirma Francisco Fontenele, que também é diretor pedagógico da
rede de cursos preparatórios LFG. Muitos profissionais de alto nível
saem prejudicados pela falta de normatização. Para Alessandro Dantas,
coautor do livro “Concurso Público – Direitos Fundamentais dos
Candidatos” com Fontele e consultor jurídico da Associação Nacional de
Defesa e Apoio ao Concurseiro (Andacon), não é só porque um item consta
no edital que ele é válido. “Há muita ilegalidade. O concurseiro precisa
buscar a lei existente ao notar qualquer injustiça” (leia quadro na
pág. 58).
Foi o que fez Paulo Victor Mendes Pereira,
27 anos. Em 2010, ele foi aprovado em primeiro lugar como analista de
arquivologia em Porto Velho (RO). Mesmo sabendo que era o caso de
cadastro de reserva, Pereira ficou animado. Se chamassem alguém, seria
ele. Mas dois anos se passaram e nenhuma vaga foi aberta. “Decidi entrar
na Justiça com um grupo de 50 pessoas, todas candidatos aprovados em
primeiro lugar no mesmo concurso, só que para postos diferentes.” Até
agora, não há sinal do tão sonhado cargo, que na época tinha remuneração
de R$ 7 mil. “Cheguei a entrar em contato com a Procuradoria em
Rondônia. Eles solicitaram minha vaga, mas, mesmo assim, não fui
chamado.” Decepcionado, ele não pensa em prestar outro concurso tão
cedo. “É frustrante.” Mais otimista, Anderson Carlos dos Santos, 29
anos, ainda espera ser convocado na segunda chamada, embora nem a lista
da primeira tenha saído, para uma cadeira no Banco do Brasil, cujo
resultado foi divulgado no começo deste ano. “Estudei num curso de três
meses, mas fiz a prova antes mesmo de concluí-lo”, diz Santos, que
também é músico e pretende manter as carreiras paralelamente.
Entre as mudanças da nova lei de concursos
está previsto o fim do cadastro de reserva
está previsto o fim do cadastro de reserva
Se para alguns alunos um curso preparatório
de três meses é suficiente, para a maioria alcançar a vaga pretendida
pode exigir muito mais tempo e dedicação. Por isso, para as provas mais
concorridas, a recomendação dos especialistas é começar a se preparar o
quanto antes. No geral, e principalmente para os cargos que exigem
formação em direito, o tempo de estudo para passar em um concurso vai de
dois a três anos. Com isso em mente, muitos jovens universitários
decidem começar a estudar antes mesmo da formatura. A estudante Aline da
Silva Dias, 21 anos, concluirá a graduação em direito em 2015, mas já
acompanha aulas do curso preparatório. “Quero seguir carreira na
Promotoria”, diz. Aline chegou a tentar um cargo de assistente
administrativa no Banco Central no fim do ano passado, mas não foi
aprovada. “Não é fácil assim. É preciso conhecer alguns macetes das
provas”, diz.
DEDICAÇÃO
Há sete meses, Dayana Lopes deixou o cargo de assistente
administrativa em uma empresa privada para estudar para concursos públicos
Há sete meses, Dayana Lopes deixou o cargo de assistente
administrativa em uma empresa privada para estudar para concursos públicos
Para os concursos que exigem somente o
nível médio, a procura tem começado ainda mais cedo. Adolescentes
prestes a entrar na universidade ou no início do curso já tentam um
posto no serviço público para garantir o emprego. Andreluci de Oliveira
Barbosa Figueiredo, 24 anos, é hoje oficial administrativa da
Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, mas se tornou servidora
pública mais cedo, aos 19, quando ainda estudava direito. Na época, ela
conseguiu uma vaga de inspetora de alunos em uma escola. Depois, prestou
outro concurso e entrou em um estágio numa procuradoria. Andreluci tem
certeza de que essa fase foi essencial para definir seu atual sonho de
se tornar procuradora. “Ainda não há edital aberto, mas já comecei a
pegar firme nos estudos para me preparar”, diz. “Dedicação diária é
imprescindível. E, no meu caso, estudar em casa não dá muito certo,
preciso de uma rotina de cursinho.” No atual cargo, que exige nível
médio, a jovem tem remuneração de R$ 1,5 mil. Quando atingir o objetivo,
poderá ganhar cerca de dez vezes mais.
CARREIRA
Servidora pública desde os 19 anos, Andreluci Figueiredo,
hoje com 24, sonha em se tornar procuradora.
"Dedicação diária é imprescindível"
Servidora pública desde os 19 anos, Andreluci Figueiredo,
hoje com 24, sonha em se tornar procuradora.
"Dedicação diária é imprescindível"
Com uma maior oferta de vagas e mais
interessados a cada ano, a área dos concursos públicos forma um mercado
bilionário, envolvendo publicações específicas, cursos preparatórios,
livros com dicas e jornais direcionados. Calcula-se que o gasto anual
dos candidatos em fase de preparação, incluindo material didático,
inscrições e mensalidades de cursos, seja de R$ 8 mil a R$ 10 mil.
Dependendo do cargo, esse investimento se torna imprescindível, em
razão do número de candidatos preparados para enfrentar as provas. E
eles estão por dentro não só do conteúdo, mas também dos macetes para se
dar bem nos testes, em um esquema parecido com o das provas do
vestibular. “Dou aulas há 20 anos e nunca vi um nível de preparação tão
alto como o de hoje em dia”, afirma o professor Julio Cesar Hidalgo, da
Central de Concursos. E a cada novo edital o número de interessados só
cresce. “Brinco que quando abre um precisamos colocar carteira beliche,
de tanta gente nova que aparece.”
Para os especialistas, as provas precisam ser mais
transparentes e os editais devem ser lançados
com antecedência mínima de 90 dias
transparentes e os editais devem ser lançados
com antecedência mínima de 90 dias
Um dos problemas dos novos concurseiros,
para Hidalgo, é não ter um objetivo específico. “Não dá para pular de
prova em prova só porque abriu um edital. É preciso mirar em um cargo e
estudar para ele”, diz. Para quem pensa em ser auditor fiscal da Receita
Federal, por exemplo, um dos postos mais visados do serviço público, é
necessário começar a se preparar o quanto antes, mesmo quando não há um
novo edital. Essa é uma das regras de ouro dos concurseiros. Outra
orientação dos especialistas na área é entender que o serviço público,
pelo menos nas vagas com salários de dois dígitos, é um projeto de médio
a longo prazo. Por isso, é essencial ter paciência até conseguir
alcançar o posto e o holerite almejados. E de nada adianta seguir as
duas orientações se não houver disciplina nos estudos. “Fazendo cursinho
ou estudando sozinho, é preciso estabelecer uma rotina fixa de
dedicação”, diz Hidalgo. Os milhões de pessoas que brigam pela tão
sonhada carreira pública, e aquelas que já conseguiram entrar nela,
garantem que seguir essas orientações vale a pena.
Para entrar num concurso muito
disputado, cujo salário ultrapassa os dois
dígitos, o tempo de preparação ultrapassa dois anos
disputado, cujo salário ultrapassa os dois
dígitos, o tempo de preparação ultrapassa dois anos
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