6.17.2012

Como a poluição é medida e qual seu impacto na saúde humana


Poluição, a doença das cidades


Inversão térmica cobre a cidade com névoa
Foto: Márcia Foletto 
  Mudança de hábito combate inimigo invisível Evento apresenta recomendações de especialistas para amenizar efeitos da baixa qualidade do ar nas metrópoles

Maior especialista do país no assunto acredita que a solução está na mobilização da sociedade


PAULO SALDIVA: São Paulo é a cidade mais poluída do Brasil: consome 20% de toda a energia do país e é um laboratório perfeito porque concentra a riqueza de uma Dinamarca e a pobreza dos países da África num mesmo ambiente — a riqueza influencia em muito a saúde humana. O pobre corre até seis vezes mais riscos de morrer de doenças decorrentes da poluição. Além disso, temos hospitais de ponta onde podemos avaliar seres humanos doentes. Nossa abordagem é multidisciplinar: medimos tanto a qualidade do ar (o nível de partículas, ozônio, monóxido de carbono, dióxido de enxofre, dióxido de nitrogênio e monóxido de nitrogênio no ar) quanto o impacto dela em indivíduos. Além disso, realizamos testes em laboratório e com animais. Nos últimos anos, nossa conclusão é que a cidade está doente, mas isso não é um privilégio de São Paulo. Quem mora no Rio, ou em outros centros onde não há uma política de desenvolvimento urbano efetiva, deve temer o mesmo.
Quanto a poluição mata por ano?
SALDIVA: Atualmente, doenças relacionadas à poluição matam cerca de 2 milhões por ano no mundo; em 2050, serão nove milhões, superando a malária e males relacionados à falta de saneamento básico.
Mas que riscos são esses? O senhor poderia detalhar melhor esses estudos?
SALDIVA: Um habitante de uma cidade como o Rio tem 16% a mais de risco de ter câncer de pulmão; 8% dos casos de infarto do miocárdio são atribuíveis à poluição; 10% das pneumonias em crianças e idosos são causados pelo mesmo problema. E a expectativa de vida baixa em mais de um ano em quem está mais exposto. Tudo bem que os riscos de quem fuma, por exemplo, são muito maiores, mas os da poluição são mais abrangentes. Quem fuma escolhe fumar; quem vive na cidade, não. Apenas por viver numa cidade, a pessoa está “fumando” o equivalente a entre dois e seis cigarros por dia. Isso sem falar na qualidade de vida: estudamos taxistas, guardas de trânsito (que estão constantemente expostos) e comprovamos que eles têm inflamações permanentes no coração e no pulmão. Além dos males cardiovasculares e respiratórios já conhecidos, estamos olhando — e comprovando — o impacto da poluição na pele, nos olhos, no sistema reprodutivo e endócrino.
Em grávidas?
SALDIVA: Em gestantes e em casais que desejam engravidar, em animais também. Níveis altos de poluição deixam a qualidade do gameta pior; mulheres tendem a ter filhos prematuros. A saúde de crianças que nascem com baixo peso sofre risco de se complicar depois. Estudamos ainda o impacto no sono e no estresse. Tudo isso é relacionado à poluição e ao deslocamento: a gente perde muito tempo no trânsito e fica mais exposto aos poluentes.
E qual o principal causador de tudo isso?
SALDIVA: Com a migração das indústrias para fora dos centros urbanos, hoje 90% da poluição vêm de veículos que circulam na rua, cujo número cresce muito mais do que as cidades podem suportar. São Paulo tem sete milhões de veículos, e nossos estudos mostram que as ruas só comportam 800 mil circulando ao mesmo tempo. Em horários fora dos de rush, 1,5 milhão circulam. Nos horários de pico, são três milhões. O modelo do transporte individual é insustentável do ponto de vista energético, de saúde e da própria mobilidade. O ar está poluído por causa do carro, a pessoa fica mais tempo exposta a este ar porque fica engarrafada e por aí vai.
A poluição em São Paulo é comparável à do Rio e de outras cidades no mundo?
SALDIVA: A qualidade do ar em São Paulo e no Rio é muito parecida, o que é diretamente proporcional ao aumento do número de veículos circulando. Mas, no Rio, quem mora entre o mar e o morro ainda está respirando um ar legal. Quem, no entanto, mora longe, no subúrbio, na Baixada Fluminense, tem risco semelhante ao paulistano. São Paulo está no nível da Cidade do México e de Santiago do Chile. Está pior do que as cidades da Europa e dos Estados Unidos. Está melhor do que Pequim. Pequim, por sua vez, é melhor que Lagos ou Adis Abeba. Quanto maior o desenvolvimento econômico, menor a poluição — o reverso daquela ideia de que o controle da poluição inibiria o crescimento econômico. As empresas poluem onde não há legislação boa, em países menos desenvolvidos.
Isso explica porque cidades em países como os EUA, onde existem mais carros per capita do que no Brasil, são menos poluídas?
SALDIVA: É tudo parte do que chamo de racismo ambiental. O mais pobre mora mais longe do trabalho e fica horas exposto à poluição. Ao mesmo tempo, moradores de países mais desenvolvidos são beneficiados porque, ali, o governo obriga as mesmas multinacionais que atuam aqui a vender carros menos poluentes, as inspeções são compulsórias e mais eficientes. A lei ambiental brasileira avançou para salvar florestas e os micos-leões, mas a legislação urbana não muda há 30 anos para salvar o ser humano. Acho um absurdo a saúde humana estar fora da pauta principal da Rio+20. Você foca no ambiente, como se o homem não fizesse parte dele. Você não sabe o valor da floresta em pé, mas sabe o valor da internação de um doente cardiovascular, não sabe? Se a gente convencesse que mudanças trariam um benefício direto à vida, talvez as pessoas aderissem mais facilmente.
Como resolver a questão?
SALDIVA: A população precisa ser mais bem mobilizada, convencida dos benefícios de, por exemplo, não usar o carro, ir para o trabalho de metrô. A gente vai ter que mudar o comportamento porque a ciência não conseguirá resolver a questão sozinha. É errado afastar a ciência e a tecnologia da política e da economia, como se elas fossem um parque temático. Há que existir uma sociedade protetora do ser humano. Se você não for quilombola, indígena ou ribeirinho, você está excluído da questão ambiental, como pode? O ser humano urbano ficou completamente excluído do processo. E quem está desmatando a Amazônia é quem está na cidade demandando matéria-prima. Uma coisa que sempre digo é: não podemos imaginar a espécie humana melhor do que ela é. Não podemos nos advogar um direito de ética ou cidadania maior do que já temos. Quem tem isso já está convertido: não tem carro, usa etanol no carro, mesmo que isso pese mais no bolso. Mas a maioria não funciona, ou não pode, funcionar assim. O único jeito de você fazer alguma coisa é mexer na cultura do indivíduo.
E como mexer nessa cultura?
SALDIVA: É preciso informar e, quando não há consenso, é preciso ter gestão. Se o transporte coletivo fosse mais eficiente e mais barato do que o individual, muito mais gente iria usá-lo. Uma pessoa que não anda de carro caminha uma média de três quilômetros a mais por dia do que a que tem carro, e isso faz com que ela deixe de engordar — mantendo a mesma alimentação — quase 1kg por mês. É neste tipo de coisa que temos que bater, no que afeta a saúde hoje e não do que vai afetar daqui a 50 anos. E políticos também não podem ter medo de tomar medidas impopulares como a construção de vias de transporte públicas, de metrô, e peitar também as multinacionais automobilísticas, exigir que elas vendam carros mais limpos e eficientes, aumentando impostos, obrigando inspeções, criando selos verdes compulsórios. O problema é que somos apaixonados pelo agente causador, no caso, o carro. E sua indústria tem muito dinheiro também, é uma importante fonte da economia, vide agora o estímulo do governo em vender carros.

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