O novo veleiro do Greenpeace, participa da Rio+20 em sua primeira missão internacional
RIO — Quando os cariocas subirem hoje a bordo do Rainbow Warrior 3 — o
novo navio do Greenpeace ancorado desde quarta-feira no Píer Mauá para a
Rio+20 e aberto à visitação pública —, poderão conhecer de perto a
rotina e a missão de uma tripulação de marinheiros, ativistas
ambientais, pesquisadores científicos e lobistas políticos, não
necessariamente nessa ordem. Ou melhor, todos são um pouco de tudo ao
mesmo tempo. Porque nada evidencia melhor as mudanças numa das maiores e
mais conhecidas organizações não governamentais do mundo do que o
perfil e as atividades realizadas pela tripulação — 32 pessoas de uma
dezena de nacionalidades — de seu navio, um veleiro flex (movido a vento
e diesel) com 58 metros de comprimento, 54 de altura e custo de 23
milhões de euros (R$ 59 milhões), pago com contribuições de três milhões
de colaboradores de todo o planeta.
O
holandês Retze Koen, de 62 anos, mora hoje na pequena vila de Herznach,
na Suíça, mas durante toda a vida foi marinheiro na Holanda. Em 1996,
depois de ter sido voluntário em missões do Greenpeace pelo mundo —
impedindo o transporte de lixo atômico, bloqueando cargueiros com
madeira extraída ilegalmente, paralisando atividades petrolíferas com
risco de vazamento, invadindo portos que exportam minério à custa de
trabalho escravo —, foi convidado pela ONG para trabalhar em campanhas
com jovens em projetos de energia renovável.
Seu invento, um
aquecedor de alimentos à luz solar, rodou as escolas suíças e o sucesso o
fez ter ideias mais ambiciosas: por que não envolver moradores em
projetos de energia solar para escolas, centros comunitários, prédios,
lojas e fazendas cujos donos estivessem cansados das altas tarifas de
energia elétrica na Europa?
— O Greenpeace me apoiou intermediando
financiamentos e convocando voluntários. Em pouco tempo, espalhávamos
pela Europa placas de captação de luz solar no topo de casas, fazendas,
prédios — conta.
O marinheiro virou ativista, que virou
facilitador de projetos, que virou empreendedor: a cara do novo
Greenpeace. A ONG não quer mais ser conhecida como mera entidade de
protesto, ainda que não tenha abdicado da tarefa de jogar luz (ou fazer
marketing, dizem alguns) nos grandes problemas ambientais. O Greenpeace
quer também ser protagonista do embate entre o desenvolvimento a
qualquer preço e a defesa do meio ambiente, seja fazendo pesquisas
científicas que desmontem práticas comerciais e industriais predatórias,
seja atuando como lobista junto a políticos que possam emplacar leis a
favor do meio ambiente, seja denunciando práticas de trabalho desumanas.
—
O Greenpeace não é só uma entidade que se dispõe a botar o dedo na
ferida, mas também a mostrar soluções. É trabalho para transformar
consciência em ação — diz Pedro Henrique Torres, coordenador da campanha
de clima e energia.
A viagem do Rainbow Warrior 3 ao Brasil, sua
primeira grande missão internacional desde que saiu do estaleiro em
Bremen, na Alemanha, em outubro de 2011, é por aí. Ainda em março e
abril, visitas a Manaus, Macapá e Belém serviram para o lançamento da
Campanha do Desmatamento Zero, um projeto que necessita de 1,4 milhão de
assinaturas para ser levado ao Congresso.
Em maio, fizeram um
protesto no Maranhão contra a cadeia de produção de aço a partir de
ferro gusa, indústria que desmata, polui e usa mão de obra em condições
deploráveis. O veleiro e três botes foram usados numa ousada missão: a
20km de São Luís, ativistas escalaram e prenderam a âncora de um
cargueiro que transportaria toneladas do minério para os EUA. Só saíram
dez dias após um acordo entre empresas e governo para melhorar a
situação.
Uma das primeiras a subir na âncora foi a estudante
baiana de Oceanografia Elissama Menezes, de 20 anos, que se juntou à
tripulação como marinheira voluntária em Macapá (com passagem de avião
paga pelo Greenpeace). No barco, ela e outra voluntária, a sueca Amanda
Eklund, também de 20, ensinam português e inglês uma à outra. Elissama
faz de tudo a bordo. Amanda cuida do lixo, uma tarefa que no barco
recebe o nome de garbologist (algo como lixeirista, em tradução do
inglês).
— Fiquei nove horas sentada na corrente da âncora — conta Elissama. — Fazia ioga e cantava para espantar o cansaço.
— Cuidar do lixo não é tão glamouroso, mas é uma atividade importante no navio — diz Amanda.
O
veleiro tem um recolhimento seletivo de lixo, e o material orgânico é
mantido numa cabine refrigerada para que não apodreça e comprometa a
higiene.
O navio é, de fato, uma embarcação verde, e não apenas de
defesa do verde. Seus equipamentos são capazes de tratar biologicamente
o esgoto produzido de modo que somente água limpa seja devolvida ao
oceano. Uma central de armazenamento de combustível evita derramamentos.
O calor gerado pelo motor e por geradores aquece a água das cabines. O
casco é desenhado para reduzir atritos e consumo de combustível, tanto
que, quando o vento é bom, o motor precisa operar apenas a 10% de sua
capacidade para manter a energia a bordo — e impulsionar o barco a uma
velocidade de 20km por hora. Um sistema de purificação capta água do mar
e a filtra, tornando-a potável.
No Rio, a rotina em torno do
Rainbow Warrior e sua turma inclui participação nos debates da Rio+20,
uma tenda na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo (que vai contar a
história de 20 anos da ONG no Brasil), além da realização de visitações
públicas ao navio. Retze Koen será uma das atrações especiais, mostrando
aos não iniciados como a luz solar pode facilmente ser usada para
fritar um ovo ou fazer pipoca.
O veleiro é o terceiro Rainbow
Warrior do grupo. O primeiro era um navio de pesquisa do governo
britânico comprado pelo Greenpeace em 1977. Reformado, foi usado pela
organização até ser explodido na costa da Nova Zelândia pelo serviço
secreto francês em 1985, quando se preparava para visitar o atol de
Mururoa, no Pacífico, em campanha contra os testes nucleares franceses
na região.
O governo francês bem que tentou negar seu
envolvimento, mas uma investigação neozelandesa acabou provando a
participação, o que resultou no pagamento de uma indenização. O dinheiro
ajudou o Greenpeace a financiar o segundo Rainbow Warrior, lançado em
1989. Sua primeira e única visita ao Brasil foi, curiosamente, em 1992,
durante a Rio-92, para a abertura do primeiro escritório da ONG no
Brasil.
O dia começa cedo no Rainbow Warrior 3. Às 7h,
despertadores tocam ao mesmo tempo em que a holandesa Hettie Geenen, de
51 anos, primeira-oficial do navio — a pessoa que de fato chefia o dia a
dia na embarcação —, vai batendo nas cabines (com capacidade para duas
pessoas cada, um box e um beliche) e entoando o indefectível "Bom dia!".
O café é servido entre 7h30m e 8h. Ninguém se atrasa.
As rotinas
no veleiro vão até 17h, todos os dias, com pausas para almoço e jantar.
Uma equipe trabalha com a navegação da embarcação na ponte, outra (de
engenheiros) é responsável pela sala de máquinas e uma terceira cuida do
barco com os voluntários em atividades diversas. Os quatro andares
precisam ser varridos e limpos, o lixo recolhido, o maquinário
examinado, os equipamentos checados, uma infinidade de tarefas nas quais
os voluntários e pesquisadores se juntam e compartilham sem resmungos
(quando o enjoo dos novatos deixa). Para todos, é um privilégio estar
ali. Cerveja (a um euro cada), só depois das 17h.
Hettie é uma
marinheira com especialização em design de móveis. Trabalhou até os 38
anos em grandes barcos para turistas. Foi quando conquistou uma vaga no
Greenpeace e nunca mais largou. É respeitada e querida.
— A
campanha da Amazônia é minha preferida porque mistura preservação da
floresta com economia sustentável — diz ela. — E não há mais madeira
tropical para fazer móveis.
Nos três barcos grandes do Greenpeace —
o Rainbow Warrior 3, o quebra-gelos Artic Sunrise e o Esperanza —, as
tripulações alternam três meses de viagem com três meses de descanso,
todos remunerados a preços de mercado. A vida de marinheiro exige
desprendimento. A imensa maioria é solteira. O capitão do navio, o
americano Joel Stewart, de 57 anos, separou-se recentemente da mulher
por conta de estilos diferentes de vida. Com anos como comandante de
navios pesqueiros no Alasca antes de se juntar ao Greenpeace em 1989
(após o vazamento do Exxon Valdez), ele não lamenta:
— A motivação aqui é diferente da navegação comercial. Aqui, as pessoas têm ideais.
O
cozinheiro indiano Walter Rodrigues, de 41 anos, nascido em Goa (daí o
nome português), é o único que não participa das missões fora do navio.
Cozinha para toda a tripulação das 8h ao meio-dia, quando é servido o
almoço, e das 15h às 18h, quando sai o jantar. A comida é internacional
para não melindrar paladares.
— Desafio é achar alimento orgânico nas paradas. No Brasil é muito difícil — diz.
O
operador italiano de rádio Gianluca Morini, de 38 anos, participou do
projeto de comunicação e navegação do novo veleiro, capaz de mandar
imagens e informações de qualquer ponto do planeta via satélite. É
casado com a marinheira australiana Emma Briggs, com quem forma o único
casal a dividir uma cabine. Eles não têm filhos.
— Eu a conheci em 2006 no Artic Sunrise, e estamos juntos desde então. Mas é difícil constituir família — diz Briggs.
O
que não preocupa muito o único brasileiro da tripulação contratada, o
administrador de empresas paulista Mario Kabilio, de 33 anos, que
abandonou a vida em escritório para ser voluntário do Greenpeace na Nova
Zelândia. Nos últimos dois meses no navio, teve dois dias de folga:
— A motivação da causa pela defesa da natureza é a energia que nos move. Nem penso em parar.
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